Avanços na comercialização de hemoderivados

Investimentos da iniciativa privada podem ajudar a suprir carência, além de ampliar a produção e o fornecimento de medicamentos

Últimas notícias

Desde 2004, a produção de hemoderivados no Brasil é feita pela Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, a Hemobrás. No entanto, a fábrica, que está localizada no município de Goiana, Pernambuco, ainda não tem a estrutura totalmente pronta e opera com a sua capacidade reduzida, o que contribui para a escassez na produção de medicamentos provenientes do sangue no País.

Conforme a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) explica, todo o plasma coletado no Brasil, atualmente, é destinado para a produção internacional de hemoderivados, fazendo com que a Hemobrás tenha que importar de volta todo o material, ocasionando custos elevados neste processo. De acordo com a entidade, a coleta desta substância ainda é altamente insuficiente para suprir a demanda – anualmente, há o recolhimento de apenas 200 mil litros, quando o necessário seria, no mínimo, 1 milhão – não atendendo pacientes que necessitem de imunoglobulina, por exemplo, o principal anticorpo derivado do plasma.

“A Hemobrás, mesmo quando estiver operando a plena capacidade, de 500 mil litros de plasma por ano, atenderá apenas uma fração da necessidade de imunoglobulina, em torno de 10%, para tratar adequadamente os pacientes brasileiros”, explica a ABHH, por meio de seus veículos oficiais. “Essa quantidade de plasma não poderá ser atendida pela expansão da coleta de sangue total porque geraria um desperdício inaceitável de componentes sanguíneos, como o concentrado de hemácias e de plaquetas”, complementa a entidade.

É neste sentido que surge a PEC nº 10/2022, assinada pelo senador Nelsinho Trad (PSD) e aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal no dia 4 de outubro deste ano. A proposta seguiu para o Plenário e tem como intuito alterar o Artigo 199 da Constituição Federal, que proíbe a comercialização do sangue e seus derivados, buscando abrir uma exceção para o plasma sanguíneo – possibilitando, assim, o desenvolvimento de novas tecnologias e medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde e, consequentemente, garantindo um atendimento de qualidade à população que necessita dos hemoderivados.

O presidente da Associação Paulista de Medicina, Antonio José Gonçalves, reforça a necessidade de mudança de cenário para fazer o Brasil se tornar uma referência na produção destes medicamentos. “Tamanha disparidade evidencia quão urgentes são os investimentos privados no setor. Não podemos permanecer dependentes da importação da imunoglobulina, arcando com gastos indevidos. Apoiamos a Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e adotamos postura favorável à iniciativa privada.”  

Ética e segurança

Embora este assunto esteja sendo repassado de diferentes formas nos canais de comunicação, a ABHH reitera a importância de prestar esclarecimentos à população sobre de que maneira a comercialização do plasma irá funcionar. “A PEC vai permitir a participação da iniciativa privada na construção de novas fábricas para suprir a carência. A construção de mais fábricas criará o sinergismo necessário entre os setores público e privado, garantindo um atendimento adequado aos pacientes brasileiros.

Além disso, a entidade também frisa que a remuneração aos doadores de plasma, embora legalizada em outros países, não se aplicará no Brasil, de modo que a prática da doação – de sangue ou de plasma – continuará completamente voluntária. Recentemente, as propostas de um possível pagamento foram retiradas da PEC, contribuindo para que a realização do ato de doar fosse completamente humanitária, desprendida de eventuais interesses.

“A mudança trará, isto sim, uma ampliação da oferta de imunoglobulina para a população. Em um País de dimensões e desafios igualmente imensos, como o nosso, é vital estarmos abertos a soluções inovadoras e parcerias estratégicas que beneficiem a Saúde e o bem-estar dos cidadãos”, defende o presidente da APM.

Em tempo, a ABHH reforça que de maneira oposta ao que aqueles que são contrários ao projeto dizem, a comercialização do plasma não trará impactos negativos no número de doadores em hemocentros e nem nos bancos de sangue ao redor do Brasil. Do mesmo modo, a oferta de sangue utilizada para transfusões também não será ameaçada. A Associação destaca que, seguindo o exemplo de países que já realizam esta prática ao lado da iniciativa privada, a tendência é que as taxas de doação, na realidade, sejam crescentes.

Parecer

O Ministério da Saúde mantém o seu posicionamento contrário à iniciativa privada e espera trabalhar para que, até 2025, a Hemobrás aumente a oferta de hemoderivados no País. Neste sentido, está sendo previsto um investimento de R$ 900 milhões na fábrica, advindos do Programa de Aceleração do Crescimento.

Contudo, associações e autoridades favoráveis à PEC destacam que, mesmo após a Hemobrás trabalhar com o pleno funcionamento de seu parque fabril, a demanda interna de medicamentos derivados do plasma ainda será muito alta, o que levará à desassistência de boa parte dos pacientes e ao aumento gradativo no valor dos medicamentos produzidos por meio das propriedades do sangue.

Profissionais da Saúde que defendem a PEC demonstram que ela se consagra como uma estratégia elaborada ao lado de laboratórios na tentativa de abastecer, valorizar e fortalecer a indústria brasileira, uma vez que o País ainda possui tecnologias muito escassas para produzir os seus próprios hemoderivados e se tornar independente neste campo, se consagrando como uma referência – como já é o caso no tratamento do HIV e na realização de transplantes, por exemplo.

Segundo a ABHH, todas as modificações propostas pela PEC 110 estão seguindo os aspectos legais. “A própria Constituição Federal garante que a prestação de serviços de Saúde também é livre à iniciativa privada e a sua proibição seria inconstitucional. A PEC permite uma resposta mais adequada às necessidades de tratamento dos pacientes, abrindo a possibilidade de participação privada que, somada às iniciativas públicas já em curso, permitirá enorme avanço ao País, que poderá atingir a autossuficiência em hemoderivados.”

Publicada na edição 741 – Dezembro de 2023 da Revista da APM