Futuro do câncer: como os tratamentos vão passar por uma revolução nos próximos anos e impactar na sobrevida dos pacientes

Especialistas falam ao GLOBO sobre os avanços que vão da imunoterapia à aplicação de tecnologias de IA e que devem elevar as taxas de cura e estender a sobrevida de casos hoje considerados graves

O que diz a mídia

Nos próximos 25 anos, as estimativas da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc, da sigla em inglês), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS), apontam que os casos da doença devem aumentar em cerca de 65,7% no planeta. Para o Brasil, a agência prevê que, em 2050, serão mais de 1,1 milhão de novos pacientes anualmente, uma alta de 74,5% em relação aos números de 2025.

Especialistas explicam que alguns fatores ajudam a explicar a tendência, como envelhecimento da população, impacto de álcool e tabagismo e avanço da obesidade. Mas também consideram que o cenário poderá ser melhor do que aparenta – embora os casos aumentem, a medicina avança a passos largos para oferecer um arsenal de novos tratamentos.

Eles explicam que os principais avanços para os próximos anos devem sair de duas frentes: a imunoterapia e a aplicação de técnicas de inteligência artificial. A expectativa é que a ciência caminhe não apenas nas terapias, mas na capacidade de identificar qual estratégia funciona melhor para cada paciente e no diagnóstico cada vez mais precoce, algo essencial para elevar a perspectiva de cura.

Novas imunoterapias

A imunoterapia compreende hoje um conjunto de técnicas que utilizam o próprio sistema imunológico do paciente para eliminar o tumor – algo que não acontece naturalmente porque as células cancerígenas têm mecanismos para “se esconder” das defesas do organismo. A estratégia rendeu o Prêmio Nobel de Medicina a seus criadores em 2018.

— Hoje temos mais de 60 indicações. O problema é que menos de 10% dos pacientes são candidatos, por conta das características moleculares de cada tumor, então o número de pessoas que pode se beneficiar ainda é limitado. Mas no futuro muito próximo haverá novas gerações de imunoterápicos que vão expandir esse acesso — avalia o presidente da Oncologia D’OR e professor da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Hoff, que abordou o tema durante uma palestra no X Congresso Internacional Oncologia D’Or, no início de abril, no Rio de Janeiro.

Uma das categorias de imunoterápicos que tem avançado significativamente, com novas alternativas já entrando no mercado, são os anticorpos monoclonais. Hoff explica que existem principalmente três tipos trazendo bons resultados: os conjugados à quimioterapia, a partículas radioativas e os biespecíficos.

— São tratamentos alvo moleculares, desenvolvidos para mirar alterações específicas presentes nas células tumorais, mas não nas células saudáveis. No primeiro, o anticorpo carrega uma molécula potente de quimioterapia. Ao se ligar à célula tumoral, libera a medicação dentro, como se fosse um cavalo de Troia. Temos resultados impressionantes em diversos tipos de câncer, como no de mama — conta o oncologista.

O segundo tipo é semelhante, mas, em vez de uma quimioterapia, carrega uma molécula radioativa que emite uma “radioterapia ultralocalizada” quando o anticorpo a insere no tumor. Hoff diz que essa abordagem já sai do papel para tumores neuroendócrinos. Recentemente, houve aprovação também para casos de câncer de próstata avançado, o tipo mais frequente de neoplasia entre os homens.

— Já a terceira vertente são os anticorpos biespecíficos. O anticorpo parece um Y, cujas duas pontas de cima geralmente se ligam ao mesmo alvo. Mas esses são desenvolvidos para cada uma das pontas se ligar a um alvo diferente. Isso permite atacar dois alvos distintos da célula cancerígena ou fazer com que uma ponta se ligue à célula cancerígena e a outra à célula de defesa do próprio paciente, “puxando” o sistema imune para destruir o câncer — continua o especialista.

O coordenador do Comitê de Tecnologia e Inovação da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e coordenador da unidade de pesquisa de câncer de mama no Instituto Nacional de Câncer (Inca), Pedro Henrique Araújo de Souza, concorda que os anticorpos são o que há de mais promissor e avalia que a tendência é conseguir ter opções cada vez mais específicas:

— A grande dificuldade de você tratar o câncer é que cada tumor tem especificidades diferentes e, dentro de um mesmo tumor, há vários subtipos que se comportam de formas distintas. Mas estamos conseguindo entender mais a biologia molecular e, com isso, descobrir novos alvos para essas drogas direcionadas. Estamos melhorando a sobrevida dos pacientes, até mesmo de alguns com doença metastática, e elevando as taxas de cura.

Além dos anticorpos, outros tipos de imunoterápicos também têm avançado, como os inibidores de checkpoint. Pioneiros no campo, são medicamentos que bloqueiam proteínas que fazem com que o câncer “se esconda” do sistema imune. Com isso, as defesas naturais passam a reconhecer o tumor e atacá-lo.

Geralmente, os alvos são duas proteínas chamadas de CTLA-4 e PD-1, mas cientistas têm trabalhado na identificação de novos alvos, já que esses não funcionam para todos os pacientes. Além disso, a imunoterapia costuma funcionar melhor para cânceres “quentes”, que ativam melhor o sistema imune, então outra iniciativa tem sido técnicas para “esquentar” tumores “frios” e torná-los mais responsivos.

Há ainda outras duas linhas em que a imunoterapia tem ganhado tração: as vacinas terapêuticas e o CAR-T Cell. Em relação aos imunizantes, Souza, da SBOC, explica que o avanço tem sido possível principalmente graças à tecnologia de RNA mensageiro, que saiu do papel com as doses para a Covid-19.

— Você identifica uma característica específica do tumor daquele paciente e cria a vacina para instigar o sistema imunológico a produzir as defesas contra ela. Para o câncer de pâncreas, por exemplo, que é muito letal, há vacinas em estudo e acredito que vamos ter disponíveis em breve — diz o oncologista.

Já no CAR-T Cell, que tem ganhado notoriedade por levar casos resistentes de leucemia à remissão, as células de defesa T são retiradas do paciente e alteradas geneticamente para reconhecerem o tumor específico daquele indivíduo. Em seguida, são reintroduzidas no indivíduo. Até agora, porém, o sucesso tem sido limitado a neoplasias hematológicas, como leucemias e linfomas.

— Mas há uma nova geração de CAR-T em desenvolvimento e também se pesquisa aplicar esse processo com células NK (Natural Killers), que são outras do sistema imune que vão até o alvo e o destroem. A ideia é ativá-las diretamente, ultrapassando as células T, na esperança de que isso amplie as indicações de uso. O desafio é que as células tumorais são mais variáveis geneticamente do que imaginávamos, expressando alvos diferentes — afirma Hoff.

Inteligência artificial

Assim como em outras áreas, a medicina também está sendo impactada pelo avanço da inteligência artificial. Os especialistas veem com otimismo a perspectiva de que algoritmos consigam acelerar o diagnóstico e melhorar as perspectivas de tratamento, além de auxiliar a selecionar as melhores terapêuticas e atuar no desenvolvimento de fármacos.

— No diagnóstico, a IA consegue fazer uma triagem dos testes. Ela me diz quais estão normais e quais não estão. Isso hoje é feito por análise do patologista no microscópio, uma a uma. Mas imagina na fila do SUS, em que um diagnóstico pode demorar meses. Se eu priorizar os pacientes que têm alguma alteração identificada rapidamente pela IA, e depois confirmada com o olhar humano, consigo reduzir isso — diz Fernando Soares, professor da USP e chefe do Departamento de Patologia Anatômica da Rede D’Or.

O especialista explica que a adoção da tecnologia nos laboratórios em larga escala ainda é “incipiente”, mas que vê como algo que explodirá em até dois anos. A Rede D’Or, por exemplo, firmou uma parceria com a empresa americana Path AI, em fevereiro, para implementar a técnica em sua rede nacional, atendendo 78 hospitais.

— Seja você um oncologista, um patologista, um cientista ou qualquer pessoa da área da saúde, a IA vai impactar todas as nossas vidas — afirmou o patologista Eric Walk, Chief Medical Officer (CMO) da PathAI, que esteve no Rio para o congresso da Oncologia D’Or.

Com o tempo, há ainda a expectativa de que essa análise consiga sugerir as alterações genéticas da amostra analisada, sem a necessidade de um teste de DNA, para direcionar o melhor tratamento para aquele paciente com base na medicina de precisão.

— Com isso, eu economizaria muito tempo e dinheiro. Hoje um teste molecular é caro e muitas vezes inacessível. Mas se só com uma lâmina eu conseguir apontar o gene que está alterado, isso muda. Seria como um reconhecimento facial, você passa a identificar os detalhes que são aparentes ligados àquela mutação — diz Soares.

Os especialistas esperam ainda que a IA auxilie a desvendar melhor a biologia dos tumores, possibilitando a criação de tratamentos cada vez mais específicos e com alvos mais eficientes. Além disso, que a tecnologia atue para acelerar o desenvolvimento desses novos remédios:

— A IA permite que desenhemos moléculas, testemos no mundo virtual e descartemos rapidamente o que não tem chance de funcionar. Isso faz com que o número de moléculas em desenvolvimento cresça de forma exponencial, apenas levando para testes em humanos aquilo que tem alta probabilidade de funcionar. Devemos ver uma aceleração nos novos tratamentos — avalia Hoff.

Avanços cirúrgicos

Outros avanços citados pelos especialistas envolvem procedimentos cirúrgicos contra o câncer, como a incorporação crescente de técnicas minimamente invasivas e a possibilidade de que operações sejam realizadas a longas distâncias, como com o médico em São Paulo e o paciente em Manaus. Para Hoff, isso será realidade em um futuro “não muito distante”.

— Além disso, no passado, quando se perguntava se era possível fazer um transplante para tratar um câncer, a resposta era que ele não funcionava. Mas, como o tratamento da doença sistêmica tem melhorado, hoje é possível revisitar essa ideia. Já realizamos transplantes para alguns tipos de câncer de fígado e, recentemente, foi publicado um estudo mostrando potencial para câncer de intestino, que é um dos tipos mais comuns — complementa o médico.

Fonte – O Globo – confira aqui