Brasileiros publicam diretrizes de prevenção ao suicídio

Documento foi adaptado ao cenário brasileiro a partir de uma versão australiana, que mostra como familiares e amigos podem ajudar.

O que diz a mídia

Documento foi adaptado ao cenário brasileiro a partir de uma versão australiana, que mostra como familiares e amigos podem ajudar.

Pesquisadores brasileiros publicaram um novo documento com diretrizes para ajudar as pessoas em geral – que não trabalham necessariamente na área da saúde – a identificar, abordar e encaminhar um conhecido com ideações suicidas para um tratamento adequado, já que a maioria dos casos estão associados a algum tipo de transtorno de saúde mental.

O documento dialoga com os dados oficiais: na contramão dos países desenvolvidos, o número de suicídios na América Latina e no Brasil tem aumentado nos últimos anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No país, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, o que significa que em média 38 pessoas tiram a própria vida por dia.

As diretrizes
Os especialistas detalham de forma simples como agir em caso de um conhecido estar com ideações suicidas. Eles citam sinais importantes de alerta, como identificar alguém que esteja:

Ameaçando se machucar ou se matar, ou falando em querer morrer
Procurando maneiras de se matar, como em busca de comprimidos, armas, ou outras formas
Falando ou escrevendo sobre morte, morrer, ou suicídio
Sentindo-se preso, como se não houvesse saída
Afastando-se de amigos, família, e sociedade

Além disso, o documento ensina como se aproximar e abordar a pessoa em risco. Diz, por exemplo, que a pergunta deve ser direta e sem pré-julgamentos. “Você está tendo pensamentos suicidas?” e nunca “Você não está pensando em fazer alguma coisa estúpida, né?”. O socorrista deve assegurar que está ali para ouvir e que quer ajudá-la.

As diretrizes trazem um quadro com dicas de escuta (como ouvir o relato com atenção, paciência e empatia) e o que nunca dizer quando estiver conversando com uma pessoa em risco de suicídio. Não minimizar os problemas relatados, não interrompê-la com suas próprias histórias e nem dizer que a pessoa esta “blefando” são pontos importantes. Acima de tudo, o documento estimula que a busca por ajuda.

Sobre a criação do documento
Traduzido e adaptado das diretrizes do programa Mental Health First Aid, que existe na Austrália desde 2000, a versão brasileira é resultado de uma cooperação que existe desde 2018 entre pesquisadores brasileiros e australianos.

Por aqui, os cientistas trabalharam para chegar em uma interpretação nacional do modelo, de acordo com a nossa cultura e as nossas particularidades. O documeto do Brasil recebeu o nome de “Diretrizes para pensamentos e comportamentos suicidas no Brasil” e foi publicado no periódico científico BMC Psychiatry.

Antes de ser aprovado, o texto oficial foi avaliado por um grupo de 60 brasileiros – sendo 30 profissionais da saúde especialistas e 30 pessoas com experiência associada ao suicídio (seja pessoalmente, sobrevivendo à tentativa, ou acompanhando um familiar).

“Na nossa cultura existe uma conexão familiar muito forte. Por isso, nos casos de risco, incluímos essa questão do envolvimento dos amigos e familiares para ajudar”, explica o psiquiatra Alexandre Andrade Loch, professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-FMUSP) e um dos especialistas que participou da elaboração do documento.

“É comum que as pessoas que suspeitam de que alguém esteja em risco [de tirar a própria vida] não saibam como agir ou onde buscar ajuda. Até os profissionais de saúde encontram dificuldades num primeiro momento. Esse manual foi organizado e pensado também por quem já passou por essa situação para que ele proponha a melhor conduta possível”, completa.

Apesar de já ter sido publicado em uma revista científica, o modelo de treinamento ainda não está acessível ao público – a expectativa é que isso ocorra no começo de 2023. “A ideia é que esse treinamento possa ser aplicado em escolas, locais de trabalho, empresas, mas ainda não sabemos por quanto tempo”, afirma Loch.

Para o psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, a existência de um guia para o público leigo é fundamental. “Muitas dessas pessoas acham que não têm nenhum problema de saúde mental. Ou, quando reconhecem que possuem um sofrimento legítimo, sentem vergonha porque ainda existe tabu e estigmas sobre o suicídio. Isso faz com que a pessoa agrave o seu quadro”, alerta.

Kanomata diz ainda que a ideação suicida não é constante – ela oscila ao longo do tempo e se exacerba em momentos de maior estresse. Por isso, há importância na participação de amigos e familiares na identificação dos casos.

“O suicídio é algo que vai contra os princípios instintivos de qualquer ser vivo, que é o de sobrevivência e autopreservação. O fato de uma pessoa tentar suicídio acaba provocando uma sensação desprazerosa nas outras pessoas, o que gera um certo distanciamento. Por isso a importância do acolhimento”, afirma o médico.

Setembro Amarelo
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) utiliza o mês de setembro como período de prevenção ao suicídio – iniciativa que recebe o nome de Setembro Amarelo, com ações em todo o país para chamar a atenção para o tema.

Neste ano, a campanha teve como lema “A vida é a melhor escolha”. Ela ressalta que muitos casos de suicídio poderiam ter sido evitados se as pessoas em crise tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e a informação de qualidade.

Há mais mortes por ano em decorrência do suicídio do que por HIV ou malária, segundo a OMS. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte, depois de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

Fonte: Veja Saúde Online