O inferno das drogas sintéticas

"Uma coisa viciante." "É barato, dá para comprar com R$ 5." “A K9 é a mais violenta." “Fumo maconha antes dela.” Esses são relatos de usuários das drogas “K", atual surto na Cracolândia, em São Paulo

O que diz a mídia

“Uma coisa viciante.” “É barato, dá para comprar com R$ 5.” “A K9 é a mais violenta.” “Fumo maconha antes dela.” Esses são relatos de usuários das drogas “K”, atual surto na Cracolândia, em São Paulo. As substâncias sintéticas popularmente conhecidas como K2, K4, K9, selva doud 9, spice ou supermaconha preocupam especialistas. Elas pertencem à classe dos canabinoides sintéticos: produzidos e manipulados em laboratórios, são cem vezes mais potentes que a Cannabls naturaL Sua disseminação alarma autoridades, pois pode ser encontrada em papel borrifado, saches e pot-pourri de ervas, entre outros formatos. Os efeitos são devastadores, sendo chamada de “droga zumbi”. “Nunca vi nada parecido. Quem usa apaga completamente: o corpo enverga, mas a pessoa não chega a cair no chão. É como se dormissem em pé”, relata Eliene Araújo, de 35 anos. voluntária e líder na organização não governamental Gente de Perto. O neurologista Felipe Franco da Graça, do Vera Cruz Hospital.
explica que as K são um “grupo de drogas sintéticas que se ligam aos mesmos receptores da maconha, mas de uma maneira forte e rápida, o que gera potencial de dependência”. Usuários contam que o torpor começa em dois minutos. “Essas alterações do funcionamento cerebral podem resultar em aumento do nsco de crises convulsivas, acidentes vasculares cerebrais e até morte”, adverte Graça, Tsso já é obervado por profissionais que atuam no acolhimento nas ruas. A Gente de Perto, por exemplo, começou a encontrar crianças e adolescentes letárgicas há um ano. Era o início da propagação das drogas K nas ruas após a introdução nos presídios de São Paulo. Em 2021. o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado registrou aumento de 600% de I<4. “Esse entorpecente passou a ser comercializado de forma ampla no interior dos estabelecimentos prisionais, tendo em vista sua lucratividade e facilidade de ingresso”, informou o órgão. O dado assustador fez a Secretaria da Administração Penitenciária proibir a entrada de papel sulfite na cadeia. Neste ano, até março, foram registradas 528 apreensões.
No entanto, ela se espalhou além do sistema carcerário. “Já tomou vários lugares e não só o centro. Se alastrou pelas comunidades. Os jovens que abordamos contam que K2, I<4 ou K9 são os niveis. Sendo a última, a que ‘derruba’ e dá mais brisa'”, relata FJiene. Em abril, a Policia Civil de Campos do Jordão capturou o chefe do tráfico local, conhecido como “boy da K9”. Nesta semana, a Policia Militar prendeu criminosos com 5,6 mil pinos de K9 no mesmo município.
A matéria-prima para a fabricação da chamada “maconha sintética” chega ao Brasil pelo contrabando em portos, aeroportos e fronteiras terrestres. Nas mãos dos traficantes é misturada com anestésicos e até pesticidas. Mas a produção nacional avança. A reportagem da ISTOÉ ouviu relatos de assistentes sodais assustadas, pois a droga tem “um ano de rua” com grande variação. Ainda que a composição química seja a mesma, cada produtor “dá seu toque” – o que dificulta o trabalho em relação aos laudos. E da boca dos usuários, os depoimentos são de que há fabricação local, dado o fácil acesso e baixo custo.
À reportagem, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) informa que esses elementos, “por serem sintéticos e demandarem apenas insumos químicos para sua fabricação, podem ser produzidos praticamente em qualquer lugar do mundo”. Segundo o órgão, a Polícia Federal vem registrando apreensões desde 2014 “e fazendo alertas, principalmente junto à Anvisa, a respeito da presença de canabinoides sintéticos no País”.
Na adade de São Paulo, a Secretaria Municipal da Saúde registrou desde janeiro 216 notificações de casos suspeitos de intoxicação exógena por canabinoides sintéticos em geral, sendo que em 2022 foram 98,0 Governo do Estado, por sua vez, informa que os profissionais do Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas identificaram “leve aumento” nos atendimentos por K9 nas últimas semanas.
Os efeitos das variações K são estarrecedores: causam náuseas, vômitos, convulsões, arritmia cardíaca, contrações involuntárias dos músculos e perda de consciência – dai o apelido “zumbi”. As complicações assombram, e por isso o governo se apressa nas ações. A Senad lista que “foram relatados episódios de toxicidade cardiovascular, coma, depressão respiratória, delírio, psicosee comportamento agressivo’’. E alerta que mesmo em baixas doses, as K sáo impetuosas.
Em fevereiro último, David Santos, de 12 anos, morreu após ter paradas cardíacas provocadas pela substância. Ele morava em Diadema, São Paulo. Kelly Santos, a mãe, relatou às autoridades que crianças e adolescentes da região começaram a usar o produto em dezembro.
Diante do aumento de ocorrências, a Secretaria Municipal da Saúde publicou uma nota técnica orientativa para assistência às intoxicações, “Além destas ações, a pasta tem feito reuniões sobre o tema justamente para elaborar um plano de ação”.
Entre especialistas, as versões da febre da Cracolãndia são motivos de estudo abrangente. “Os efeitos das drogas K ainda geram questionamentos científicos. Isso ocorre por vários fatores, a começar pela variedade de moléculas existentes dentro do grupo de canabinoides sintéticos”, diz a psiquiatra Karina Barbi, do Vera Cruz Hospital. O mecanismo de dependência, até onde se sabe, é o mesmo de outros narcóticos, segundo o psiquiatra Thiago Machado, da rede Mater Dei. “O uso é associado á sensação intensa de prazer, aumentando a concentração de dopamina em algumas regiões do cérebro, ativando o chamado sistema de recompensa.” O neurologista Henrique Freitas, da mesma rede, aponta que a produção do entorpecente é mais fácil que a obtenção do composto derivado da planta, o que permite sua fabricação em grande escala e por um menor custo. Feita em laboratórios de fundo de quintal, a mistura é uma ameaça. “Os canabinoides sintéticos já são um problema de saúde pública e o seus efeitos biológicos e sociais a longo prazo são desconhecidos”, considera Freitas. Diante de tantos avisos, o Governo Federal conta com o Subsistem3 de Alerta Rápido sobre Drogas (SAR). Em nota, a unidade do Ministério da Justiça e Segurança Publica confirma que o “crescimento repentino do número de apreensões em São Paulo causa preocupação e indica um cenário de surto”. 0 Comitê Técnico do SAR está mobilizado para obter informações, a fim de subsidiaras discussões. Por fim, avisa que “há uma reunião convocada que será dedicada a esse tema”.

Fonte: Revista IstoÉ.