Covid-19: 81% dos médicos enxergam “segunda onda” tão ou mais grave

80,8% dos médicos do Brasil acreditam que a “segunda onda” da pandemia de Covid-19 é tão ou mais grave do que a primeira. A constatação é da 4ª edição da pesquisa “Os médicos e a pandemia de Covid-19”, realizada pela Associação Paulista de Medicina (APM), desta vez em conjunto com a Associação Médica Brasileira (AMB) e apoio da FGV EAESP, expandindo o escopo dos pesquisados por todo o País.

Notícias em destaque

80,8% dos médicos do Brasil acreditam que a “segunda onda” da pandemia de Covid-19 é tão ou mais grave do que a primeira. A constatação é da 4ª edição da pesquisa “Os médicos e a pandemia de Covid-19”, realizada pela Associação Paulista de Medicina (APM), desta vez em conjunto com a Associação Médica Brasileira (AMB) e apoio da FGV EAESP, expandindo o escopo dos pesquisados por todo o País. Os resultados foram apresentados em coletiva de imprensa realizada virtualmente nesta terça-feira, 2 de fevereiro.

CONFIRA A ÍNTEGRA DO LEVANTAMENTO AQUI

“Uma associação médica precisa conhecer o que pensam seus representados. Entendendo esse ponto de vista – de enxergar a pandemia pelos olhos dos médicos – realizamos a primeira edição dessa pesquisa, em abril do ano passado. Tivemos três delas realizadas com médicos predominantemente de São Paulo. Agora, teremos a primeira oportunidade de contar com uma avaliação dos médicos de todo o País, com uma amostra bastante representativa”, introduziu José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM.

Ao todo, foram ouvidos 3.882 profissionais por meio da ferramenta Survey Monkey. Em São Paulo, o levantamento ocorreu entre 18 de dezembro e 18 de janeiro, enquanto nos demais estados, a pesquisa foi aplicada a partir de 8 de janeiro. Mais da metade dos respondentes, de todas as regiões do Brasil, são homens (55,3%) e a faixa etária mais representativa foi dos profissionais entre 31 e 70 anos (83,8%).

Além de diagnosticarem a gravidade da “segunda onda”, os médicos apontaram as tendências de alta em casos e óbitos nas instituições em que atuam. 91,5% deles indicaram que há aumento, em algum grau, dos casos, enquanto 69,1% disseram ser possível observar o crescimento do número de óbitos por Covid-19.

Em relação à ocupação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) nos serviços e hospitais em que os respondentes trabalham, a situação também é calamitosa. Mais de 80% indicam haver ocupação maior do que a habitual – neste universo, 17,7% indicam superlotação. Pelo recorte da Região Norte, o índice de superlotação sobe para 21,3%, enquanto no Amazonas o número salta para 54,5%.

Deficiências
Mesmo prestes a completar um ano da presença de Covid-19 no Brasil, os médicos ainda lidam com a falta de estrutura, equipamentos, condições de trabalho, diretrizes, entre outras necessidades, nos seus ambientes de trabalho. De maneira geral, 64% deles encontram deficiências na atenção à pandemia. A principal reclamação (32,5%) é a falta de médicos, enfermeiros e/ou outros profissionais de Saúde.

Além disso, foram apontadas faltas de: diretrizes, orientação ou programa para atendimento (27,2%); leitos de internação em unidades regulares ou em UTI (20,3%); máscaras, luvas, aventais, óculos, proteção fácil, álcool em gel e/ou outros materiais básicos (16,7%); medicamentos como bloqueadores neuromusculares e sedativos (11%); e, entre outras, respiradores (5,9%).

Na avaliação de Amaral, era possível entender esse tipo de deficiência no início da pandemia no Brasil, pela falta de preparação e insumos. A essa altura, entretanto, a expectativa é que todos esses problemas já tivessem sido sanados. A eles, entretanto, se somaram outros como a falta de oxigênio em Manaus em função de uma demanda exagerada determinada pela “segunda onda” de Covid-19.

“Vemos que as deficiências não estão completamente resolvidas, particularmente em alguns locais do País. Precisamos nos preparar, pois a ‘segunda onda’ atingiu em cheio a região Norte, mas há possibilidade imensa que venha a se fazer sentir em outras regiões do Brasil. Apontar que ainda existam essas questões é importante no sentido de fazer com que os serviços de Saúde não se descuidem”, argumentou.

César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, chamou atenção à indicação de falta de médicos e profissionais de Saúde, o que por consequência indica que há uma sobrecarga dos profissionais que estão na linha de frente. Ele também lembrou que, antes da pandemia, a Saúde brasileira já sofria com deficiências nas unidades de trabalho, situação que se tornou mais evidente em decorrência da situação atípica.

“Temos o Sistema Único de Saúde (SUS), um patrimônio brasileiro que permitiu a inclusão de pessoas que antes estavam à margem, mas que vive com subfinanciamento. Essa situação deveria fazer com que gestores públicos e privados dessem o devido valor à Saúde, promovendo financiamento, estruturação e gestão adequada para que, mesmo em situações de normalidade, possamos ter sistemas melhores”, afirmou o presidente da entidade nacional.

Saúde Mental
Outros números da pesquisa corroboram a leitura do presidente da AMB acerca da sobrecarga pela qual os profissionais estão passando neste momento. Entre os respondentes, 92,1% apontaram que há, onde trabalham, médicos com algum sintoma mental ou físico que pode indicar quadros mais graves de exaustão e sobrecarga.

Os médicos estão passando por ansiedade (64%), estresse (62%), sensação de sobrecarga (58%), exaustão física ou emocional (54,1%), mudanças bruscas de humor (34,4%) e dificuldade de concentração (27%). Somente 7,9% dos pesquisados indicaram não ter conhecimento de nenhum colega com sintomas dessa natureza.

Para Fernandes, é possível notar que uma quantidade relevante de profissionais tem sintomas que se assemelham à síndrome de burnout. “Mais da metade tem exaustão física e emocional.

Os sintomas se sobrepõem. Se há sobrecarga de trabalho, era de se esperar que o médico apresentasse esse quadro”, avaliou. Ele também indicou que esse alerta tem de ser observado pelos gestores da área, para que possam afastar e dar o melhor tratamento para os profissionais acometidos.

“O trabalho é completamente diferente do que você pode ter em condições normais, com intervalos. Na atenção à Covid-19, você utiliza equipamentos e têm restrições que impõem longas horas de trabalho contínuo. É importante que equipes se revezem, que haja folgas e, principalmente, diretrizes claras de trabalho. Com elas, você tende a minimizar todos os conflitos que surgem ao longo da sua lida diária”, acrescentou José Luiz Gomes do Amaral.

Outros indicadores
A pesquisa também mostra que 91,6% dos médicos acreditam que a propagação de fake news e de informações sem comprovação técnica interferem no enfrentamento à Covid-19. Mais especificamente, 68% deles acreditam que as notícias falsas fazem com que pessoas minimizem ou neguem o problema e as recomendações de isolamento social, higiene e procura dos serviços de Saúde. 51,2% disseram que as fake news levam indivíduos a desacreditarem a Ciência.

“A humanidade sempre buscou encontrar explicações para tragédias com alternativas mais fáceis, que nos dão ideia de que os problemas possam ser controlados. Então, surgem propostas de medicamentos miraculosos ou atribuem doenças a conspirações. Isso é um problema e vimos que a única forma de combatê-lo é com notícias verdadeiras”, afirmou o presidente da APM.

Outro destaque da pesquisa foi mostrar que 65,3% dos médicos acreditam que a cloroquina ou hidroxicloroquina são ineficazes para a Covid-19 e que 30,5% consideram eficazes para a prevenção ou manifestações iniciais da doença. No caso da ivermectina, os percentuais são de 58,6% e 39,3%, respectivamente.

César Fernandes lembrou que esses medicamentos foram muito utilizados no início da pandemia no Brasil, com falsa impressão de eficácia. “Por ser uma doença de percentual pequeno de agravamento, achavam que as melhoras eram pelo medicamento. Hoje, os estudos clínicos não atestam eficácia da cloroquina ou ivermectina, mostrando que não atenuam tempo de internação e não reduzem mortalidade, não sendo também isentas de efeitos colaterais.”

“Por que os médicos insistem?”, seguiu o presidente da APM: “Pela falta de uma fala uníssona, unidirecional, por parte das autoridades de Saúde, públicas e privadas. Quando as opiniões diferem – e por vezes são diametralmente opostas – é como termos na trincheira um soldado atirando para frente e outro para trás. Tenho a impressão de que os colegas que enxergam a cloroquina como eficaz, o fazem pela confusão que as autoridades estão fazendo com o assunto”.

Por fim, entre outros assuntos, a pesquisa aborda a Telemedicina, que cresceu consideravelmente desde o agravamento da pandemia. Atualmente, 89,2% dos médicos acreditam que a prática deva ser regulamentada. Destes, 50,9% pensam que, apesar da validade da experiência atual, há necessidade de mais discussão; e 19,9% dizem que o momento atual, por sua especificidade, não pode servir de base para um regramento definitivo.

Além disso, segundo os pesquisados, os pacientes têm reagido bem ao uso das ferramentas de Telemedicina. 51,5% disseram que os atendidos aceitam e gostam da modalidade, enquanto 44,6% indicaram que o modelo é aceito, mas com ressalvas. Apenas uma minoria (3,9%) não tem aceitado o atendimento por Telemedicina.

“Talvez aqueles pacientes que ainda não gostem, não tenham experimentado a utilização da Telemedicina com mais sofisticação, qualidade e treinamento. Os médicos tiveram pouco tempo, no Brasil, para se adaptarem às oportunidades que a Telemedicina oferece, mas é importante nós percebermos que a sociedade vem caminhando nessa direção”, disse Amaral.

O presidente da APM ressaltou, porém, que é preciso buscar entender exatamente quais são as insatisfações do grupo que ainda possui ressalvas com o modelo, com o intuito de saná-las. “Também é importante percebermos que os médicos querem discutir o assunto. Quase 90% deles acham importante que o Conselho Federal de Medicina regulamente o tema, uma diferença de postura bastante grande em relação ao que tínhamos há dois anos”, finalizou.