Webinar da APM aborda os novos modelos de ensino médico

A Associação Paulista de Medicina, em parceria com a Regional de Piracicaba, promoveu mais uma edição de seu tradicional webinar, no último dia 9 de novembro

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A Associação Paulista de Medicina, em parceria com a Regional de Piracicaba, promoveu mais uma edição de seu tradicional webinar, no último dia 9 de novembro. O evento contou com moderação do 1º vice-presidente da APM, João Sobreira de Moura Neto; do presidente da APM Piracicaba, Ricardo Tedeschi Matos; e do diretor Científico da Regional, Alex Gonçalves.

O evento teve como tema “Novos Modelos de Ensino Médico” e contou com a participação dos palestrantes Sigisfredo Luis Brenelli, docente de Clínica Médica na Unicamp e ex-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem); e Cecília Buck, doutora em Clínica Médica pela Unicamp e coordenadora do curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi – campus Piracicaba.

Currículo médico baseado em evidência de Saúde

A primeira palestra, ministrada por Brenelli, tratou do tema “Currículo médico baseado em evidência de Saúde”. Ele conta que atuou no Ministério da Saúde como diretor do Departamento de Gestão da Educação em Saúde, formando profissionais para os projetos da pasta, e na Presidência da Abem.

De acordo com o palestrante, as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Medicina no Brasil têm como foco os recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS), e devem cumprir características que busquem uma formação generalista para a atenção básica e para a Estratégia de Saúde da Família – com conhecimento sobre gestão e cuidado baseado na pessoa. “Sempre fomos formados tentando moldar nosso conhecimento baseado na doença, e agora é na pessoa”, afirma.

A tradição do ensino médico no Brasil remete à Escola Jesuíta, que se baseava no Manual dos Jesuítas, focada na transmissão do conhecimento. O processo educativo seguia a seguinte ordem: aula (preleção), prática por exercícios, memorização e prova. De acordo com o especialista, até muito pouco tempo atrás, essa ainda era a lógica das escolas médicas.

Desde o Renascimento, a Medicina evoluiu do estudo da anatomia para o da fisiologia, bioquímica e, mais recentemente, para a questão molecular. No começo do século XX, existiam escolas médicas que seguiam apenas preceitos da filosofia ou da quiropraxia, por exemplo, não acompanhando a evolução do pensamento científico.

Nesse sentido, em 1910, foi criado o Relatório Flexner, com o objetivo de trazer para a escola médica o pensamento científico. Nesse relatório, pela primeira vez as escolas foram divididas por disciplinas. Seguindo essa evolução, nos anos 1970, percebeu-se que o currículo médico dividido por especialidades estava muito fragmentado e, em 1978, foi redigida a Declaração de Alma-ATA, visando os cuidados primários em Saúde. A partir daí, surge uma série de movimentos com o objetivo de se formar médicos para os sistemas de Saúde.

Experiências mundiais

Conforme Brenelli, com a intenção de responder à pergunta “Que médicos nós estamos formando?”, foi criada a Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem). As conclusões do relatório foram as seguintes: as escolas tinham papel tímido quanto à produção de conhecimento e prestação de serviços à comunidade, a formação de médicos era inadequada às demandas sociais e o modelo pedagógico era anacrônico, fragmentado e compartimentado.

Determina-se, então, que os fundamentos da prática médica devem partir da experiência clínica, da reflexão crítica, da empatia/comunicação e do uso de evidências científicas. Sobre isso, o professor afirma: “Me assusta que temos essa grande quantidade de faculdades abertas. Será que teremos colegas que darão conta de transmitir a melhor evidência científica para todos esses estudantes?”.

Com relação às diretrizes curriculares, diversas entidades começam a definir que médico querem formar. A World Federation for Medical Association estabelece que, além das ciências básicas, do ensino clínico e das habilidades clínicas e atitudinais, existe a importância de valores profissionais universais. As diretrizes nacionais curriculares da UNI, Abem e Cinaem apontam o SUS como cenário de ensino-aprendizagem, que o ensino deve ser focado na atenção primária e que se deve utilizar de metodologias ativas.

O Royal College of Physician and Surgeons (CanMEDS) se tornou um dos modelos mais adaptados ao redor do mundo e seu objetivo é melhorar o atendimento ao paciente. Suas diretrizes estabelecem que um bom médico deve ter um papel integrador, ou seja, ser um perito médico. Além disso, deve ser comunicador, colaborador, líder, advogado de Saúde e estudioso profissional.

Ainda segundo o especialista, o ensino tradicional das profissões da Saúde tinha sua prática centrada no hospital e a aprendizagem centrada na técnica. Hoje, espera-se de um bom profissional de Saúde que esteja “em todos os locais em que a vida, a Saúde e a doença acontecem”. Além disso, é preciso dialogar, respeitar e trabalhar a favor da autonomia do paciente e viver a oportunidade de mergulhar nos diferentes contextos reais, enfrentando os desafios decorrentes.

Em outras palavras, os processos de formação e de ensino devem ser organizados a partir do perfil epidemiológico, e devem ser voltados para a prestação intersetorial de serviços de atenção à Saúde, em todos os níveis de complexidade. Além disso, o palestrante afirma que a formação dos novos profissionais deve ser repensada, ou seja, o ensino deve levar em conta diversas características que também são importantes para o ofício da Medicina, como a compaixão, a cortesia e o comportamento respeitoso, dentre outros.

Parceria Universidade/SUS

Na sequência, Cecília Buck apresentou a palestra com o tema “Parceria Rede-Escola na Graduação em Medicina”, destacando o exemplo da Faculdade de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi em Piracicaba. De acordo com a palestrante, “a ideia das escolas formadas nesse contexto é que elas não vão se basear em um hospital universitário, e os estudantes têm que fazer sua formação na rede e conhecer a realidade da cidade”.

Para regulamentar essa parceria entre universidade e o SUS, foi estabelecida a Portaria Interministerial n° 1.127/2015, que instituía as diretrizes para os Contratos Organizativos de Ação Pública Ensino-Saúde (Coapes). Essa Portaria visava “garantir o acesso a todos os estabelecimentos sob a responsabilidade do gestor da área de Saúde como cenário de práticas para a formação no âmbito da graduação e da residência em Saúde”.

Diversos princípios regem o Coapes, dentre eles: a formação de profissionais de Saúde em consonância aos princípios e diretrizes do SUS, o compromisso com a segurança do paciente, o enfrentamento de problemas de Saúde da região em que se encontra a escola médica e a participação ativa da comunidade.

Em Piracicaba, o contrato foi assinado em janeiro de 2019. Com isso, afirma a especialista “a rede de Saúde local passa a ser o campo de estágio, o local de formação dos estudantes. Em contrapartida, a universidade paga 10% da receita para a rede municipal de Saúde”. Essa receita pode ser aplicada em educação permanente, com a reforma ou construção de unidades de Saúde, com a compra de equipamentos ou com bolsas de residência médica.

Dentre os pontos positivos da iniciativa, a palestrante destaca que os estudantes aprendem no cenário real, ou seja, há melhor preparo para a atuação profissional. Além disso, há uma formação integral do estudante, a sua presença traz melhoria no serviço e, principalmente, cria-se uma tendência de que o estudante passe a fixar-se no local de formação.

Cecília afirma que “todo o serviço de Saúde que temos na cidade não foi construído, pensado, planejado para ter o estudante”, ou seja, inseri-los nesses cenários é um grande desafio. Dentre outros desafios, destaca-se o semestre letivo, que tem cronograma diferente do ano de trabalho do profissional da RAS, o docente no campo do estágio e a questão da função da preceptoria e da atividade profissional sem prejuízo ao atendimento da população.

Por fim, ela destaca que essa parceria entre a Rede e a Instituição de Ensino é fundamental, que há um interesse mútuo nessa relação, tanto do município quanto da universidade, e que a principal diretriz que deve nortear essa parceria é a legislação. Além disso, o treinamento dos preceptores deve ser entendido como parte essencial do projeto.

Encerrando o webinar, Sobreira destacou a importância da APM e das demais associações médicas na formação desses futuros profissionais: “Vocês, como professores, poderiam indicar e orientar esses estudantes a procurarem as suas associações, porque nelas você se integra e fortalece a sua profissão”.

Fotos: Reprodução Webinar APM