O movimento estudantil é uma grande escola

Presidente da Comissão do Médico Jovem da APM, o otorrinolaringologista Gustavo Barros ressalta a importância da atuação conjunta dos médicos recém-formados em prol da defesa profissional da classe

Entrevistas

Gustavo Barros: O movimento estudantil é uma grande escola

Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), com residência em Otorrinolaringologia (2012), foi médico preceptor no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, entre 2012 e 2013. Em 4 de novembro deste ano, oficializou-se como presidente da Comissão do Médico Jovem da Associação Paulista de Medicina, vinculada à diretoria de Defesa Profissional da entidade.

O grupo – também composto pelos neurocirurgiões Diana Lara Pinto de Santana e Julio Leonardo Barbosa Pereira, pela anestesista Jamile Barbosa Pereira e pelo geriatra Ricardo Imaizumi Pereira – propõe ampliar reflexões sobre a realidade do médico jovem e buscar alternativas de sua inserção no mercado de trabalho, além de melhorias das relações profissionais.

Com ampla experiência no movimento estudantil, acredita que a recente formação do grupo na APM “será uma extensão do que já vínhamos construindo há muitos anos na luta pelos médicos e pela Saúde no Brasil”. Confira a seguir entrevista cedida à Revista da APM.

Um dos primeiros desafios enfrentados pelo médico recém- formado é aprender a gerir sua vida profissional. Acredita que deveria haver disciplinas nas universidades que retratassem as formas de administrar a carreira?

A graduação em Medicina é profundamente deficiente na preparação do profissional para lidar com questões práticas relacionadas ao exercício da ocupação. Ques tões trabalhistas, relacionamento com operadoras de planos de saúde, burocracia e regulamentos para abertura de consultórios e empresas médicas – nada disso é abordado durante a faculdade, ou mesmo durante a residência médica. Os cursos precisam avançar muito mais.

Boa parte dos recém-formados opta pela residência médica para se especializar e segue praticamente a vida toda estudando. Como enxerga a educação médica continuada hoje no Brasil?

A residência médica é uma etapa de importância ímpar na formação médica, e idealmente todo médico que sai da graduação deveria ter a possibilidade de completar esse grau de especialização. Terminada a residência médica, a atualização do conhecimento específico fica a cargo de cada profissional, e hoje não há medidas eficientes para a verificação deste processo contínuo de aprendizado.

“Os médicos recém-formados normalmente se estabelecem nos locais onde fazem suas especializações”

De que maneira a APM e outras entidades médicas podem contribuir com os médicos jovens?

Os quadros das entidades médicas são compostos em sua maioria por profissionais que estão há muitos anos no mercado, já estão estabelecidos em suas profissões e que assim possuem mais tempo para se dedicar às atividades associativas. É mais difícil para um jovem médico – que tenta ao mesmo tempo incrementar sua formação, encontrar estabilidade profissional e se capitalizar para constituir família – dispor de tempo e energia suficientes para se inteirar das questões que abrangem a todos como classe profissional. Acredito que o maior serviço que as entidades podem prestar aos médicos jovens é na área de Comunicação, com a disponibilização de informações e serviços concernentes ao exercício profissional, visto a enormidade de veículos e mídias que podem ser utilizados.

E como todos os médicos jovens do estado de São Paulo, mesmo não fazendo parte da Comissão formalmente, podem colaborar?

Os médicos jovens de nosso estado, e de todo o Brasil, podem e devem colaborar com a Comissão, através dos canais disponibilizados pela APM (portal, revista, redes sociais etc.), para que estejam a par do que ocorre em outras localidades. Além disso, as APMs Regionais têm um papel importante nesse sentido, e a ideia é criar projetos que aproximem os médicos jovens paulistas de suas Regionais.

Como a Comissão do Médico Jovem vê a questão da Carreira de Estado para os profissionais vinculados à atenção básica do SUS?

Os médicos recém-formados normalmente se estabelecem nos locais onde fazem suas especializações, devido a inúmeros fatores, como remuneração, demanda por serviços e contatos profissionais realizados durante a residência médica. Nesse sentido, é fundamental a criação da Carreira de Estado para os médicos no âmbito do SUS, promovendo assim a interiorização da assistência médica no território nacional, com uma remuneração justa e a mínima estabilidade necessária para que o profissional se desloque dos grandes centros para trabalhar em regiões que não atraem profissionais. Atualmente, os que trabalham na atenção básica se vinculam diretamente às prefeituras, e casos de calote de salários e demissões não justificadas são extremamente frequentes. Além disso, a formação de boas equipes multiprofissionais e uma estrutura mínima de atendimento são imprescindíveis.

Em relação à saúde suplementar, quais as principais dificuldades para quem está em início de carreira?

Certamente, é lidar com as operadoras de planos de saúde. O profissional fica muitas vezes em um fogo cruzado entre seu paciente e a operadora, assumindo uma responsabilidade que não é diretamente dele, no desejo de realizar o melhor pelo paciente. Assim, não percebe que ele próprio é o grande prejudicado, pois pode ficarsujeito a retaliações por parte dasoperadoras, o que gera uma situação de coação profissional,em que o médico precisa aceitar determinadas condições desfavoráveis para manter seus vencimentos, especialmente na renegociação de honorários, para que não seja desligado como prestador de serviços.

Embora a Comissão seja recente na APM, o grupo possui experiência com o movimento estudantil. Como isso pode contribuir com o trabalho?

O movimento estudantil é uma grande escola, e recomendo a todo estudante que participe das atividades acadêmicas extra-curriculares em suas faculdades e serviços de especialização, pois isso nos dá uma visão aproximada do que iremos enfrentar profissionalmente. Muitas das questões que são trabalhadas hoje pelas entidades já eram temas de discussões quando estávamos participando ativamente das organizações de alunos e residentes, pouca coisa é novidade para nós. Além disso, temos uma rede extensa de contatos de colegas já formados, o que ajuda bastante em termos de mobilização.

Publicado na Revista da APM – edição 684 – dezembro 2016