Neurônios de olho na gripe

Todo mundo sabe o que é gripe, a infecção viral que nos persegue anualmente, acomete milhões de pessoas em todo o planeta, causa mortes e prejuízos apesar de parecer pouco preocupante. Calcula-se que 5-10% dos adultos e 20-30% das crianças são infectados todo ano. O que não se sabe bem é como o cérebro tem conhecimento da infecção para tomar as devidas providências, e assumir o outro lado da medalha, isto é, o enfrentamento orgânico do vírus e a cura da síndrome gripai. Pelo menos até o ano seguinte.

O que diz a mídia

Todo mundo sabe o que é gripe, a infecção viral que nos persegue anualmente, acomete milhões de pessoas em todo o planeta, causa mortes e prejuízos apesar de parecer pouco preocupante. Calcula-se que 5-10% dos adultos e 20-30% das crianças são infectados todo ano. O que não se sabe bem é como o cérebro tem conhecimento da infecção para tomar as devidas providências, e assumir o outro lado da medalha, isto é, o enfrentamento orgânico do vírus e a cura da síndrome gripai. Pelo menos até o ano seguinte…
Parte da sequência é bem conhecida. O vírus que flutua no ar que respiramos se instala nas nossas vias respiratórias, replica-se acelerada- mente, e produz uma “tempestade de citocinas”, que representa a reação do nosso sistema imunitário. Citocinas são proteínas que alcançam a circulação sanguínea e tentam aniquilar os vírus que por ali circulam também. Além delas, o sistema imunitário dispara moléculas menores nas redondezas do local infectado — hormônios chamados prostaglandinas —que tomam conta do policiamento local onde se instalaram os vírus. No caso da gripe, isso acontece na garganta, na traqueia e no pulmão. Mas o problema é o seguinte. Tudo se passa com uma certa lentidão, e o risco é o vírus se multiplicar explosivamente e sair do controle. O cérebro precisa ser avisado para tomar providências. Que providências? Os sintomas gripais, como a febre que acelera o metabolismo, permitindo uma reação mais rápida do sistema imunitário, a prostração que força o repouso e a economia de energias para combater os vírus, a tosse que tenta eliminar as secreções carregadas deles.
A questão que estava sem resposta era justamente de que modo o cérebro fica sabendo da gripe, para providenciar essas e outras reações sintomáticas, que chamamos em conjunto de síndrome gripai. As citocinas secretadas são genéricas, e mesmo chegando ao cérebro, não o informariam de qual infecção se trata. As prostaglandinas passaram a ser os candidatos naturais, por serem mais específicas do tipo e local da infecção. Só que elas se mantêm nas redondezas das vias respiratórias, e é pouco provável que consigam alcançar em concentrações suficientes os neurônios do cérebro que comandam as reações corporais.
O mistério se desvaneceu com a descoberta de um sistema — ralinho mas eficiente —de neurônios especializados em detectar as prostaglandinas da garganta e da traqueia. O trabalho foi publicado na revista Nature há 15 dias por pesquisadores norte-americanos, uti- lizando camundongos infectados com o vírus da gripe, e submetidos adiversas manipulações e análises genéticas de alta sofisticação. Os pesquisadores descobriram que existem alguns neurônios alojados em bolinhas de nomes carrancudos situadas no pescoço —gânglio petroso, por exemplo —que emitem fibras nervosas diretamente para a garganta e a traqueia, de um lado, e para as regiões cerebrais encarregadas das respostas corporais, de outro. O que fazem as fibras na traqueia? São sensitivas: reconhecem as prostaglandinas locais, especificamente secretadas por influenciados vírus influenza. É o alerta de infecção! Rapidamente, as fibras produzem sinais elétricos que viajam com velocidade até os gânglios e deles diretamente ao cérebro. Coisa de segundos! A resposta do cérebro é imediata, gerando os sinais e sintomas da gripe, que podem ser desagradáveis, mas representam a nossa reação ao vírus.
E sabem o que mais? O ibuprofeno e a aspirina, que usamos nesses casos com relativo sucesso, atenuam os sintomas porque bloqueiam o mecanismo que os neurônios usam para reconhecer as prostaglandinas. Ainda bem que o efeito deles é parcial, porque senão ficaríamos desfalcados das defesas naturais contra a infecção. A descoberta possivelmente pode ser estendida a outras infecções. E de supor que outros circuitos neurais de vigilância sobre as infecções virais estejam presentes em outros órgãos. Os neurônios estão sempre de olho.

Fonte: O Globo/Roberto Lent