Na manhã da última segunda-feira (29), a Associação Paulista de Medicina realizou o Fórum de Sustentabilidade do Sistema de Saúde Suplementar, reunindo os maiores especialistas da área em sua sede. O presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, foi o responsável pelas boas-vindas aos presentes, pontuando os tópicos fundamentais para o entendimento do assunto.
“O sistema de saúde suplementar consolidou-se em 1980, entretanto, surgiram algumas mudanças drásticas ao lado da expansão. Hoje, este sistema responde por mais da metade dos gastos da assistência em Saúde do País, aplicado a cerca de 50 milhões de beneficiários, enquanto mais de 150 milhões dependem exclusivamente do sistema público – substancialmente subfinanciado. Este é o cenário que vivemos hoje, necessitado de um aprimoramento da legislação e do processo regulatório”, pontuou.
Amaral também destacou que os pacientes não possuem a oportunidade de escolha, já que os médicos contratados pelas operadoras de planos de saúde acabam sendo desprovidos de autonomia. Deste modo, os recursos disponibilizados permitem mais vantagens financeiras e não melhores resultados clínicos, enfatizando, assim, a necessidade de reformar a legislação, especialmente a Lei nº 9.656/98, no sentido de corrigir as atuais distorções.
Em seguida, o diretor de Defesa Profissional da Associação, Marun David Cury, manifestou que a instituição luta para que tanto os usuários de plano de saúde quanto os do sistema público tenham sempre um atendimento de qualidade. Ele relembrou ainda que a APM, em parceria com a Associação Médica Brasileira, possui uma comissão permanente de negociação com as empresas de planos de saúde para valorizar o trabalho médico.
“Foi por isso que decidimos realizar este Fórum, a fim de discutir desperdícios. Vamos falar de fraudes e distorções no uso do plano de saúde, dos modelos de remuneração e do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar, entre outros pontos. É fundamental haver um bom entendimento entre os prestadores e as operadoras, que são quem nos oferecem serviços. Buscaremos consolidar ainda mais essa relação, para que seja sempre de confiança, respeito e reconhecimento do nosso trabalho”, indicou.


Desperdício e fraudes
Na primeira abordagem sobre as “Distorções de Utilização do Plano de Saúde”, o superintendente executivo da Unimed do Brasil, Paulo Brustolin, falou a respeito dos desperdícios. Antes, destacou alguns aspectos da cooperativa, que há mais de 50 anos está no mercado, visando à defesa do trabalho médico. Atualmente, o sistema conta com 341 cooperativas, cobrindo 90% dos municípios brasileiros – através de 118 mil cooperados e 150 hospitais, com 12.300 leitos -, gerando 136 mil empregos diretos e atendendo aproximadamente 18 milhões de brasileiros.
De acordo com Brustolin, em relação à Saúde, nem sempre quanto mais se gasta, mais valor se gera, tendo em vista que a utilização excessiva dos recursos pode destruir o valor final e tornar o sistema danoso. Sendo assim, enfatizou ser fundamental ter um percurso assistencial mais organizado. Ele apresentou dados de uma pesquisa da Associação Médica Americana que aponta que 25% dos gastos em Saúde correspondem a desperdício – que se dividem entre falha na prestação de assistência, na coordenação do cuidado e/ou na precificação, cuidado inadequado, abuso e fraude e complexidade na gestão.
“As operadoras de planos de saúde agem por conta e ordem dos beneficiários. No Brasil, esse sistema está estruturado através da mutualidade e repartição simples, por isso, me parece importante, se queremos evoluir, que a gestão dessa cadeia de Saúde, como um todo, também deva ser regulada. As bases de atuação do sistema Unimed são a qualidade e a eficiência assistencial, além de transparência entre os elos, incremento de ferramentas tecnológicas e inteligentes e marco regulatório – que é seguro e direito dos beneficiários, envolto pela previsibilidade e segurança jurídica dos contratos”, complementou.
O superintendente finalizou a apresentação relembrando que a cooperativa tem trabalhado ativamente junto ao Congresso Nacional nos últimos dois anos a fim de proporcionar maior efetividade ao sistema de Saúde brasileiro, incorporando ações compartilhadas com a saúde pública. Em sua opinião, não é possível um País ser referência em Saúde sem que exista este compartilhamento entre público e privado a longo prazo.
Em seguida, o diretor de Experiência do Cliente da SulAmérica, Alessandro Vicente Cogliatti, ministrou a segunda palestra sobre “Distorções de Utilização do Plano de Saúde”, com foco no aspecto das fraudes. Ele indicou que a companhia busca trazer o assunto através de uma ótica menos técnica, mais voltada à comunicação, educação e experiência da sociedade – alguns dos principais pontos que o grupo com cerca de 7 milhões de clientes vem buscando preencher.
“Implantamos um novo projeto estratégico, chamado Use Bem. Queremos que os beneficiários, enquanto sociedade e cidadãos, usem o plano de saúde de forma consciente e sustentável, sabendo de suas responsabilidades. Este projeto tem muita ligação com a Lei Geral de Proteção de Dados, possibilitando uma amplitude muito grande do relacionamento e conscientizando que ela veio para o bem, principalmente quando se fala em privacidade e proteção de dados, especialmente os sensíveis, médicos e clínicos, dos quais toda a população deve fazer uso de forma absolutamente segura e privada”, explicou.
Para Cogliatti, muitos dos abusos e fraudes que ocorrem atualmente no setor da saúde suplementar estão voltados para problemas de comunicação, falta de entendimento e de conhecimento do próprio segurado, do prestador e da sociedade no geral, a respeito de quais são os seus direitos e deveres ao adquirirem um plano de saúde. Sendo assim, uma das principais estratégias da SulAmérica está sendo em relação à comunicação educativa com seus clientes.
Recentemente, a companhia desenvolveu um aplicativo – que já conta com mais de dois milhões de usuários – que permite a funcionalidade do reembolso digital, viabilizando também maior entendimento do que vem acontecendo no mercado e visão da estratégia coordenada em relação ao direcionamento do melhor tratamento para o cliente, possibilitando envolver a saúde integral, física, emocional e financeira.
“Durante a pandemia, vimos o crescimento exponencial de fraudes digitais no Brasil e no mundo, por isso temos essa preocupação, publicando nas nossas páginas oficiais muitas dicas referentes a este assunto, justamente para evitar dor de cabeça para o segurado em casos de problemas com boletos fraudados, por exemplo, o que atrapalha demais a sustentabilidade do nosso setor como um todo”, demonstrou.
Ele ainda demonstrou técnicas que vêm sendo utilizadas pela SulAmérica a fim de evitar desperdícios, através de metodologias que visam à revisão dos pontos de contato e processos, contribuindo para melhorias nas gestões. O grupo está focado em identificar sinais de desvio e fraude para contribuir no desenvolvimento de produtos cada vez mais robustos e seguros para a sociedade.


Debate
Após as apresentações, o Fórum de Sustentabilidade do Sistema de Saúde Suplementar contou com um valioso debate para elucidar os pontos apresentados pelos palestrantes, contando também com a participação do presidente do Conselho Federal de Medicina, José Hiran da Silva Gallo, que participou via chamada de vídeo; do delegado chefe da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Civil do Distrito Federal, Adriano Valente; e do presidente e do diretor de Defesa Profissional da AMB, César Eduardo Fernandes e José Fernando Macedo, respectivamente.
Hiran Gallo destacou que é um defensor intransigente do cooperativismo, desde que ele não seja pernicioso, mas que de fato olhe para o médico e se preocupe com o profissional. Para ele, é fundamental que os médicos brasileiros façam uma reflexão sobre o modelo que lhes está sendo apresentado, já que estão com seus trabalhos cada vez mais desvalorizados, de modo que as operadoras acabam quebrando a essência da lei, exaltando o mercantilismo excessivo.
“Enquanto presidente do Conselho Federal de Medicina, não vou permitir que se ganhe lucros absurdos às custas do trabalho médico. Um dos pilares hipocráticos é a autonomia do médico, com responsabilidade, e é por isso que os nossos profissionais não podem receber valores totalmente desvinculados. Os auditores têm que ter mais critérios, porque quem acaba sofrendo é o paciente, que tem procedimentos negados e acaba não sendo bem esclarecido. Enquanto não houver uma revisão da lei, vamos viver nesta situação e o médico continuará sem ter o trabalho valorizado”, complementou.
Em seguida, Valente destacou alguns dos principais casos observados em sua área de atuação. De acordo com o delegado, dos 42 inquéritos policiais instaurados em sua delegacia a fim de investigar ato criminosos voltados a organizações formadas por médicos, 12 deles investigam empresas fornecedoras de materiais cirúrgicos, enquanto 30 analisam denúncias de 150 vítimas de atuações médicas.
O delegado apontou que as práticas médicas criminosas se constituem na realização de cirurgias desnecessárias, utilizando materiais com o objetivo de encarecer o valor do procedimento, cobrando valores exorbitantes por este processo – que podem ser considerados como uma forma de propina. Desta maneira, o médico que está realizando a prática criminosa não opera com o material mais adequado, mas sim com instrumento da empresa com quem ele mantém conluio.
“As questões que eu trago para o debate são relacionadas em como a gente poderia estar combatendo essas práticas, para que os valores das cirurgias diminuíssem. Uma empresa que em vez de cobrar R$ 70 mil para o material que está fornecendo, cobra R$ 100 mil, embute ali o pagamento de uma propina, como forma de remuneração para o médico que a indicou. Seriam necessários mecanismos de controle de preços mais eficazes por parte dos planos de saúde, que acabam sendo vítimas desses esquemas, pelo que mostra a nossa investigação”, expôs.
Além disso, o especialista também apresentou um dado demonstrando que alguns materiais utilizados sofrem violações, de modo que os lacres são falsificados e os prontuários registram a utilização de instrumentos que, na realidade, não foram manuseados. E destacou a necessidade de analisar o superfaturamento de materiais cirúrgicos que acabam não sendo repassados aos planos de saúde e que, em última instância, lesam os seus beneficiários.
O presidente da AMB reforçou ser um defensor assíduo do bom exercício da Medicina, gerando o melhor êxito para o profissional e para o paciente. Além disso, destacou que a autonomia médica é um dos principais pilares da profissão, não sendo passível de interferências, e se posicionou a favor da sustentabilidade financeira das operadoras de planos de saúde.
“Não podemos ferir a autonomia do médico e o direito dos pacientes de terem o melhor tratamento possível. Uma coisa que me preocupa profundamente é a restrição de inclusão de novos procedimentos no rol. Nenhum de nós concordaria em ter tratamento que não é o melhor possível, e se eu não quero isso para mim e para minha família, eu não posso querer para o meu paciente”, salientou.
Fernandes também disse ser intransigente, ao longo de toda a sua vida, em relação aos princípios éticos: “Não posso fazer concessões em relação ao atendimento do meu paciente, em procurar aquilo que é melhor para ele. Todos os maiores custos são jogados para o Sistema Único de Saúde e as operadoras ficam com os planos segmentados”.
Analisando as apresentações dos colegas, ele ainda se pôs à frente para dizer que faz questão da punição de médicos delinquentes, enfatizando que não representam a grandeza da profissão e não são a voz dos médicos sérios, preparados e preocupados em auxiliar a população.
Por fim, Amaral destacou que o Brasil possui um sistema de saúde com uma série de distorções e fragilidades, mas que conta com um conjunto de forças muitíssimo importante. “Este foi o primeiro debate que realizamos sobre o assunto, e já temos a intenção de repeti-lo, dando tempo e oportunidade para pontuarmos com mais detalhes muitas das questões aqui apresentadas. Entendo que vamos corrigir distorções a partir da educação da sociedade. É realmente um trabalho imenso e extremamente complexo, mas que deve ser feito de modo a colaborar para que a eficiência seja encontrada.”



Texto: Julia Rohrer
Fotos: Marina Bustos