O Brasil não precisa de mais 95 cursos de Medicina, ou de qualquer vaga a mais

Antonio José Gonçalves, vice-presidente da APM e secretário geral da AMB, fala sobre a preocupação das entidades médicas com a provável queda na qualidade da assistência à população

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Na última quarta-feira, 4 de outubro, os ministros da Educação e da Saúde, Camilo Santana e Nísia Trindade, respectivamente, lançaram edital para a obtenção de autorização para o funcionamento de até 95 novos cursos privados de Medicina, com 5,7 mil vagas, em 1.719 municípios brasileiros. No estado de São Paulo, há 145 municípios na lista – incluindo Barueri e Guarulhos, entre outros que possuem alto índice de desenvolvimento –, com a previsão de abertura de 13 cursos e 780 vagas.

A ação faz parte da retomada do Programa Mais Médicos, de 2013, e tem por objetivos fixar profissionais em áreas de vazios assistenciais e atingir o indicador de 3,3 médicos por mil habitantes em dez anos – supostamente a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

E para atingir esta meta, seria necessária a abertura de 10 mil vagas no total. Por isso, além das 5,7 mil vagas recém-anunciadas, estão nos planos a oferta de mais 2 mil vagas para expandir cursos privados de Medicina já existentes e de mais 2 mil vagas para a expansão das universidades federais, em cursos já existentes ou em novos.

O Brasil não precisa de mais médicos, pois seus mais de 560 mil profissionais em atividade ultrapassam a marca de 2,7 médicos por mil habitantes, índice superior ao de países como Estados Unidos e Japão. E também não precisa de mais faculdades de Medicina, pois as 389 que estão atualmente em funcionamento já nos garantem o segundo lugar no mundo, atrás apenas da Índia, que entretanto possui população superior a 1,2 bilhão de pessoas.

Ainda que o próprio Governo aponte que o número de médicos tenha aumentado nos últimos anos, mas a má distribuição ainda persista, ele insiste na estratégia de criar faculdades de Medicina em locais sem a infraestrutura necessária. Para formar médicos verdadeiramente qualificados para atender nossa população, é preciso ter bons professores, além de poder contar com um sistema de Saúde local para que os alunos possam observar e aprender na prática.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira, os cursos de Medicina devem funcionar somente em municípios que atendam pelo menos três critérios: oferta de, no mínimo, cinco leitos públicos de internação para cada aluno; acesso de, no máximo, três alunos a cada Equipe de Saúde da Família (ESF); e presença de hospital ensino. “Como esses parâmetros passaram a ser tratados de forma subjetiva, cerca de 80% das escolas médicas existentes não cumprem pelo menos um desses itens, o que demanda uma ação contundente de fiscalização”, defendem as entidades nacionais.

Ainda é falaciosa a justificativa de que abrir cursos em áreas de vazios assistenciais vá fixar profissionais. Isso porque o médico – como qualquer outro profissional – quer se fixar em locais em que possa continuar se aprimorando e crescendo na carreira, bem como busca localidades em que possa viver com sua família.

Precisamos de politicas de Estado, e não que mudem a cada novo Governo, que valorizem verdadeiramente os médicos e demais profissionais de Saúde, para assim garantir aos brasileiros acesso a atendimento em Saúde com qualidade, eficiência e segurança.

Como fazem há anos, as entidades médicas vão continuar se manifestando e lutando contra toda e qualquer iniciativa que tenha como efeito prejudicar a qualidade do atendimento à população. Não desistiremos de nossos pacientes jamais!

Antonio José Gonçalves, vice-presidente da Associação Paulista de Medicina, secretário geral da Associação Médica Brasileira e professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo