Álvaro Atallah – Precisamos transportar a experiência para a prática

O professor da Escola Paulista de Medicina e representante mundial dos diretores dos Centros Cochrane fala sobre a necessidade de transformar o conhecimento acumulado em melhorias práticas para os médicos

Entrevistas

Álvaro Nagib Atallah formou-se pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo em 1973. Especialista em Nefrofologia, ele é hoje coordenador do Programa de Pós-Graduação de Medicina Baseada em Evidências da EPM, área em que é mestre, doutor, pós-doutor, livre docente e professor. Destaca-se ainda em seu currículo a fundação do Centro Cochrane do Brasil e a representação mundial dos diretores de Centros Cochrane – institutos que reúnem 30 mil pesquisadores em todo o planeta, pacientes e profissionais para realizar revisões científicas. A partir de novembro, estará mais uma vez à frente da diretoria Científica da Associação Paulista de Medicina e resume abaixo um pouco de suas expectativas para o mandato, além de falar sobre Medicina Baseada em Evidências, educação médica, carreira acadêmica e integração com as sociedades de especialidade. Confira!

Qual sua avaliação sobre o atual momento da educação médica brasileira?

Por um lado, há muita gente preocupada em fazer bem feito, nas melhores universidades, nas mais tradicionais. Por outro, há um movimento claro de desqualificar o trabalho e o valor do médico por meio da criação desenfreada de cursos com qualidade duvidosa. É fundamental que o profissional formado seja avaliado para saber se está preparado para atender com segurança os pacientes que o procuram. Também precisa haver qualificação das escolas credenciadas e avaliação dos alunos. Porém, observamos um movimento político que tenta baratear a mão de obra. Pode ser um barato que custe a vida e a saúde das pessoas.

De que maneira enxerga as expectativas dos jovens médicos na carreira universitária?

Eu nunca saí da universidade, desde que me formei na Escola Paulista de Medicina. Acredito que o entusiasmo das pessoas é fundamental em qualquer área e que cada vez mais os médicos têm de tomar escolhas não só pela inteligência, bom senso e conhecimento, mas principalmente pela vocação. Um bom médico, por exemplo, não suporta a dor e o sofrimento da morte alheia. Esse cara irá lutar contra isso. Irá estudar, se preparar e se informar para evitar isso. Fazer pesquisas para solucionar problemas sem respostas. O indivíduo que se envolve nesse caminho, normalmente fica na universidade, sendo um professor respeitável. Hoje, formam-se muitos médicos e não se valoriza muito os professores, que têm salários baixos. Acho que nenhum país vai para a frente se não paga bem um professor. Mas creio que o jovem tem que saber se tem vocação para ser da Academia, além das competências médicas. Quando isso ocorre, o resultado é um grande professor de Medicina, que irá fazer trabalhos brilhantes em ensino, pesquisa e assistência médica – um tripé inseparável, em minha avaliação

Como tem sido a atuação do Departamento Científico da APM nos últimos anos?

A gente vem, já há duas décadas praticamente, aumentando e aperfeiçoando o uso da ciência médica nas tomadas de decisão. Então, fizemos um trabalho longo e original junto aos associados da entidade, que é a maior do Brasil no segmento. Além de promover centenas de eventos e ações para a atualização médica, na qualidade de editor chefe das revistas científicas São Paulo Medical Journal e Diagnóstico & Tratamento, continuamos divulgando evidências científicas necessárias aos médicos e a todas as especialidades. Indexamos a SPMJ na base de dados do Institute for Scientific Information (ISI) também.

“Hoje, formam-se muitos médicos e não se valoriza
muito os professores, que têm salários baixos”

O que podemos esperar para o futuro?

Agora é o momento de reforçarmos dentro da diretoria um trabalho de orientação para transportar todo esse conhecimento e experiência para a prática, focando nos associados da APM e, consequentemente, em todos os médicos do Brasil. Queremos intensificar essa função editorial de nossas revistas científicas, volta-las para a prática baseada em evidências e apoiar os médicos de todas as especialidades. Com isso, cumpriremos um papel importantíssimo da APM, que é o de servir à atenção em saúde para a população, com qualidade e ética. Queremos separar o joio do trigo para que os médicos que se mantenham sempre atualizados.

Acredita que é importante trabalhar em conjunto com as sociedades de especialidades?

Sem dúvida alguma, este é o ponto chave. Nossa diretoria só consegue colher bons frutos em sua atuação por conta dos quase 60 departamentos e comitês científicos da APM, formados pela parceria com as sociedades paulistas de especialidades. Elas também são fundamentais para que possamos oferecer eventos de qualidade aos médicos e na representação e luta pelos nossos direitos. A riqueza das publicações científicas da APM também está calcada na participação multidisciplinar de colegas das mais diversas especialidades e áreas de atuação.

Sendo um dos principais representantes brasileiros da Medicina Baseada em Evidências, quais as perspectivas da área?

Ela irá reduzir as incertezas. Hoje, o aumento dos preços na área médica é muito maior do que a inflação. O único jeito de os sistemas não quebrarem é com os médicos fazendo aquilo que tem mais chance de dar certo, evitando os erros. Temos que disseminar ainda mais a prática, e vamos continuar esse projeto nesta nova gestão da APM. À frente do Centro Cochrane do Brasil, já demos aulas em comunidades carentes de São Paulo e atuamos em conjunto com o Ministério da Saúde, tornando possível economizar anualmente de 5 a 10 bilhões de reais na área. Também ministramos cursos no Hospital Sírio-Libanês sobre Saúde e Direito baseados em evidências, nos quais já treinamos aproximadamente 25 mil médicos e 5 mil juízes e promotores para racionalizar a Judicialização da Medicina.

Entrevista publicada na Revista da APM – Edição 693 – outubro 2017
Fotos: B.Bustos