A cada 2 horas, um médico é vítima de violência em estabelecimentos de saúde no Brasil, revela levantamento do CFM
Um levantamento inédito do Conselho Federal de Medicina (CFM) revelou que, no último ano, que a cada duas horas, um médico passou por uma situação de ameaça, injúria, desacato, lesão corporal, difamação, furto, entre outros crimes, dentro de estabelecimentos de saúde públicos ou privados. Ou seja, em média, 12 médicos foram vítimas diariamente de algum tipo de violência no Brasil durante o trabalho.
De acordo com a autarquia, essa é a maior quantidade da série histórica pesquisada. A conta é baseada em 4.562. boletins de ocorrência (BOs) registrados nas delegacias de Polícia Civil dos estados brasileiros e do Distrito Federal em 2024.
“Desde 2013, o CFM contabilizou quase 40 mil boletins de ocorrência em que médicos denunciaram algum tipo de abuso sofrido em ambientes de saúde. Há, inclusive, registros de mortes de médicos”, afirma José Hiran Gallo, presidente do CFM, em comunicado.
Em relação à localização, a distribuição de ocorrências entre capital (sem considerar região metropolitana) e interior mostra que a maior parte dos casos (66%) ocorreram no interior.
Os homens são mais ameaçados que as mulheres, mas o número de médicas que sofreu algum tipo de delito no ano passado aumentou, quase alcançando o de médicos: 1.757 contra 1.819. Inclusive, em sete estados, a quantidade de mulheres agredidas superou a de homens: Alagoas, Bahia, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima e Tocantins. Ou seja, em 41% das unidades da federação que informaram os dados sobre sexo, a médica foi mais alvo de violência.
De acordo com os dados levantados pelo CFM, os autores dos atos violentos são, em grande parte, pacientes, familiares ou pessoas sem nenhum vínculo com os médicos.
Há uma minoria de casos cometidos por ex-namorados e por motivação de ódio ou vingança. Existe também ainda situações minoritárias de ameaça, injúria e até lesão corporal cometidos por colegas de trabalho, incluindo enfermeiros, técnicos, servidores e outros profissionais da saúde.
Dos 4.562 boletins de ocorrência no ano passado, 256 (6%) foram registrados por crimes de calúnia, injúria, difamação e ameaça cometidos contra médicos na internet, seja em redes sociais ou em aplicativos de mensagens.
Estados mais violentos
De cada 10 registros médicos de casos de violência no País no ano passado, dois foram em São Paulo, que tem o maior número de registros médicos do Brasil (26% do total). Foram 832 boletins de ocorrência. Quase 50% deles foram contra médicas: 514 x 517. Pouco mais de metade (53%) foi verificada na capital. E na maioria dos BOs a autoria do crime é conhecida.
O Paraná, que aparece como o quinto estado com a maior quantidade de médicos, ocupa o segundo lugar nesse ranking de violência. Foram registrados 767 casos de ameaça, assédio, lesão corporal, vias de fato, injúria, calúnia, difamação, desacato e perturbação do trabalho contra médicos em 2024. Curitiba concentra 11% dos registros.
Em terceiro lugar está Minas Gerais, que é o segundo estado com o maior número de médicos do Brasil. A Polícia Civil do estado registrou 460 boletins de ocorrência, sendo 15% deles na capital, Belo Horizonte.
Combate à violência
Pontuando que o número de casos de violência contra médicos em estabelecimentos de saúde, especialmente públicos, causa perplexidade e exige dos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e da área de segurança pública – em todas as instâncias (municipal, estadual e federal), Hiran Gallo alerta que urgente a adoção de medidas efetivas para prevenir e combater a violência em todas as suas formas de manifestação, sob pena de responsabilização de negligência com relação a situações desse tipo.
“O Conselho Federal de Medicina apela por providências urgentes contra esses abusos. Os profissionais carecem de segurança física dentro das unidades. Não é apenas o patrimônio que precisa de cuidados. A garantia de condições para o exercício da atividade médica, dentre os quais a oferta de espaço seguro, é imprescindível, assim como o acesso dos pacientes ao direito fundamental à saúde, tanto na rede pública quanto na rede privada”, alerta.
O presidente do CFM também afirma que a autarquia apoia a aprovação de Projetos de Lei (PLs) no Congresso Nacional que agravam a pena para quem agredir médicos que estejam trabalhando, como o PL nº 6.749/16, aprovado na Câmara Federal.
“A autarquia também tem articulado com governadores e integrantes da Polícia Civil nas unidades da federação a criação de delegacias especializadas em crimes contra a saúde para ajudar no combate à violência contra médicos”, completa Hiran Gallo.
Os dados foram coletados pelo CFM junto às polícias civis das 27 unidades da federação por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Foram solicitadas informações atualizadas do ano de 2024 sobre a quantidade de boletins de ocorrência registrados nas Polícias Civis, com detalhes sobre o tipo de violência cometido, onde (hospital, clínica, consultório, posto de saúde, etc.), perfil da vítima (sexo e idade), entre outros itens.
Apenas os estados Amapá, Paraíba e Rondônia não encaminharam informações relativas ao ano de 2024. Já em relação ao Rio de Janeiro, por exemplo, que concentra o terceiro maior número de médicos do país, o levantamento considera apenas os registros de boletim de ocorrência em que o médico é identificado como vítima de violência em estabelecimento de saúde (foram desconsiderados milhares de casos de violência em estabelecimentos de saúde em que a profissão da vítima não foi preenchida no boletim de ocorrência). Mato Grosso informou dados referentes à violência em hospitais e clínicas médicas contra qualquer profissão – a partir daí o CFM fez uma estimativa de um caso para 10 casos envolvendo só médicos.
Associação Paulista de Medicina (APM) também está preocupada com o aumento da violência. De acordo com o presidente da entidade, Antonio José Gonçalves, a APM decidiu reforçar o apoio jurídico aos médicos do Estado de São Paulo que são vítimas de violência, coação ou abusos.
Os médicos alvo de violência e intimidação podem denunciar o caso através do e-mail defesa@apm.org.br para que sejam tomadas as medidas cabíveis.
Fonte: O Globo