Temporada de dengue começa com avanços contra a doença

O aumento de casos de dengue — 180,5% até meados de novembro, em comparação com o mesmo período do ano passado — e de mortes pela doença — um recorde desde 2015 —acende um alerta entre especialistas, que ressaltam a importância de reforçar medidas de combate nem sempre seguidas pela população

O que diz a mídia

A temporada de calor e chuvas fortes está de volta e, com ela, uma companhia famosa e indesejada dessa época do ano: o mosquito. O aumento de casos de dengue — 180,5% até meados de novembro, em comparação com o mesmo período do ano passado — e de mortes pela doença — um recorde desde 2015 —acende um alerta entre especialistas, que ressaltam a importância de reforçar medidas de combate nem sempre seguidas pela população.

Em paralelo, outras ações avançam, como o desenvolvimento de vacinas e a liberação de mosquitos que ajudam a reduzir a população de aedes aegypti, principal vetor urbano de dengue, zika e chicungunha.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está em fase final de análise do imunizante contra a dengue da farmacêutica japonesa Takeda. A expectativa é que ela chegue ao mercado já em 2023. Nomeada provisoriamente como TAK-003, a nova vacina é tetravalente, o que significa que atua sobre os quatro sorotipos do vírus da dengue.

Trata-se de uma vacina de vírus atenuado, aplicada em duas doses, desenvolvida com tecnologia do Centro de Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e feita com base na estrutura genética do sorotipo 2 (DENV-2).

Segundo a pediatra Vivian Lee, diretora de Medical Affairs da Takeda no Brasil, os estudos foram feitos ao longo de quatro anos e meio, em mais de 20 mil crianças e adultos em 13 países endêmicos da Ásia e América Latina. Os resultados indicam que a vacina TAK-003 previne 84% das hospitalizações causadas pela doença e evita 61% dos casos de dengue sintomática.

— Há grande potencial de proteção da população a longo prazo, ao lado do combate ao mosquito — afirma Lee.

No Brasil, a dengue é prevalente na faixa etária de 20 a 59 anos, mas o risco para casos graves é maior em crianças e idosos. Dados do Ministério da Saúde mostram que 968 pessoas morreram vítimas da doença este ano, até o último dia 12. O número de casos supera 1,37 milhão, o que representa 87,3% dos registros da doença nas Américas, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

— A vacina é a solução para o controle da doença. Controlar o mosquito num país como o nosso, com falta de saneamento básico, com lixões e esgoto a céu aberto, não é fácil — afirma Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim).

O Instituto Butantan também realiza estudos clínicos de desenvolvimento de uma vacina contra a dengue que seria aplicada em dose única. O estudo com 17 mil pacientes voluntários está em fase 3, que avalia eficácia. A previsão é que as análises sejam concluídas e submetidas à Anvisa até meados de 2024, mas resultados preliminares devem ser liberados já nos próximos dias.

— Já sabemos, pelas fases anteriores, que a vacina induz a produção de anticorpos. Agora precisamos entender o quanto esses anticorpos efetivamente protegem contra a doença e previnem hospitalizações e óbitos —afirma Fernanda Boulos, diretora de Ensaios Clínicos do Butantan.

O desafio inicial do projeto, conta, foi encontrar um número grande de voluntários, de diferentes faixas etárias, inclusive pediátrica. A esse se somou o de testar uma vacina contra os quatro sorotipos da dengue — os tipos 3 e 4 circulam pouco no Brasil. E a redução de casos de dengue em anos anteriores, curiosamente, forçou uma pausa.

— Para os estudos de eficácia, precisávamos ter casos. Senão, não conseguiríamos demonstrar se (a eficácia) era pela vacina ou porque o vírus tinha parado de circular — lembra. — Nossa expectativa é bastante alta sobre os resultados preliminares.

O instituto também pesquisa uma vacina de vírus atenuado contra chicungunha, em parceria com a farmacêutica Valneva Áustria GmbH, e que está em fase 3 de ensaios clínicos.

BARREIRAS E TECNOLOGIA

Há mais de 25 anos se estudam protótipos de vacina contra a dengue, mas o desenvolvimento esbarra em obstáculos como o da necessidade de prevenir contaminação por quatro sorotipos diferentes. Outro é a ampliação do público-alvo: a vacina já existente, da farmacêutica Sanofi, é recomendada apenas para pessoas que já tenham sido infectadas anteriormente pelo vírus. O imunizante foi licenciado no Brasil em 2015, com esquema em três doses.

Sem a disponibilidade imediata da vacina pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), a principal forma de controle da doença segue sendo o combate ao mosquito Aedes Aegypti.

Na semana passada, pesquisadores da Fiocruz e da iniciativa internacional World Mosquito Program (WMP) iniciaram em Niterói novas liberações de mosquitos com a bactéria Wolbachia. O projeto começou em 2015, e a expectativa é que, com a finalização em mais bairros da cidade, ela se torne a primeira do Sudeste com 100% de cobertura pela Wolbachia.

Presente naturalmente em 50% dos insetos — mas não no aedes aegypti —, a Wolbachia impede que os vírus da dengue, zika, chicungunha e febre amarela urbana se desenvolvam dentro do mosquito. Ao se reproduzirem com aedes locais, os mosquitos com Wolbachia estabelecem uma nova população.

Dados de 2021 indicam diminuição de 70% dos casos de dengue, 60% de chicungunha e 40% de zika nas áreas onde houve a intervenção. O projeto também acontece em Belo Horizonte (MG), Petrolina (PE) e Campo Grande (MS).

Já em São Paulo, o braço brasileiro da empresa britânica Oxitec aposta em mosquitos geneticamente modificados para reduzir a população de aedes aegypti. As novas liberações começaram em outubro, em Indaiatuba, no interior do estado, onde foi feito o projeto piloto. Este ano, pela primeira vez, a tecnologia chegará a todos os estados brasileiros.

— Em cinco anos de atuação em Indaiatuba, vimos a eficácia no controle das fêmeas infectadas (responsáveis pela transmissão). A supressão da população local de insetos foi acima de 95% nos bairros tratados — afirma Natália Ferreira, diretora da Oxitec Brasil.

As liberações recentes de mosquitos transgênicos, afirma, ajudarão a evitar o pico de infestação que ocorre normalmente em janeiro, em complemento aos esforços das vacinas:

— O mosquito transmite mais de cem arboviroses. As vacinas são muito bem-vindas, mas o controle do mosquito vai evitar que, no ano seguinte, tenhamos epidemias de um segundo ou terceiro vírus — diz Ferreira.

Fonte: Cleide Carvalho e Elisa Martins / O Globo