Em 2025, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) celebra 125 anos de existência e se consolida como uma das
instituições científicas mais importantes do Brasil e da América Latina. Fundada em 25 de maio de 1900, na Zona Norte do Rio de Janeiro, como Instituto Soroterápico Federal (ISF) – embrião da Fundação –, ela carrega uma trajetória indissociável da história da Ciência e da Saúde pública no Brasil. Para destacar os grandes feitos desta notável instituição, a Revista da APM conversou com o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, que relembrou os principais marcos e os desafios enfrentados. Confira a seguir:
Nestes 125 anos da Fiocruz, quais marcos destacaria como os mais significativos?
A Fiocruz nasceu da necessidade de enfrentar a pandemia de peste bubônica e se expandiu sob a direção do médico e cientista Oswaldo Cruz. A Fundação também contribuiu para a organização da Saúde pública em nível federal, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1920, e para o Ministério da Educação e Saúde em 1930. Na década de 1980, a instituição desempenhou um papel relevante no movimento pela Reforma Sanitária e na proposta de criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Outros avanços recentes foram o deciframento do genoma da BCG (Bacillus Calmette-Guérin), a atuação nas epidemias de influenza A (H1N1), e de zika e na pandemia de Covid-19. Nesta última, teve papel estratégico na produção de uma vacina contra a doença, entregando milhões de doses de imunizantes ao SUS e ajudando a proteger a população brasileira.
Quais são os principais desafios que a Fiocruz enfrenta hoje para manter seu papel como referência em ciência, tecnologia e Saúde pública?
Conciliar tradição e inovação. Trabalhar com a mesma inspiração que tiveram as gerações passadas da Fiocruz, e que elas sejam sempre modelo para quem está hoje na instituição. Buscar um desenho de futuro capaz de atualizar cada vez mais nosso papel estruturante para a democracia e a Saúde pública. Estabelecer formas eficazes de dialogar com a sociedade, estar preparados para responder de imediato às emergências sanitárias e poder auxiliar países do Sul Global, como no passado. Além disso, enquanto instituição estratégica do Estado brasileiro, a Fiocruz enfrenta ainda uma série de desafios do ponto de vista de condições jurídicas e administrativas para exercer plenamente esse papel. Há ainda uma série de desafios relacionados à mudança do perfil epidemiológico e sanitário do Brasil, que sai de um perfil de
Saúde pública marcado pelas doenças infectocontagiosas e migra para um cenário de aumento de carga de doenças ligadas ao envelhecimento da população, como diabetes e hipertensão. Há também uma interface importante entre clima e Saúde que vem trazendo impactos, com efeitos mais profundos nas populações vulnerabilizadas.
A instituição sempre teve um papel importante no combate a epidemias no Brasil. Como a experiência ajudou no enfrentamento da Covid-19?
A pandemia de Covid-19 chegou ao País quando a Fiocruz completava 120 anos. Todo o sistema articulado da Fiocruz em pesquisa, educação, serviços e produção foi acionado em sua capacidade máxima para fornecer respostas eficazes. Desde a geração de conhecimentos e a difusão de informações técnicas para a população e gestores, passando pela inédita transferência de tecnologia que permitiu a produção da vacina 100% nacional e na construção, em tempo recorde, da segunda maior UTI dedicada à Covid-19 no Brasil. Diante de um cenário de escassez global de vacinas, o Brasil só foi capaz de iniciar a vacinação graças à atuação de suas instituições de Ciência e tecnologia, em particular a Fiocruz, o Instituto Butantan e a Anvisa, três organizações públicas. A instituição também foi designada pela OMS como laboratório de referência para combater a Covid-19 nas Américas e como o hub regional para as vacinas de RNA mensageiro (mRNA).
Como estão se preparando para futuras pandemias e emergências sanitárias globais?
Desde as campanhas de Oswaldo Cruz contra a febre amarela e a peste bubônica, a Fiocruz já se destacava por sua ação na vigilância, na produção da vacina, na atuação em sintonia com o Governo Federal, no ensino e na qualificação profissional. Atualmente, esse alinhamento se dá em vários eixos. Entre eles, a modelagem e a análise de dados, como o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), que conduz pesquisas que ampliam a obtenção de conhecimento e de evidências científicas, por meio da vinculação de grandes bases de dados e tecnologias complexas. A Fiocruz conta hoje com 16 unidades técnico-científicas e em todas elas há laboratórios aptos a fazer diagnósticos de referência para os laboratórios centrais do Ministério da Saúde (MS). Um exemplo recente foi o desenvolvimento de um ensaio para febre oropouche na Fiocruz Amazônia, o que permitiu que esse
diagnóstico estivesse disponível em todo o País.
Quais são as principais inovações tecnológicas e científicas que a Fiocruz está desenvolvendo atualmente?
Lançamos, em março deste ano, a primeira inteligência artificial para registro de pesquisa clínica do mundo. Conectado a uma base de aprendizagem atualizada em regulação e boas práticas em pesquisa clínica, o robô trabalha com um rol de temas considerados prioritários pelo Ministério da Saúde e pela OMS, que inclusive nos selecionou para integrar uma iniciativa que visa democratizar o uso da tecnologia de mRNA para ampliar a capacidade de desenvolvimento, promovendo equidade na distribuição de vacinas. O desenvolvimento de inovações tecnológicas e científicas reafirma nossos valores e fortalece a articulação e interação com a sociedade.
A Fiocruz tem uma atuação importante na formação de profissionais de Saúde e pesquisadores. Quais são os planos para expandir ainda mais essa missão educacional?
A Fundação está em constante transformação, mas se orienta pela reafirmação do projeto formulado pelas primeiras gerações – que alia pesquisa científica, educação, comunicação, vigilância, inovação
tecnológica e produção de bens e serviços. Temos uma formação diversa e inclusiva em diversas modalidades, como pós-graduação stricto e lato sensu, qualificação e educação profissional em Saúde em diferentes campos do conhecimento. Temos a possibilidade de ampliarmos o acesso em todo território nacional e para estudantes estrangeiros, por meio do Campus Virtual Fiocruz. Chegamos, recentemente, a um quantitativo de 900 mil alunos matriculados na plataforma.
Raio-X
FORMAÇÃO: Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná, com estágio na Universidade de Coimbra, Portugal
ATUAÇÃO: Em 2017, tornou-se vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional da Fiocruz. Foi empossado presidente da Fiocruz em março de 2023 e, em 2024, foi reeleito para o quadriênio 2025-2028
Matéria publicada na edição 750 (Maio/Junho de 2025) da Revista da APM