Viviane Senna – O que muda a consciência é a educação

"Compreendemos que pessoas mais instruídas têm níveis melhores de saúde, e todos os dados econométricos apontam para isso."

Entrevistas

Psicóloga de formação e presidente da instituição que leva o nome do irmão e atua para expandir as formas de ensino a crianças e adolescentes, Viviane Senna avalia a Educação e Saúde do Brasil

Formada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Viviane Senna atuou como psicoterapeuta de adultos e crianças durante 20 anos, além de supervisionar grupos de capacitação e coordenar equipes de estudos na área. Com a morte do irmão, Ayrton Senna, em 1994, sua vida se transformou. “Foi com esse episódio que decidimos fazer uma fundação. Avaliamos que a qualidade educacional precária influenciava decisivamente no entrave político, social e econômico do País”, relembra. Naquele mesmo ano, foi criado o Instituto Ayrton Senna, com sede em São Paulo.

Em 1999, foi indicada entre os “50 Futuros Líderes Latino-Americanos do Novo Milênio”, iniciativa da CNN/ Time Magazine. Em 2002, foi nomeada para o grupo “Amigos Adultos do Prêmio das Crianças do Mundo”, ao lado de personalidades como Nelson Mandela. E desde 2003, integra o Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social, criado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a apresentação da campanha “Mulher Coração” – da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), em julho –, da qual é madrinha, Viviane conversou com a Revista da APM, confira a seguir.

Formada em Psicologia, fundou e preside o Instituto Ayrton Senna, organização que lida com a melhoria na qualidade do ensino brasileiro. Como relacionar Saúde com Educação?

Como sabem, o Instituto Ayrton Senna trabalha com Educação, mas sou da área da Saúde. Trabalhei durante 20 anos como terapeuta de crianças, adolescentes e adultos. Adorava o que fazia e pensava que até velhinha atenderia os meus pacientes, mas minha vida mudou com a morte do Ayrton. Foi com esse episódio que decidimos fazer uma fundação. Ao olhar para os programas [públicos] do País, notei que o problema central estava relacionado à Educação. O que muda o mundo é a consciência, e o que muda a consciência é a educação, ou seja, a pessoa tornase consciente do que deve ou não fazer. Nesse sentido, a Saúde está absolutamente vinculada à Educação. Compreendemos que pessoas mais instruídas têm níveis melhores de saúde, e todos os dados econométricos apontam para isso. Por exemplo, mães com mais tempo de estudo contribuem para a redução da taxa de mortalidade infantil e de doenças na primeira infância, e a maior escolaridade das pessoas reflete na ampliação da taxa de longevidade.

De maneira geral, como avalia a Educação brasileira?

Todas as avaliações e informações nacionais e internacionais mostram que há um problema de qualidade muitíssimo elevado na Educação brasileira. Hoje, superamos as dificuldades de acesso e vagas, mas o principal enfrentamento é a falta de qualidade educacional oferecida para as crianças e jovens. Mais de 50% não conseguem terminar a formação básica, que é o Ensino Fundamental e Médio, e dos que concluem os ciclos, só três em cada dez sabem Português direito e só um em cada dez sabe Matemática. Isso gera várias consequências, com profissionais despreparados para o mercado de trabalho, cidadãos não conscientizados sobre o voto, pessoas com dificuldades para viver em família e em sociedade.

O desenvolvimento contínuo de metodologias que visam a capacitação continuada de professores brasileiros é um dos desafios relevantes apontados pelo instituto. Nessa perspectiva educacional, voltada para o docente, há inserção de temas vinculados à Saúde? Se sim, sob qual viés?

Trabalhamos basicamente com a capacitação de docentes. Formamos quase 70 mil profissionais a cada ano, é mais do que todas as faculdades de Pedagogia do Brasil com formação presencial anual. E o foco do trabalho é despertar nos professores as competências necessárias para que eles as adaptem às necessidades de seus alunos, desde aprender a ler e escrever até estimular o pensamento crítico e raciocínio lógico. Saber buscar informações, transformá-las em conhecimento e a Saúde é justamente um desses pontos, e não um capítulo específico.

Como madrinha da campanha “Mulher Coração”, em prol de orientar e alertar o público feminino sobre os cuidados com a saúde cardiovascular, como pretende contribuir com a iniciativa?

Sabe-se que hoje as mulheres são muito sujeitas a problemas cardiovasculares, diferente do que se pensava anteriormente, de que apenas os homens eram propensos a essas doenças. No meu caso, tenho uma agenda cheia, trabalhando em média 10 a 12 horas por dia, não prático muitos exercícios físicos, não faço uma alimentação adequada e estou na menopausa. Ou seja, sou exemplo típico de mulher que está no quadro de risco, e penso que posso fazer algo para outras mulheres que enfrentam esse mesmo fator sem saber, por falta de informação, conhecimento e consciência. Para mudar o mundo, é necessário começar por algo que está sob o nosso alcance, por isso aceitei o convite com muito carinho e responsabilidade, para agir sobre essa causa.

Em relação à Saúde do Brasil, qual sua opinião?

Como não sou mais atuante da área, não tenho dados tão detalhados como os que tenho da Educação, porém sei que é a situação é tão crítica quanto. Não temos um sistema público que atenda de maneira qualificada a população, a despeito de nós pagarmos [através de impostos] por isso. Temos diversos exemplos diários de como a Saúde vem se deteriorando. É um dever do Estado cumprir essa dupla função: prevenção e cura. Porém, infelizmente, essa garantia não se realiza à altura.

Quais são seus próximos projetos?

A Educação é a ferramenta mais importante para garantir às crianças brasileiras a melhor oportunidade possível de se desenvolver. O Instituto Ayrton Senna atua com quase dois milhões de crianças todos os anos, presentes em mais de 700 municípios. Atuamos em larga escala e há muito ainda para se fazer.

Publicada na Revista da APM – edição 681 – setembro 2016