Mudanças no Pix: Como fica o envio de informações à Receita após a revogação da norma?

Transações financeiras superiores a R$ 2 mil mensais para pessoas físicas e R$ 6 mil para jurídicas continuam sendo informadas pelas instituições financeiras; fintechs e instituições de pagamento continuam de fora da regra

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Desde o início do ano, estava em vigor a Instrução Normativa 2.219/24, da Receita Federal, que ampliava o monitoramento de transações financeiras realizadas no Brasil. Desta maneira, além dos dados já recebidos por instituições financeiras, a fiscalização também englobaria informações referentes a transações feitas por meio de instituições de pagamento, fintechs e bancos digitais acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e acima de R$ 15 mil para pessoas jurídicas.

De acordo com o Governo, o objetivo das modificações era combater eventuais golpes, fraudes e irregularidades. A notícia foi recebida com repúdio por boa parte da sociedade e uma onda de informações desencontradas a respeito do tema passou a circular nas redes sociais, como afirmações de que haveria taxação das transações via Pix, o que fez com que o Governo voltasse atrás e revogasse a regra – por meio da Instrução Normativa 2.247, de 15 de janeiro de 2025, da Receita Federal, e da Medida Provisória 1.288, de 16 de janeiro de 2025.

Com isso, voltaram a valer as regras anteriores. O advogado tributarista Gustavo Brigagão destaca a Instrução Normativa 1.571/2015, pela qual os bancos já eram obrigados a apresentar para a Receita as informações referentes a movimentações mensais superiores a R$ 2 mil para pessoas físicas e R$ 6 mil para pessoas jurídicas.

“Ao contrário do que muito se disse, desde que a norma já revogada foi anunciada, a obrigação de apresentação dessas declarações não caberia nem às pessoas físicas nem às jurídicas, mas sim, às instituições financeiras por meio das quais as referidas movimentações fossem feitas. Da mesma forma, não havia sido criada qualquer nova incidência sobre essas transferências de recursos. O único objetivo da norma era informar ao fisco a circulação de numerário entre os contribuintes para, posteriormente, verificar se é compatível com a renda apontada nas suas respectivas declarações”, explica.

O também advogado tributarista Ricardo Lacaz aponta que um dos motivos para ter ocorrido a insatisfação em massa com as novas medidas foi, na realidade, um grande erro de comunicação. “As pessoas também têm dificuldade de entender com exatidão que o que a Receita previa era o monitoramento dessas transferências e não qualquer tipo de fiscalização automática. Isso demonstra que qualquer tipo de tributação sobre o pix não seria bem-vinda pela população.”

Corroborando com os posicionamentos, o advogado tributarista Caio Augusto Langone Crósta, da MedAssist Serviços, reforça que a intenção das regras era ampliar o rol de prestadores de informações financeiras, destacando que, ao contrário do que estava circulando, as informações relativas ao Pix já eram prestadas pelas instituições financeiras antes de toda a polêmica com as novas regras.

“A norma que agora volta à vigência é de 2015. É importante considerarmos que, dada a inflação do período, os valores não têm a mesma relevância que tinham há quase 10 anos. Por esse motivo, enxergo a atualização dos valores [de R$ 2 mil para R$ 5 mil para PF e de R$ 6 mil para R$ 15 mil para PJ] com naturalidade. A norma revogada, no entanto, por contemplar informações prestadas pelas fintechs e instrumentos de pagamento dentro do ambiente da e-financeira, possivelmente ampliaria a capacidade de fiscalizações da Receita Federal”, descreve.

Regras são inconstitucionais?

Os especialistas ouvidos pela APM concordam em unanimidade que o monitoramento não pode ser considerado inconstitucional. Segundo Lacaz, o Supremo já havia definido que era possível ter a transferência das informações bancárias para a Receita Federal como forma de viabilizar a fiscalização necessária. “Isso já teve uma decisão na quebra de sigilo bancário, que não é necessária uma ordem judicial prévia. Então, me parece que essa ordem não era fadada de inconstitucionalidade”, indica o advogado.

De acordo com Crósta, independente da origem, o Direito Constitucional garante sigilo bancário, ou seja, a Receita Federal continuará recebendo dados, analisando o volume transacionado, mas sem identificar as transações individualmente. Assim, para haver quebra de sigilo, a situação teria que ser precedida de processo administrativo nos casos em que forem identificados gastos superiores à renda do indivíduo.

“O que não pode ocorrer em hipótese alguma é a banalização da quebra do sigilo bancário. Acho importante destacar que a Lei Complementar 105/2001, regulamentada pelo Decreto 4.489/2002, que permite aos órgãos da administração tributária quebrarem o sigilo fiscal de contribuintes sem autorização judicial, já foi submetida ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu, por 9 votos a 2, por sua constitucionalidade”, reforça.

Para Brigagão, os motivos pelos quais as regras que obrigam instituições financeiras a prestarem esclarecimentos sobre as movimentações bancárias de seus usuários à Receita serem consideradas como uma afronta está no fato de a Constituição Federal assegurar o direito à inviolabilidade da vida privada.

“Ocorre que há precedente do STF, segundo o qual a transferência de informações bancárias das instituições financeiras para a Receita Federal não violaria o sigilo bancário dos correntistas, pois esses dados sigilosos seriam compartilhados exclusivamente com as autoridades fazendárias, que têm a obrigação de preservar o sigilo das informações recebidas. Considerando que esse entendimento foi firmado em relação aos bancos tradicionais, não vemos razões para que não fosse aplicado para as instituições de pagamento”, informa.

Movimentações em Brasília

Atualmente, movimentações em relação ao tema continuam em Brasília. Caio Crósta relembra que o Partido Liberal havia mencionado acionar o Supremo Tribunal Federal para suspender a nova norma, mas ela foi revogada antes. “Isso aconteceu porque o tema repercutiu negativamente e o Governo decidiu recuar. Resta saber se voltará com outra embalagem, mas ainda é cedo para tirar qualquer conclusão.”

Conforme recorda Ricardo Lacaz, o Governo não quer ter a sua imagem atrelada à taxação do Pix. “O Executivo está querendo que não cole nele essa tributação do Pix, algo que foi muito debatido ali na campanha. É mais um movimento político do que técnico ou tributário.”

“Sob o aspecto tributário, essa MP [1.288/25] foi editada mais para dar uma satisfação à sociedade brasileira sobre todo o imbróglio que se formou em torno desse tema do que para aprimorar o tratamento tributário a ser dado às transferências financeiras feitas pelo Pix, sobre o qual jamais houve qualquer dúvida”, finaliza Gustavo Brigagão.