O desafio das coberturas vacinais e o fenômeno da hesitação

As taxas de CV, que já vinham em queda, tiveram forte impacto negativo com a pandemia de Covid-19

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 A queda nas taxas de Coberturas Vacinais (CV) na infância traz enormes preocupações para todos os países, com risco de retorno de doenças já controladas e eliminadas – como o sarampo, a difteria e até a poliomielite.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que dados oficiais apontam que 23 milhões de crianças não receberam as vacinas básicas por meio dos serviços de vacinação de rotina em 2020, representando 3,7 milhões a mais do que em 2019.

Outro aspecto a ser considerado é a heterogeneidade das CV nos mais de 5.500 municípios do Brasil. Bolsões de baixas coberturas não favorecem o controle das doenças. A homogeneidade de coberturas para os anos de 2015 a 2018 foi baixa em todo período, com tendência decrescente para cada vacina.

Somam-se a esses fatores os desafios de uma vacinação oportuna, ou seja, que as vacinas sejam aplicadas nas idades preconizadas sem atrasos e sem interrupções do esquema vacinal.

A redução nas taxas de vacinação tem sido atribuída a diversos fatores, destacando-se: perda de percepção de risco para doenças que já não fazem mais parte de nossa rotina, desabastecimento frequente de algumas vacinas, horários de funcionamento dos postos de saúde que não atendem mais às necessidades de famílias que trabalham, a própria complexidade do calendário vacinal, com grande número de visitas necessárias para seu adequado cumprimento, entre outros. Além do surgimento de grupos antivacinas, que disseminam notícias falsas sobre a segurança e a efetividade dos imunizantes.

As taxas de CV, que já vinham em queda, tiveram forte impacto negativo com a pandemia de Covid-19. As atenções e a sobrecarga do sistema de Saúde voltadas à pandemia, e também o receio da população em frequentar serviços de vacinação, foram determinantes para que a procura pela vacinação fosse deixada em segundo plano.

MODELO MUNDIAL

As CV no Brasil, para as vacinas do calendário da criança, até pouco tempo sempre foram elevadas, destacando-se no cenário internacional como uma das melhores. Em nosso País, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), em seus quase 50 anos de existência, tornou-se modelo, com constantes incorporações de novas vacinas, grande capilaridade, dinamismo, gratuidade e grande credibilidade e confiança, conquistadas desde sua criação.

O PNI foi criado em 1973, abrindo uma nova etapa na história das políticas de saúde pública no campo da prevenção, ano em foi declarada a erradicação da varíola nas Américas. O envolvimento das três esferas da gestão no planejamento, capacitação, infraestrutura e logística foi capaz de permitir que na linha de frente do Sistema Único de Saúde chegassem vacinas de qualidade, o que gerou credibilidade por parte população.

O PNI, com suas mais de 38.000 salas de vacinas distribuídas por todo País, foi responsável pela erradicação da varíola, contribuiu para eliminação da poliomielite, interrupção da transmissão do sarampo e da rubéola, eliminação do tétano materno neonatal, redução da incidência de difteria, coqueluche, meningite causada por H. influenzae tipo b, tétano, tuberculose em menores de 15 anos de idade, além da redução significativa nas taxas de mortalidade infantil no Brasil.

Até o ano de 2015, as CV no País eram avaliadas por doses aplicadas para cada vacina do Calendário Básico. A partir de 2016/2017, foi iniciado o processo de implantação do Sistema de Informação Nominal para avaliação das coberturas vacinais. Esse novo sistema possibilitou coletar a informação nominal, com a entrada de dados individuais e por procedência, permitindo o registro de todo o histórico vacinal, acompanhamento e a localização da pessoa vacinada.

Com o novo sistema, além da avaliação das CV, está sendo possível avaliar o número de pessoas com esquema de vacinação completo para a idade e por local de residência. Em 2018, o SI-PNI estava implantado, por exemplo, em 75% das salas de vacinas no estado de São Paulo. No entanto, é importante esclarecer que o novo sistema necessita de algumas adequações: treinamento das equipes das salas de vacinas, acesso à rede de internet, computadores e ajustes para que os relatórios realmente expressem as coberturas vacinais do calendário básico de cada município.

HESITAÇÃO VACINAL

Refere-se à demora em aceitar ou a recusa das vacinas, apesar da disponibilidade nos serviços de vacinação. É um fenômeno complexo e específico em seu contexto, variando ao longo do tempo, lugar e vacinas.

Com a pandemia de Covid-19, veio a infodemia, definida como uma epidemia de informações precisas ou imprecisas que se disseminam de forma rápida e abrangente como uma doença digitalmente transmissível. À medida que fatos, rumores e medos se misturam e se dispersam, torna-se difícil para as pessoas encontrarem fontes e orientações confiáveis quando precisam.

Os riscos da desinformação para os programas de vacinação nunca foram tão elevados, assim como o risco de reemergência de doenças imunopreveníveis. A atitude dos médicos e outros profissionais de Saúde em relação à vacinação influencia seus pacientes e afeta a decisão da população em se vacinar. A recomendação médica foi, e continua sendo, importante fator de adesão da população à vacinação.

A recuperação de elevadas e homogêneas CV é crucial para a manutenção do controle e eliminação de diversas doenças imunopreveníveis. As conquistas obtidas pelos extensos programas de vacinação são marcos fundamentais da saúde pública. Todos os esforços para a sua recuperação devem ser realizados.

São urgentes no País as ações para aumentar a imunização infantil e sustentá-la em um patamar elevado, sendo fundamental a participação de todos os profissionais da Saúde em avaliar, na sua prática diária, a situação vacinal de todo indivíduo, estimulando e fomentando o conhecimento sobre vacinas, aumentando a adesão de todos aos programas de vacinação. O combate à desinformação é ferramenta crucial na recuperação da confiança da população nas vacinas.

Renato de Ávila Kfouri
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Publicada na edição 737 – Maio de 2023 da Revista da APM