Chikungunya: um problema socioeconômico

Enquanto os holofotes do mundo se voltavam para o surto de ebola na África Ocidental entre 2013 e 2014, nas Américas, uma doença crescia rápida e silenciosamente aos olhos da comunidade científica internacional.

Artigos

Enquanto os holofotes do mundo se voltavam para o surto de ebola na África Ocidental entre 2013 e 2014, nas Américas, uma doença crescia rápida e silenciosamente aos olhos da comunidade científica internacional. Introduzida no Caribe no final de 2013, apenas um ano depois mais de um milhão de pessoas já haviam se infectado com o vírus da Chikungunya em toda a América.

Em 2015, novamente foi distanciada da atenção da mídia e do Governo devido ao surto de Zika e a microcefalia associada, porém, com o aumento dos casos no Sudeste, torna-se urgente a preparação dos serviços de Saúde e dos profissionais envolvidos para essa epidemia já instalada no País.

Inicialmente descrito em 1952 na Tanzânia, seu nome deriva do dialeto Makonde e significa “curvar-se sobre si”, devido à posição antálgica clássica das pessoas infectadas. Sendo até então uma doença restrita ao seu ciclo silvestre, com alguns surtos esporádicos, mantinha-se, como tantas outras doenças infectocontagiosas, às margens do interesse da comunidade científica e da indústria farmacêutica.

Assim como outros arbovírus, sofreu uma rápida disseminação em escala mundial devido ao grande número de viagens internacionais e ao comércio global, aliados à ampla distribuição, principalmente em áreas tropicais, dos seus vetores, o A. aegypti e o A. albopictus.

O primeiro grande surto ocorreu entre os anos de 2004 e 2011, inicialmente no Quênia, e depois atingindo principalmente a região do Oceano Ìndico (ex. Ilhas Reunion) e Índia, com milhões de casos notificados. Esse surto foi relacionado a uma nova mutação do vírus, que possibilitou sua transmissão mais efetiva pelo mosquito A. albopictus. Esse vetor, conhecido por sua alta densidade em ambientes urbanos, tem ampla distribuição mundial, incluindo regiões de clima temperado, o que torna países da Europa e EUA vulneráveis a epidemias e, como consequência, atraindo maior atenção mundial.

A partir da introdução no Caribe, em outubro de 2013, o vírus encontrou nas Américas um local mais que propício para sua rápida disseminação, devido a condições favoráveis como a vulnerabilidade da população e a alta densidade dos vetores. No Brasil, os primeiros casos foram notificados em outubro de 2014 e dados atuais apontam, somente no ano de 2016, mais de 150.000 casos prováveis e 63.000 confirmados. Porém, é importante ressaltar que esse número deve ser bastante subestimado, já que enfrentamos hoje um “cruzamento” de três epidemias (Dengue, Zika e Chikungunya), e a notificação baseada apenas em achados clínico-epidemiológicos, sem a devida análise sorológica, se torna bastante falha.

Quadro reumatológico

O vírus Chikungunya é um alfavirus e, diferente de outras doenças virais, é sintomática na maioria dos casos (>85%). Após a picada do mosquito, o período de incubação viral é de 2-6 dias, seguido pelo início súbito dos sintomas que classicamente compõem a tríade: febre alta, exantema maculopapular e poliartralgia. Outros sintomas encontrados podem ser cefaleia, mialgia, náuseas/vômitos e diarreia, entre outros.

A poliartralgia compõe o sintoma mais marcante da doença, pois frequentemente é incapacitante e ocorre em até 100% dos casos sintomáticos agudos, evoluindo para forma crônica em algumas séries de casos, em mais de 50% da população infectada, podendo durar anos a fio. A forma crônica comporta-se muitas vezes como uma “artrite reumatoide-símile”, inclusive com detecção de auto anticorpos. Formas graves são raras e a mortalidade está associada a manifestações neurológicas, miocardite e hepatite, principalmente nas populações mais vulneráveis, como extremos de idades e gestantes.

Impacto econômico

Estudos realizados durante a epidemia ocorrida nas Ilhas Reunion, no Oceano Índico, entre 2005 e 2006, na qual mais ou menos 1/3 da população foi infectada, dão ideia da proporção do impacto econômico causado pelo vírus: custo total de 43 milhões de euros, atribuídos principalmente a despesas médicas diretas, como consultas, hospitalizações e medicamentos, além de outros, como tempo de afastamento do trabalho (112.400 dias no total da população atingida).

Apesar de ainda não termos dados do impacto econômico e social em nosso País, relatos do Nordeste, em especial no estado de Pernambuco, chegam a ser assustadores. Cidades inteiras com suas linhas de produção em artesanato e manufaturas interrompidas. Considerando o fato de estarmos diante de um vírus com uma taxa de ataque (população que será infectada) em torno de 50%, com quadro crônico em mais de 30% da população acometida, a perspectiva não se torna nada animadora.

E, infelizmente, no momento, a melhor arma ainda é a prevenção e o combate ao vetor. O Governo e as entidades médicas têm como missão e desafio principal capacitar as unidades assistenciais para o melhor atendimento da população, além do tremendo desafio logístico relacionado à carência de referência em reumatologia em vários lugares do País.

Lucas Chaves Netto, médico assistente do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do HC/FMUSP 

Por: Lucas Chaves Netto