Diretor da APM comenta atuação de médicos nas redes sociais na SBACVSP

Para Marun David Cury, os médicos podem participar das redes sociais, mas com limitações impostas pelo Conselho Federal de Medicina

APM na imprensa

Médicos nas redes sociais. O que diz a ética?

Entender os limites legais e morais da atuação digital, saber dos riscos da exposição de pacientes e das diretrizes do CFM podem evitar infrações e preservar a confiança na profissão

O avanço das redes sociais trouxe novas formas de interação entre médicos, profissionais da saúde e o público. Ao mesmo tempo, surgiram desafios éticos e legais importantes, especialmente em relação à exposição indevida de pacientes, ao uso da imagem para autopromoção e a divulgação de práticas médicas fora dos limites estabelecidos pelos conselhos profissionais.

Pesquisas mostram que 77% dos pacientes buscam no Google informações sobre saúde antes mesmo de se consultar com um profissional, o que transforma profundamente a dinâmica da relação médico-paciente. Além disso, 41% das decisões de saúde são influenciadas por conteúdos consumidos em redes sociais, o que amplia ainda mais a responsabilidade do prestador de serviço ao se comunicar nesses ambientes.

De acordo com o advogado, bioeticista e diretor da Sociedade Brasileira de Bioética, Henderson Fürst, é possível utilizar imagens de pacientes nas redes sociais, mas existem restrições rigorosas. “Não é permitido mostrar pacientes de forma que possam ser identificados, nem mesmo com autorização expressa, se isso implicar em sensacionalismo, autopromoção ou captação de clientela. Essa regra vale, inclusive, para repostagens em que o paciente marca o perfil do profissional. A proteção da dignidade e da privacidade permanece como princípio essencial, mesmo diante das novas formas de comunicação”, afirma Fürst.

As normas que regulam a presença dos profissionais de saúde nas redes sociais estão previstas principalmente nos Códigos de Ética das respectivas profissões e, no caso da medicina, na Resolução CFM 2.336/2023, detalhada pelo Manual da CODAME. Essa resolução passou a permitir o uso de imagens de “antes e depois” de procedimentos médicos, desde que respeitados critérios éticos claros, como o anonimato do paciente e a ausência de promessas de resultado. A mudança ocorreu após o entendimento de que essas imagens, quando bem contextualizadas, podem ter valor educativo. No entanto, a simples autorização do paciente não legitima publicações com viés publicitário ou que reforcem a figura do médico como celebridade.

Episódios como o das estudantes de medicina que exibiram uma paciente transplantada nas redes sociais evidenciam a gravidade desse tipo de conduta. Segundo Fürst, situações como essa podem configurar infrações éticas graves, como a violação do sigilo profissional e da dignidade do paciente, além de gerar responsabilidade civil por danos morais e até consequências criminais, como injúria ou violação de segredo profissional. “Nesses casos, a responsabilização pode atingir não apenas os autores da publicação, mas também instituições de ensino ou hospitais, por omissão no dever de orientação e vigilância ética”, esclarece o advogado.

A presença digital dos médicos, quando realizada de forma ética, pode gerar resultados expressivos. Nos últimos quatro anos, houve um aumento de 50,6% nas buscas por profissionais da saúde no Brasil, e médicos com presença ativa nas redes sociais podem registrar até três vezes mais agendamentos. Plataformas como o Instagram se destacam: 70% dos pacientes pesquisam clínicas na rede e 73% seguem perfis de médicos, sendo que 113 milhões de brasileiros estão conectados à plataforma. Esses dados confirmam que o ambiente digital é hoje um importante canal de informação, agendamento e fidelização.

Para a vice-diretora de Publicações da SBACV-SP, Dra. Dafne Braga Diamante Leiderman, que possui mais de 75 mil seguidores, a atuação nas redes sociais é estratégica: “Meu objetivo principal é divulgar informação confiável e de qualidade, baseada em evidência científica. Dessa forma, elevo o nível de consciência da população sobre a doença venosa crônica e as possibilidades modernas de tratamento. Como consequência, muitos pacientes chegam ao consultório já me conhecendo e com confiança no meu trabalho”. Segundo ela, 75% das novas consultas em seu consultório são provenientes do Instagram. Essa abordagem, que alia educação à autoridade técnica, exemplifica como o marketing de conteúdo pode ser eficaz sem ferir os princípios éticos da medicina.

No entanto, Dra. Dafne também destaca a importância dos limites: “Você precisa ser autêntico na rede social — a mesma pessoa no on-line e no off-line. E sempre fazer uma medicina baseada em evidência. A exposição de pacientes, mesmo com autorização, exige extremo cuidado. Os resultados devem ser apresentados com um fim didático e nunca como promessa. Cada corpo é único, e cada resultado também”.

A Associação Médica Brasileira (AMB), por meio da Dra. Maria Rita de Souza Mesquita — 1ª secretária da entidade e membro da Comissão Nacional em Defesa dos Direitos no Trabalho da Mulher Médica — vê com grande preocupação os casos de exposição indevida de pacientes ou de práticas médicas nas redes sociais. A Resolução CFM nº 2.336/2023 delineia o que pode e o que não pode ser feito na publicidade e propaganda médica, permitindo a divulgação de imagens de pacientes, mas com regras específicas e rígidas. “A AMB reforça que o ambiente digital não está à margem das normas éticas da profissão e que o médico, mesmo fora do consultório, deve manter conduta compatível com os valores da medicina. Situações de exposição indevida podem resultar em responsabilização ética pelos Conselhos Regionais de Medicina e também gerar implicações legais, inclusive na esfera cível e criminal. A entidade defende um uso responsável, educativo e institucional das redes, sempre com foco na promoção da saúde, na informação de qualidade e no respeito incondicional aos direitos dos pacientes”, declara.

Entre as principais condutas vedadas nas redes sociais estão: promessa de cura, garantia de resultados, uso de depoimentos de pacientes como prova social, realização de sorteios ou promoções e divulgação de especialidades não registradas oficialmente. Por outro lado, é permitido utilizar as redes para educação em saúde, desde que o conteúdo seja técnico, preciso, não sensacionalista e devidamente identificado com nome completo, CRM e RQE, quando aplicável.

O diretor da Associação Paulista de Medicina (APM), Dr. Marun David Cury, reforça: “Os médicos podem participar das redes sociais, mas com limitações impostas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para garantir a ética profissional e a proteção dos pacientes. É preciso ter cuidado com o que se fala, sem promessas de resultados do tratamento e exposição de pacientes.”

Cuidados essenciais no uso ético das redes sociais

Henderson Fürst também aponta uma lacuna na formação acadêmica em relação à ética digital. As mudanças rápidas trazidas pelas tecnologias – como redes sociais, inteligência artificial e Telemedicina – não têm sido acompanhadas por atualizações curriculares nas faculdades e programas de residência. A ausência de preparo específico aumenta o risco de condutas inadequadas por desconhecimento.

Mesmo perfis fechados ou de “melhores amigos” não garantem proteção contra vazamentos ou interpretações negativas. Diante desse cenário, é essencial que os profissionais adotem medidas preventivas, como:

  • Jamais publicar fotos ou relatos que identifiquem pacientes
  • Evitar comentar casos clínicos em tempo real
  • Não gravar vídeos em áreas assistenciais com outros pacientes ao fundo
  • Separar perfis pessoais e profissionais
  • Buscar orientação jurídica e institucional antes de divulgar conteúdos sensíveis

Além disso, é necessário um termo de consentimento informado, específico e por escrito sempre que houver intenção de utilizar imagens de pacientes. O documento deve explicitar a finalidade, a duração do uso e a possibilidade de revogação. No entanto, mesmo com o consentimento, não se permite o uso promocional ou para captação de novos pacientes.

Para a Dra. Dafne, o respeito às regras é inegociável: “Pode até não concordar com a regra, mas se ela existe, tem que ser respeitada. Simples assim”. Ela também defende que cada médico imprima sua identidade na comunicação digital. “A rede social precisa ter a cara do médico, a opinião dele, a voz dele, e não apenas imagens genéricas de uma agência. E isso vale para todos. Rede social não tem idade. Grandes professores têm muito a contribuir com recados importantes. Estar presente é uma forma de fazer a mensagem chegar mais longe”, destaca.

Perante o exposto, os especialistas são unânimes: é preciso manter vigilância ética constante. O desconhecimento das normas não exime de responsabilidade. No ambiente virtual, assim como no físico, o médico deve agir com respeito, cautela e profissionalismo. A ética, portanto, não deve apenas acompanhar as transformações tecnológicas, mas se fortalecer diante delas, garantindo que a medicina continue pautada na confiança, na dignidade e no cuidado humano.

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Fonte: SBACVSP