Antônio Salles – Evolução contínua

Com mais de 600 cirurgias de implantação de marca-passo cerebral no currículo, o neurocirurgião Antônio Afonso Ferreira de Salles construiu uma carreira longa e respeitada em diversas faculdades dos Estados Unidos.

Entrevistas

De volta ao Brasil há sete anos, ele explica como a cirurgia de introdução de eletrodos em pontos específicos do cérebro – ligados a um aparelho eletrônico, que fica na altura da clavícula – tem revolucionado as terapias de tremor essencial, Mal de Parkinson, distonia, epilepsia, transtorno obsessivo compulsivo, depressão, obesidade, doença de Alzheimer e anorexia nervosa. Em entrevista à Revista da APM, afirma que o investimento público na Saúde é o maior desafio para o avanço de pesquisas. 

REVISTA DA APM: Quando, onde e como surgiu a ideia do marca-passo cerebral?
ANTÔNIO SALLES: 
O marca-passo é um termo que pegamos ‘emprestado’ do aparelho cardíaco. Há mais de 60 anos, aconteceu a primeira implantação do aparelho no coração, ao passo que o cerebral foi em 1978, há 42 anos. Naquela época, o pequeno microcomputador era muito primitivo e usávamos para tratamento de dor crônica, principalmente relacionada à coluna. Com o passar dos anos, o marca-passo evoluiu e começou a se popularizar, de 1980-1990 para cá. Posteriormente, começou a ser usado para o tratamento do tremor essencial e depois passamos a implantar, seguidamente, para Mal de Parkinson, distonia, epilepsia e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Todas essas cirurgias já são aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com estudos atuais de potencial recurso terapêutico para casos de depressão, obesidade, doença de Alzheimer e anorexia nervosa. É importante fisar que o marca-passo evolui em paralelo à transformação rápida e gritante do computador; e desde sua invenção aos dias de hoje, permanece em evolução contínua. Outro aspecto interessante é que não há ninguém que ganhou um prêmio pela invenção do aparelho, porque não sabemos quem o inventou. 

Como que é feita a aplicação?
O marca-passo é um conjunto de eletrodos que interage com a região cerebral que precisa ser melhorada. Para cada uma das doenças que citei [acima], colocamos o marca-passo em uma área diferente/específica do cérebro para melhorar sintomatologia do paciente. Para isso, usamos as imagens computadorizadas de ressonância ou tomografia que nso permitem analisar o cérebro da pessoa com detalhes para a realização do cálculo matemático preciso. Ao encontrar o alv/local, introduzimos os eletrodos ligados ao marca-passo que fica no tórax. Em outras palavras, implantamos o marca-passo próximo à alatura da clavícula e instalamos todos os fios na região determinada do cérebro. Esse marca-passo envia impulsos eletrônicos do tórax para o cérebro, resolvendo o quadro sintomático do paciente. 

No Brasil e no exterior, quantos pacientes já foram tratados cirurgicamente com o marca-passo?
No mundo, estamos chegando a 300 mil implantações, é uma terapia realmente comprovada. Só eu já implantei mais de 500 marca-passos quando trabalhava no exterior, em Los Angeles. Aqui no Brasil, fiz em torno de 100 procedimentos. Não tenho dados oficiais brasileiros, mas imagino que chegamos em torno de mil cirurgias de marca-passos neurológicos. 

Há uma recomendação para implatação, de acordo com estágios diagnósticos?
O marca-passo é recomendao quando o medicamento destinado ao tratamento não faz mais efeito e a pessoa tem a vida social comprometida porque treme, por exemplo, e precisa de um tratamento imediato para continuar com a sua vida normalmente. No Mal de Parkinson, geralmente depois de quatro anos da doença, sem efeito medicamentosos, realizamos a cirurgia. Em outras doenças como epilepsia e distonia, implantamos o marca-passo sempre na ordem do diagnóstico, do bem-estar afetado e do não funcionamento do remédio. É bom lemebrar que o tempo para o procedimento, depois de dois, quatro ou cinco anos com a sintomatologia, varia de paciente para paciente. Também já fiz cirurgia em criança de até 2 anos e de 1 ano e 6 meses, ambas diagnosticadas com distonia hereditária. 

Quais são os avanços mais significativos com o tratamento? 
Hoje, o marca-passo é recarregável, ou seja, você não precisa – dependendo do descarregamento da bateria – operar a pessoa de dois em dois anos ou de cinco em cinco anos, por exemplo. Um grande avanço porque diminuiu o preço do aparelho e as cirurgias para os pacientes, que recarregam a bateria em casa. Outra grande transformação importante foi a capacidade desses marca-passos direcionarem a eletricidade, pois antes só jogavam eletricidade para o cérebro, não direcionando para esquerda e direita. Por fim, já presente nos Estados Unidos e na Europa, temos o marca-passo inteligente, que registra as ondas do cérebro e dá um retorno para ligá-lo quando necessário. Hoje, o marca-passo fica ligado o tempo todo, 24 horas por dia. Agora, serão ligados quando há registro da deficiência do cérebro. 

E os principais desafio aqui no Brasil para a evolução dos estudos?
Passei 30 anos no exterior e há sete estou no Brasil. Claro que tive muitos desafios, sendo o econômico o mais importante. Tinha acesso facilitado a recursos financeiros, não só para os pacientes, mas para o desenvolvimento de pesquisas. Em segundo lugar, temos a tecnologia importada com imposto muito alto, sendo que muitas vezes o paciente não tem condições de arcar com os valores. Temos uma boa formação médica brasileira, exelentes profissionais, estudiosos e com uma capacidade incrível de se reinventar. No entanto, somos mais consumidores de produções externas do que produtores de conhecimento científico. Isso acontece porque há uma deficiência orçamentária para o investimento em pesquisa. Mesmo diante das dificuldades, precisamos priorizar recursos. Como ponto positivo, o Brasil está indo mais rápido do que imaginei quanto à democratização de informação científica por meio da internet, como ocorre no mundo inteiro.