Como os cortes orçamentários em educação, ciência e tecnologia e a evasão de doutores afetam a produção científica brasileira? Para abordar o assunto, na noite do dia 6 de outubro, o webinar da Associação Paulista de Medicina e da Associação Médica Brasileira contou com a participação da reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Denise Pires de Carvalho.
Para adentrar o assunto, ela destaca que as instituições de pesquisa são responsáveis hoje por 95% das produções científicas brasileiras. “Se pegarmos as instituições municipais, estaduais e federais, as maiores ações de enfrentamento recentes são contra a Covid-19. Foram mais de 42 milhões de pessoas beneficiadas só pela rede federal, com a produção de álcool em gel, serviços de apoio psicológico, fabricação de equipamentos de proteção individual, produção de materiais educativos, entres outras realizações”, destaca a palestrante.
O sistema federal também foi capaz de transformar o ensino remoto rapidamente, permitindo a inclusão digital e mantendo a educação híbrida. Assim sendo, o Brasil atingiu o 11º lugar em número de publicações sobre a Covid-19, em 2020. A USP lidera o número de publicações, com 729, seguida da Fiocruz, com 261, e UFRJ, com 237, além de outras produções de instituições públicas fora do eixo Rio-São Paulo.
“Eu imagino que na USP, assim como na Unesp, Unicamp, Unifesp e UFRJ, não havia nenhum pesquisador trabalhando com o SARS-CoV-2, muito menos com a Covid-19, doença até então desconhecida por nós. Mas, veja em apenas um ano toda essa riqueza de instituições capaz de transformar o Brasil em 11º país em produção intelectual”, destaca Denise.
Evasão e orçamento
Nesse ínterim, há a real migração de cérebros? “Há sim uma tendência de evasão e temos de enfrentar esse enorme desafio”, responde a reitora, que também é professora titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ.
De acordo com o Departamento de Imigração Norte-Americana, empresa de advocacia de imigração Hayman-Woodward e consultoria JBJ Partners, o número de pedidos de trabalhadores brasileiros considerados prioritários e de alta qualificação – cientistas, atletas e altos executivos – chegou a 3.387 em 2020, representando um aumento de 10,5% em relação a 2019.
Na outra ponta, a professora destaca que a edição do Plano Nacional de Educação projeta a necessidade de expansão aproximada de 667 mil novas matrículas nas instituições federais de ensino superior até 2024, o que leva a um acréscimo de 56,5%.
“Como fazer isso sem orçamento? Estamos terminando o ano sem pagar as nossas contas devido à Emenda Constitucional do Teto de Gastos, [que limita por 20 anos os gastos públicos], incidindo sobre educação, ciência e tecnologia; portanto, incide-se sobre o futuro do País. Em resumo, o que temos visto agora, em 2021, é um decréscimo importante sobre o orçamento discricionário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em reais”, exemplifica.
Manutenção da pesquisa no futuro
Em seguida, Denise Carvalho mostrou o orçamento dos principais fundos de apoio à pesquisa científica e tecnológica no Brasil. São eles: FNDCT, CNPq e Capes, de 2000 a 2020. Levantamento de dados aponta um aumento importante do fomento em atividades entre 2000 e 2015. A partir de 2015, houve um decréscimo progressivo e, em 2021, ainda maior em cortes no sistema de ciência e tecnologia e inovação brasileiro.
Com relação ao perfil do corpo docente na educação superior, a maioria dos doutores está empregada no sistema educacional público. “Deveria haver um incentivo da rede de ensino privada, com bons salários”, sugere. Sobre a distribuição percentual de doutores titulados no Brasil, entre 1996 e 2006, empregados durante o ano de 2008, grande parte está centrada na educação, sendo 76,77%.
“Não houve desenvolvimento industrial no País, não houve empresas que contratassem esses doutores, muito pelo contrário, o empreendedorismo no Brasil não é estimulado. E os doutores evadem quando querem empreender a atuar no setor privado, por exemplo. Mais uma conclusão que tiramos: não há nenhum país desenvolvido no mundo sem que haja um número suficiente de doutores por habitantes em termos percentuais e que não estejam empregados em geração de alta tecnologia”, reitera a palestrante.
Entre 2017 e 2019, 73 docentes pediram exoneração da USP e 70 solicitaram afastamento não remunerado. No mesmo período, na UFRJ, 45 pediram exoneração e 64 solicitaram afastamento. Segundo ela, as políticas fundamentais para diminuir a fuga dos cérebros são: a recomposição orçamentária em ciência e tecnologia prejudicada com o teto de gastos públicos; valorização da carreira, autonomia financeira, desburocratização, interação universidade-empresas e investimento em industrialização. Para futuros possíveis, pensar na indústria 5.0, inteligência artificial, Medicina personalizada, mudanças climáticas e economias sustentáveis.
Considerações
O evento foi moderado pelo diretor de Relações Internacionais da AMB, Carlos Vicente Serrano Júnior, e pelo pós-doutor da Harvard Medical School, Paulo Lotufo.
Com a crise fiscal em 2014, houve contenção de gastos e de contratação de pessoal na USP. Segundo Lotufo, os colapsos econômicos também facilitam a fuga de cérebros. “A situação torna-se mais complicada ainda quando há tentativa de estimular a volta ao País, porque não basta ter um bom laboratório, um bom plano de pesquisa e conseguir recursos em Medicina, essas pessoas já constituíram família e temem muito sobre o futuro dos filhos. Estamos perdendo pessoas realmente com muito gabarito.”
Por fim, o presidente da Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomes do Amaral, sintetizou que quando se criou a Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos, o objetivo era colocar certo freio no desequilíbrio entre a disponibilidade de recursos e o endividamento excessivo. “A partir do momento que isso aconteceu, lógico que a área social de desenvolvimento e tecnologia não era para ser limitada. E como tirar recursos face às necessidades sociais?”, finalizou.



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