Palavra do Presidente – Seis anos

Folheio as Revistas da APM dos últimos anos e, a despeito dos textos e das imagens expressivas retratando em várias iniciativas a pujança da Associação, equívocos e dissidências em 2017 ameaçavam comprometer o trabalho das gestões anteriores

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Deixo a Presidência da Associação Paulista de Medicina após exercê-la nos últimos seis anos. Das tantas lembranças que guardo deste período, segue aqui uma parte delas, incluídas algumas precedentes à minha eleição a este prestigioso cargo.

Folheio as Revistas da APM dos últimos anos e, a despeito dos textos e das imagens expressivas retratando em várias iniciativas a pujança da Associação, equívocos e dissidências em 2017 ameaçavam comprometer o trabalho das gestões anteriores.  

Em inúmeras tentativas de esclarecimentos e conciliação, constituiu-se uma chapa apoiada pela situação, trazendo-nos Eleuses Vieira de Paiva e eu. Era uma tentativa de reedição de um modelo de gestão associativa inaugurado em 1995. Às portas da campanha, Eleuses teve de abdicar da sua candidatura, o que me trouxe à Presidência, tendo ao lado, na 1ª vice-presidência, o inesquecível amigo Donaldo Cerci da Cunha. Bem-sucedidos no pleito, demos início à primeira gestão dos últimos seis anos.

Na Associação Médica Brasileira, a vitória da oposição, liderada por Jurandir Marcondes Ribas Filho, colega paranaense, teve forte apoio da APM. Jurandir consagrou-se com o apoio de mais de 70% dos paulistas (4.256 votos), mas eis que a todos nós surpreende uma judicialização espúria: à revelia da Assembleia de Delegados daquela instituição, toma posse um candidato que, à custa de forte campanha de desinformação e chicanas de toda sorte, logra perpetuar-se até o final do mandato.

Malgrado o cenário difícil enfrentado na política associativa nacional, a APM e sua coirmã Associação Médica do Paraná viveram considerável prosperidade e atuaram com grande intensidade em busca da defesa da Saúde, da Medicina e do médico.

Felizmente, após longos três anos alijados da AMB, foi-nos possível restaurá-la, elegendo César Eduardo Fernandes e uma Diretoria íntegra e competente, que a partir de 2021, resgatou a credibilidade de nossa representação nacional.

Ao longo dos anos de 2014 e de 2015, respirava-se a indignação popular face à crescente corrupção em vários setores, e parecia que (parafraseando o jornalista Boris Casoy) havia chegado o momento de “passar o Brasil a limpo”.

O desgoverno não poupava a área da Saúde. A degradação da profissão médica havia chegado ao ápice com a implementação do programa Mais Médicos, com tráfico de mão-de-obra cubana, abertura irresponsável de escolas médicas e desrespeito total ao “ato médico”.

Subiu a temperatura dos movimentos em defesa do SUS e da Medicina. Entre manifestações públicas, escândalos amplamente publicizados, prisões, confissões e devolução de alguns dos recursos públicos ilicitamente desviados, a presidente sofre impeachment e assume o vice-presidente da República em 2016. Por alguns momentos, a situação parece voltar ao controle. Tem-se até uma espécie pouco eficiente de “moratória” voltada a limitar a autorização de novos cursos de Medicina.

Na APM, em 2018 inaugurava-se o Residencial APM – Edifício Florisval Meinão; e nos anos que se seguem, reinaugura-se o Auditório Nobre, agora batizado como Professor Adib Jatene, abre-se parceria com a Unicred e conclui-se ampla revisão dos estatutos e regimentos da instituição – o que facilita a reformulação das relações da APM com as sociedades de especialidades médicas estaduais -, entre muitas outras conquistas.

Em 1º de janeiro de 2019, assume novo Governo. A imposição de revalidação do diploma dos cubanos importados como médicos, associada à interrupção do pagamento de seus salários ao governo daquele país, faz com que tenhamos o fim do programa Mais Médicos.

Com o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, iniciamos a discussão de proposta de interiorização da assistência médica, projeto este interrompido com a eclosão da pandemia de Covid-19. Esta pandemia, a maior crise sanitária de nossos tempos, abateu-se sobre nós impiedosamente no início de 2020, arrefecendo apenas ao final de 2022.

Por um lado, ela trouxe à tona, do passado, o obscurantismo medieval; por outro, antecipou o futuro na vertiginosa evolução técnico-científica das vacinas. Expôs as faces da solidariedade e do egoísmo humanos. Inspirou sinergia e antagonismo. Contaminou as relações humanas de bem e de mal. Exemplos do que possa haver de melhor e de pior não nos faltaram.

Hoje, enxugamos as lágrimas do luto e tentamos limpar a vergonha das mesquinhezes; mas, também não nos falta espaço para celebrar muitos heróis e suas muitas glórias. Pois que não nos falte memória para recordar os erros e os acertos. Que não nos falte sabedoria para aproveitar as experiências vividas. Que não nos falte ânimo para ir adiante.

Não será fácil fazer frente à explosão de problemas da Saúde, resultado da demanda reprimida durante o período de pandemia; ou ultrapassar as crises internas, econômica e social; bem como equilibrarmo-nos na instabilidade de um mundo pleno de grandes conflitos e ultrapassar ressentimentos e escoimar de nossas relações a contaminação política que ainda obnubila o julgamento e dificulta as decisões.

Hoje, assistimos considerável retrocesso no combate à corrupção, recrudescimento da violência nos grandes centros urbanos, crescimento do crime organizado e da população em situação de rua, das drogas e de outras mazelas. Vivemos escandalosa proliferação de “escolas” médicas, sérias ameaças à regulação das especialidades.

Vivemos a volta do Mais Médicos, o fantasma da intervenção na especialização, a abertura escancarada de cursos de “Medicina” (fazendo do Brasil, de longe, o país com o maior número de faculdades do planeta) e a multiplicação de suas vagas.

Sofremos cruel campanha voltada a tirar dos médicos a credibilidade junto à população. Vivemos a pressão por retrocessos na regulação dos planos de saúde privados. Este cenário exige união dos médicos e reafirmação dos nossos ideais e valores.

Agora, renovam-se os quadros do associativismo médico brasileiro, na APM com Antonio José Gonçalves, e na AMB com a reeleição de César Eduardo Fernandes. Que nas mudanças consolidem-se os princípios e valores de nossas instituições. Mais do que nunca, a sociedade brasileira precisa de nós!

José Luiz Gomes do Amaral, Presidente da APM

Publicada na edição 740 – Outubro/Novembro de 2023 da Revista da APM

Foto: Alexandre Diniz