William Dib – Foco da Anvisa é atender à demanda de pacientes e médicos

Confira entrevista exclusiva com o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que aprovou nesta terça-feira (3) novas regras para registro de produtos à base de Cannabis para fins medicinais no Brasil

Entrevistas

Keli Rocha

William Dib é natural de Garça (SP) e graduou-se em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (atual Unesp), em 1972, e especializou-se em Cardiologia e em Saúde Pública e Administração Hospitalar. Já exercendo a função de médico, filiou-se ao antigo MDB, iniciando sua vida política, em 1974. É ex-prefeito de São Bernardo do Campo (SP) e ex-deputado federal pelo PSDB.

Dentre os diversos cargos públicos assumidos no currículo, há três anos atua como diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com mandato até o dia 21 de dezembro deste ano. Em entrevista exclusiva à Revista da APM, fala especialmente do registro do canabidiol no País, assunto que tem dominado a imprensa nos últimos meses. Confira!

Como avalia o registro do canabidiol no País para fins terapêuticos?
Em janeiro de 2017, a Anvisa registrou o primeiro medicamento no Brasil à base de canabidiol. A formulação é composta por CBD e tetra-hidrocanabinol (THC), tendo a indicação para espasmos musculares em quem tem esclerose múltipla. No entanto, desde 2015, a Agência autoriza a importação excepcional de produtos. Era proibida, mas, à medida que pesquisas demonstravam efeitos benéficos para o tratamento de certas doenças, a Anvisa passou a liberar o uso. Atualmente, mais 13 mil pacientes já tiveram consentimento para importar produtos à base de CBD.

É uma alternativa segura e eficaz?
Para submissão de qualquer pedido de registro de medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, faz-se necessário que o solicitante encaminhe um dossiê contendo, em linhas gerais, documentação administrativa, de comprovação de qualidade, segurança e eficácia do medicamento, além da certificação de cumprimento dos princípios de Boas Práticas de Fabricação e controle do local em que esse será fabricado, sem prejuízo das respectivas autorizações sanitárias para o funcionamento da empresa, de acordo com o disposto em legislação específica. Ou seja, para que um medicamento tenha registro na Anvisa e seja comercializado no País, é necessário haver a comprovação de eficácia e segurança da formulação.

Quais são os passos para a possível liberação do medicamento?
Em síntese, o processo de registro é o descrito acima. Cabe aqui destacar que essa concessão consiste em ato administrativo vinculado, isto é, dependente da prévia solicitação por parte do interessado na fabricação e comercialização do produto, o qual requeira a concessão desse registro para posterior avaliação da Agência. A proposta inicial está sendo avaliada pela Diretoria Colegiada da Anvisa, composta por cinco diretores. Assim, não é possível fazer qualquer previsão ou antecipar qualquer mudança, uma vez que a decisão é colegiada.

Para o sistema público e privado, quais serão as possíveis melhorias com a liberação do medicamento? 
Há hoje dezenas de habeas corpus concedidos e outros tantos em andamento para que o Poder Judiciário autorize o plantio individual por famílias e por pacientes que alegam a ausência de condição financeira para proceder à importação de produtos. Sob essa mesma ótica, é crescente a quantidade de ações – às quais a Anvisa é chamada diuturnamente a se manifestar – acerca da obrigatoriedade de aquisição por importação pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias Estaduais, de produtos sobre os mesmos elevados custos.

Os gastos com a aquisição de produtos à base de canabidiol, hoje, ajudam a compor os milhões de reais do dinheiro público para o fornecimento de medicamentos que não passaram pelo crivo da autoridade sanitária nacional, sem comprovação de tratar-se de produto seguro e eficaz. Só em 2016, essas aquisições estiveram na nona posição entre os 20 medicamentos sem registro e de montante de gastos mais elevado ao SUS, cabendo reforçar a surpresa em relação ao expressivo valor dos recursos despendidos com produtos que, pela ausência de procedimentos adequados à sua regularização, não poderiam sequer ser comercializados ou mesmo utilizados no País – ainda mais na escala atual.

Os fundamentos das tutelas concedidas argumentam o não acesso a produtos nacionais e mais baratos. Além disso, sem regulamento sobre o tema, as pesquisas sobre os potenciais terapêuticos da planta são restringidas.

E para os médicos e familiares que dependem dele?
O foco do trabalho da Anvisa é atender à demanda de pacientes e médicos para o acesso a medicamentos seguros e eficazes. Nesse quesito, a solicitação é premente, principalmente em relação a pacientes neurológicos, em relação aos quais os resultados apresentam evolução muito sólida. É importante frisar que a Agência não estaria apresentando uma proposta com esse teor se não fosse para atender a pacientes e médicos que, muitas vezes, têm nos medicamentos à base de cannabis a única ou mesmo a última alternativa terapêutica.

Foto: Divulgação Anvisa

Matéria publicada na edição 716 da Revista da APM – Dezembro 2019