Criança e celular pode?

A vida agitada nos grandes centros urbanos colabora para que adultos desfrutem minutos de paz enquanto as crianças estão entretidas com jogos e vídeos no celular. Quem pode julgar os pais que conseguem trabalhar em casa, por exemplo, quando os filhos param de brigar e assistem juntos a um novo vídeo do youtuber favorito?

O que diz a mídia

A vida agitada nos grandes centros urbanos colabora para que adultos desfrutem minutos de paz enquanto as crianças estão entretidas com jogos e vídeos no celular. Quem pode julgar os pais que conseguem trabalhar em casa, por exemplo, quando os filhos param de brigar e assistem juntos a um novo vídeo do youtuber favorito?

Deixá-los o dia inteiro no celular, no entanto, não é uma opção nem um pouco recomendável. O uso das telas e da internet por crianças e adolescentes tem alterado a dinâmica familiar e aumentou nos últimos anos, principalmente devido à pandemia e ao isolamento social. Pesquisa encomendada pelo Instituto Tic Kids Online Brasil ao Cetic.br/NIC.br, e realizada em 2021, entrevistou 2.651 famílias com filhos entre nove e 17 anos. O levantamento demonstrou que 93% estão conectados. “No mundo atual, precisamos observar as necessidades básicas das crianças para que elas possam utilizar os eletrônicos e toda a tecnologia existente de maneira segura”, aponta o psicólogo Roberto Debski.

Os pais reconhecem os malefícios do uso dos celulares por tempo prolongado, mas, na prática, costumam abrir exceções diante das necessidades impostas pela rotina diária. Em outubro de 2018, a revista The Lancet Child & Adolescent Health publicou um estudo em que pesquisadores avaliaram os hábitos de uso de dispositivos digitais de 4.500 crianças americanas, entre 8 e 11 anos. Apenas 37% delas respeitaram o limite diário estabelecido, previsto para duas horas de uso. Quem seguiu o tempo recomendado apresentou melhor desempenho cognitivo.

Fernanda Ferrarezi tem três filhos, Nícollas, de quatro anos, Nathan, de dois, e Nathálye, de 12. Ela conta que a pandemia acelerou o processo de integração ao universo digital. “Cedemos muito e, quando houve o relaxamento do isolamento, percebemos que eles estavam dependentes e que não estavam mais acostumados a brincar. Queriam apenas ficar no celular. Passamos a reduzir o tempo de uso, mas ainda abrimos concessões quando saímos, porque eles não param quietos quando estão sozinhos”, confessa.

Sentir-se cobrado na criação dos filhos, como se tivesse que garantir um resultado, é comum entre os pais. Como influenciadora digital e assessora de imprensa, Tamara Aguiar, mãe de Carlos, de dois anos e seis meses, não é diferente. “Nós seguramos por muito tempo o uso de telas aqui em casa, mas com o home office tivemos de nos adaptar a essas demandas. Meu trabalho demanda tempo e muitas reuniões, por mais que ele tenha atividades elas nunca são suficientes”, afirma.

Em um mundo cada vez mais complexo, o exercício da parentalidade exige lidar com novas gerações expostas a uma infinidade de estímulos e altamente questionadoras. “Por mais que ele tenha dezenas e dezenas de brinquedos, às vezes isso não é suficiente para distrair e entreter. Não me considero uma mãe ruim por deixar meu filho usar o smartphone ou assistir à TV. Sou uma mãe sem rede de apoio, que tem a tecnologia como aliada”, diz Tamara.

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o tempo ideal de exposição às telas varia com a idade. Crianças abaixo de dois anos não devem ser expostas, mesmo passivamente. Os primeiros mil dias de vida, período que compreende a gestação e os dois primeiros anos de vida do bebê, são essenciais para o desenvolvimento mental. Os mais velhos podem usar, mas há um limite de tempo considerado saudável para cada faixa etária. “A linguagem e a comunicação são fundamentais para o desenvolvimento das habilidades cognitivas e sociais. A exposição passiva a telas por longos períodos leva ao atraso desse processo”, explica Luis Fernando Andrade de Carvalho, médico coordenador da Pediatria da Rede Mater Dei de Saúde, de Belo Horizonte.

Estabelecer momentos específicos para o acesso às telas é a solução apontada pelos especialistas. O período pode ser até mesmo um tempo compartilhado entre pais e filhos. É o caso da família Martello, que impõe regras e limites para o uso do celular e do iPad. “Procuro estabelecer períodos curtos, um pouco de manhã e um pouco à noite. E nunca durante as refeições”, afirma Karina, mãe de Lorena, de cinco anos. Segundo estudos publicados na Frontiers in Psychology, consumir conteúdos em família ajuda a desenvolver o diálogo e a cumplicidade, tão importante para a consolidação das relações. “Não damos sempre o celular na mão dela, mas quando precisamos conversar ou ter um tempo nosso, flexibilizamos um pouco as regras”, diz o pai, o consultor Luciano Martello. Na dúvida, a melhor regra é sempre o bom senso.

Fonte: Revista IstoÉ/Mirela Luiz