Inseminação caseira cresce no Brasil, sem legislação e com riscos

Todos os dias, notícias de alguém que conseguiu resultado positivo por meio de um método pouco convencional surgem em grupos no Facebook e no WhatsApp.

O que diz a mídia

Todos os dias, notícias de alguém que conseguiu resultado positivo por meio de um método pouco convencional surgem em grupos no Facebook e no WhatsApp.

A inseminação caseira não é recomendada por médicos, traz riscos à saúde, mas cresce impulsionada pela crise econômica e pelas redes sociais. Casais homoafetivos formados por mulheres são os que mais buscam o procedimento.

O método também é usado, em menor número, por casais heterossexuais, em que o homem tem problema de fertilidade ou por solteiras que desejam ter filhos, mas não têm parceiros nem dinheiro para procurar uma clínica.

A inseminação caseira é uma forma de engravidar sem sexo ou ajuda de médicos. O casal busca um doador de sêmen, que faz a coleta do esperma.

O material genético é então colocado em uma seringa e injetado no corpo pela mulher que deseja engravidar. A gerente de restaurante Tatiane Maria dos Prazeres, de 35 anos, engravidou em agosto de 2021.

Ela e a companheira, a enfermeira Thaiza Souza, de 28, queriam ter um bebê, mas não podiam pagar os R$ 12 mil cobrados por uma clínica. Entraram em contato com um homem – já conhecido na internet. “Ele ia até a nossa casa e só cobrava a gasolina”, conta Tatiane. Em um banheiro, o doador coletava o sêmen e, em seguida, entregava a seringa cheia às mulheres, que faziam a inseminação no quarto.

ONLINE

Uma comunidade no Facebook já reúne mais de 40 mil participantes. Há ainda grupos no WhatsApp com dezenas de contatos e até contas no TikTok e no Instagram criadas tanto por doadores de sêmen quanto por mulheres que tiveram seus filhos por inseminação caseira. Os resultados positivos de uns acabam encorajando outros casais. Também é comum que doadores de sêmen experientes – e com altas taxas de gravidez – sejam ainda mais requisitados.

A inseminação caseira não é amparada por nenhuma legislação. Não há, portanto, regra que proíba a prática. Já a cobrança pelo material genético é vetada pelo Conselho Federal de Medicina. Homens que fazem a doação afirmam só pedir auxílio com custos do deslocamento ou exames solicitados pelos casais, como testes de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.

REGISTRO

Justamente por não estar prevista em nenhuma norma, a inseminação caseira tem sido debatida na Justiça.

Afinal, esses bebês devem ser registrados com os nomes de quem? A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) explica que não há lei sobre o registro em caso de inseminação caseira.

Quando o casal que fez a inseminação caseira é de duas mulheres, cria-se um imbróglio no cartório: uma regra do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina a apresentação de laudo da clínica de fertilização – o que elas não têm. A filha de Tatiane, por exemplo, foi registrada só com o nome dela. O casal pretende entrar com ação para conseguir a dupla maternidade.

Casos assim têm se tornado frequentes, segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que apontou, em parecer de maio ao CNJ, sobrecarga no Judiciário e necessidade da revogação da exigência de documento. Tribunais em várias partes do País, como São Paulo, Minas, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Mato Grosso e Rio, julgaram no último ano ações de dupla maternidade.

Ou seja, reconheceram que o procedimento tem sido feito e permitiram o registro de duas mães nas certidões.

RISCOS

Mas a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) se manifestou, no mês passado ao CNJ, de forma contrária à permissão, por entender que o fim da exigência de laudo da clínica de reprodução assistida incentivaria a inseminação caseira, o que é prejudicial à saúde coletiva. “E há (risco) de discordâncias e litígio entre os envolvidos. A criança poderá requerer a paternidade do doador”, diz a presidente, Regina Beatriz Tavares da Silva.

A inseminação caseira também não tem respaldo entre os médicos. “Pegar o sêmen bruto sem processamento e inocular no útero tem implicações médicas que podem trazer certo risco do ponto de risco infeccioso, por DSTs ou contaminações”, diz Pedro Augusto Araújo, vice-presidente da Comissão Nacional de Reprodução Humana da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

O risco, explica Araújo, é maior do que em relações sexuais sem camisinha porque pode haver contaminação durante a manipulação da seringa.

Além disso, se a inserção do sêmen é feita diretamente no útero podem ocorrer reações anafiláticas. Ele lembra que, em clínicas, o material é analisado previamente, assim como é avaliada a saúde da mulher que quer engravidar. “A inseminação é ato médico.”

Fonte: O Estado de S.Paulo