Brasil: Capital da Medicina Fetal de excelência

Em anos recentes, aqui no Brasil, investimos no aprimoramento da técnica para correção da espinha bífida ainda no útero

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Fábio Peralta
Coordenador do Gestar – Centro de Medicina Fetal

Publicado na edição 730 – jan/fev de 2022 da Revista da APM
Foto: Divulgação

Com incidência aproximada de um em cada mil nascidos vivos no Brasil, a Mielomeningocele, ou Espinha Bífida Aberta, é uma das mais comuns anomalias congênitas do sistema nervoso central. Provoca paralisia dos membros inferiores, atraso no desenvolvimento intelectual, alterações intestinais, urinárias e ortopédicas. 

Até há alguns anos, a correção da espinha bífida só era realizada após o nascimento. Cerca de 80% dos bebês operados necessitavam da colocação de drenos no cérebro. Um contingente expressivo deles precisava de cirurgias repetidas, que redundavam em progressiva redução da capacidade intelectual e altas taxas de óbito: 15% até o quinto ano de vida. 

Há cerca de uma década, em 2011, resultados de trabalho científico elaborado nos EUA, denominado de MOMs trial – Management of Myelomeningocele study demostraram que os bebês com espinha bífida poderiam ser tratados ainda no útero por cirurgia aberta. Isso, com significativo aumento na chance de deambular, melhora no desenvolvimento intelectual e menor necessidade de colocação de drenos cerebrais após o nascimento. 

Desde então, o procedimento intrauterino por cirurgia aberta tornou-se opção de efetividade acima da média para tratamento de fetos com espinha bífida.  Porém, nem todos os bebês podem ser operados durante a gestação. Existem indicações específicas. Por exemplo, a idade gestacional entre 19 e 26 semanas. 

Em anos recentes, aqui no Brasil, investimos no aprimoramento dessa técnica. Equipes de especialistas do Gestar/Centro de Medicina Fetal, em parceria com os grupos HCor/Associação Beneficente Síria e Santa Joana, desenvolveram um procedimento semelhante àquele descrito pelo MOMs trial, mas com menores riscos maternos e de parto prematuro. 

A técnica tradicional consiste em uma cirurgia aberta com incisão no útero de 6 a 8 cm de extensão. A modificada e publicada internacionalmente, denominada correção da mielomeningocele fetal por minihisterotomia, reduz a extensão da incisão uterina para 2,5 cm, o que consequentemente diminui os riscos maternos da cirurgia, mantendo os benefícios para o feto. 

É expressivo o impacto da idade gestacional no momento do reparo do disrafismo espinhal fetal – ou seja, da mielomeningocele. Os operados no início do intervalo gestacional de 19,7 a 26,9 semanas apresentam maior probabilidade de caminhar com ou sem órtese. O dado realmente impressiona: são 63,76% as estatísticas de sucesso. 

Vale registrar que o estudo brasileiro engloba um grupo de 69 bebês submetidos à intervenção intraútero com avaliação neurológica formal após 2,5 anos de idade. Hoje, já é referência internacional, inclusive trazendo centros de todo o planeta ao Brasil para conhecer melhor e se aprofundar na utilização da técnica.