Paulo Saldiva – Faltam Políticas de Controle da Emissão de Poluentes

Paulo Saldiva, patologista e diretor do IEA/USP, afirma que o Brasil não assume compromissos sérios para mudar padrões de qualidade do ar

Entrevistas

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde é professor Titular do Departamento de Patologia desde 1996, e atual diretor do Instituto de Estudos Avançados da universidade, Paulo Hilário Nascimento Saldiva desenvolve estudos nas áreas de fisiopatologia pulmonar e qualidade da poluição atmosférica na saúde. De acordo com ele, a política ambiental brasileira é pouco avançada nas áreas urbanas, além de haver manipulação de dados por parte dos órgãos públicos sobre os altos índices de poluentes e seus impactos para a população. Após participar recentemente de reunião da OMS, em Genebra, pontua os avanços em outros países do mundo com relação ao combate aos gases tóxicos e como isso diminui os custos diretos e indiretos com a Saúde.

Quando ocorreram as primeiras discussões sobre a poluição do ar no Brasil?

 Começamos a estudar no início dos anos 1980. Naquela época, acreditava-se que já era uma questão resolvida. No entanto, apareceram algumas pesquisas dizendo que, embora os índices estivessem menores, não havia uma dose segura de poluição. Esse conceito começou a se consolidar em vários lugares, inclusive no Brasil. Hoje, a USP é a sétima universidade do mundo que mais publica estudos na área. Em diversos países, somam-se precisamente 82 mil artigos submetidos a respeito do tema.

Quais foram os destaques da reunião da OMS, em Genebra, no fim de outubro? No primeiro dia, tivemos uma explicação do corpo técnico da Organização Mundial da Saúde sobre a importância de se desenvolver medidas de controle da poluição, que está associada a doenças como infarto do miocárdio, derrame cerebral, pneumonia, câncer de pulmão e morte infantil. Num segundo momento, falaram alguns cientistas das universidades que mais publicam sobre o tema, entre eles eu, que falei sobre os efeitos da poluição do ar no organismo.

Prefeitos, ministros e dirigentes de alguns países também apresentaram soluções exitosas para o controle dessa contaminação. E vimos que esse combate dá lucro, porque diminui os custos diretos entre tratamentos e internações; e indiretos, por evitar a mortalidade precoce do ciclo de vida produtivo. Já no último dia, houve o compromisso de vários países e cidades de controlar a poluição.

Houve melhorias na discussão em outras partes do mundo, em relação ao Brasil?

Em países da Europa, foram criadas políticas de redução e de banimento progressivo do uso de diesel e a adoção de novas medidas de transportes coletivos de baixa emissão ou fontes alternativas de energia. A China, ao ver que estava perdendo dinheiro, começou a investir em políticas de diminuição da poluição. Em países latino-americanos, como México e Chile, também houve avanços no debate. No Brasil, essas discussões nem prosperam, pelo contrário, cada vez mais adiamos esse enfrentamento. Até o projeto de colocar padrões de emissão compatíveis com os mesmos equipamentos vendidos na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo, protelamos.

Os médicos precisam
produzir conhecimento
nas melhores revistas
científicas possíveis
e traduzir isso para
a população

Nos registros históricos, há avanços brasileiros para diminuir a poluição?

Se você pegar os relatórios da cidade de São Paulo, a poluição do ar nos anos 1980 era pior do que a de hoje, só que a dose não caiu tanto porque o nosso sistema de infraestrutura fica cada vez mais preso a congestionamentos intermináveis, nos quais você recebe a maior dose de contaminantes. Houve ainda melhoria na tecnologia veicular, mas continuamos sem nenhum incentivo para diminuir o uso do transporte individual. Em fins dos anos 1990, com financiamentos do Banco Mundial, tivemos a preocupação em instalar corredores de ônibus, o que foi crescendo a uma velocidade reduzida.

Nosso País está preparado para reduzir a emissão de poluentes?

Atualmente, não há políticas de controle da emissão de poluentes, assim como não há políticas de segurança pública e viária. Essas questões também devem ser entendidas como problemas dos médicos. Aliás, menos de 3% das cidades têm medições de poluição do ar. O País também não assume compromisso em mudar os padrões de qualidade do ar, que são mantidos artificialmente altos no Conselho Nacional do Meio Ambiente. Quem paga por isso é a saúde das pessoas.

E como ficam os conflitos de interesses entre setores econômicos e ambientais?

As agências ambientais não estão ajudando, relativizam a questão e não dão a dimensão exata do que está acontecendo na saúde brasileira. Ao não definir um padrão adequado, o Governo não ajuda na elaboração de políticas para a redução da poluição e desinforma a população em seus relatórios públicos sobre a situação. No setor produtivo, quando falamos, por exemplo, em adotar um padrão mais limpo de combustível, aproveitam-se da desinformação da população e de certa leniência dos nossos governantes para empurrar goela abaixo essa condição poluente de ar, dizendo que é legal.

Qual a importância da comunidade médica se inserir no debate?

É uma grande dificuldade envolver uma comunidade de Saúde no debate. O fato de a APM ter sido a primeira entidade médica do Brasil a tomar a iniciativa de conduzir essa discussão é um avanço enorme e produtivo. As sociedades médicas norte-americanas e europeias já estão à frente dos debates faz um tempo.

Quais devem ser as políticas públicas adotadas para reduzir a poluição do ar?

Precisamos investir rapidamente em transporte de massa e de baixa emissão, a começar pelo incentivo de fontes alternativas de energia, aumentar mais a solar e a cogeração de gás a partir de lixo. Se fizéssemos um projeto, de usar o gás natural como intermediário em caminhões de entrega, até ter os veículos elétricos, já melhoria bastante o cenário. Há coisas simples para se fazer, mas que dependem da liderança do serviço público. Temos ainda de começar a trabalhar com a educação ambiental nas cidades, não focar apenas no meio florestal.

E como a classe médica pode atuar?

Os médicos precisam produzir conhecimento nas melhores revistas científicas possíveis. Segundo ponto, traduzir isso para a população de tal forma que entenda o que está acontecendo.

Entrevista publicada na Revista da APM – edição 705 – novembro 2018