Transplante de órgãos, a igualdade de dar e receber

Brasil é o país com o maior número do procedimento com financiamento do setor público.

O que diz a mídia

Brasil é o país com o maior número do procedimento com financiamento do setor público.

O Brasil realiza o maior número de transplantes de órgãos financiados pelo setor público. Somos o segundo país do mundo, atrás dos Estados Unidos, em números absolutos de transplantes. Em 2021, os gastos públicos — nos procedimentos relacionados a doação, transplante de órgãos, cuidado após o transplante e medicamentos para a manutenção — foram de R$ 1,2 bilhão.

Atualmente, 95% dos transplantes realizados no Brasil foram financiados pelo SUS, observando-se um crescente interesse do setor privado, ainda que muitas das modalidades não façam parte do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Apenas o transplante renal, o de medula óssea e o de tecidos, como córnea, ossos, pele e músculos, estão contemplados pela ANS. Transplantes que salvam vidas, como o de coração, fígado, pulmão, intestino e de pâncreas, permanecem excluídos de cobertura pela saúde suplementar.

O programa de transplantes no Brasil tem um amplo marco regulatório, que garante as premissas fundamentais para a doação. A doação ocorre protegida da comercialização das relações humanas, sem troca de benefícios. Apesar da grande atividade de transplante no país, o número de doações encontra-se aquém das nossas necessidades.

Segundo os dados consolidados pelas Centrais de Transplantes dos Estados, e publicados no Registro Brasileiro de Transplantes da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (RBT-ABTO), até junho deste ano, 51.674 pessoas aguardavam um transplante no Brasil. O país possui uma taxa de doação efetiva de órgãos de 15,4 doações por milhão de habitantes (ppm). Os estados do Paraná e Santa Catarina se destacam, com 39,7ppm e 37,9ppm, respectivamente. E por que estes dois estados apresentam taxas de doações tão acima da média nacional?

Estudo realizado na Espanha, o país com a maior taxa de doação no mundo, algo próximo dos 50 ppm, demonstrou que o número foi crescente, apesar de o nível de concordância da população sobre a doação de órgãos permanecer estável ao longo dos anos. A principal estratégia é a qualificação adequada dos profissionais de saúde, que se relacionam com as famílias dos potenciais doadores. Paraná e Santa Catarina investiram neste tipo de capacitação. Santa Catarina, nos últimos 17 anos, capacitou cerca de 7 mil profissionais de saúde.

A abordagem familiar deve respeitar o luto e o momento das famílias, por meio do uso adequado das técnicas de comunicação. Os profissionais de saúde, mesmo os devidamente capacitados, não têm o tempo necessário, dedicado à doação de órgãos, que envolve a busca ativa dos potenciais doadores, o acolhimento familiar e a tomada do termo de consentimento. A criação de uma carreira de profissional de saúde, capacitado e dedicado exclusivamente ao processo de doação de órgãos, teria o potencial de aumentar o número de doadores e reduzir a lista de espera.

Devemos ampliar o acesso ao transplante para aqueles que sofrem de doenças crônicas. Reunindo os dados do Censo Brasileiro de Diálise de 2020 e do Registro Brasileiro de Transplantes até junho de 2020, conclui-se que, da estimativa de 144.779 pessoas em diálise no Brasil, apenas 18,5%, ou 26.768 pessoas, estavam na lista de espera por um transplante renal.

Portanto, temos um grave problema de acesso a serviços de transplante renal no Brasil. O mesmo se aplica ao transplante cardíaco, que está muito abaixo do realizado em outros países, como os Estados Unidos.

Hoje é o Dia Nacional de Conscientização sobre a Importância da Doação de Órgãos. O Estado do Rio de Janeiro, após a restruturação da Central Estadual de Transplantes, ocorrida em 2010, apresenta um crescimento na sua atividade. Partimos de 261 transplantes, em 2010, para o recorde histórico de 821 órgãos transplantados, em 306 doações, no ano de 2019. A pandemia arrefeceu a atividade, mas em 2021 obtivemos a segunda melhor marca histórica, com 304 doações, sendo que 82% nos hospitais públicos.

Transplante de órgãos carrega o paradoxo de morte e vida, reunidos num só momento. No Brasil, a desigualdade econômica e social convive com o legítimo direito universal à saúde. A doação de órgãos é um ato de amor ao próximo. Doar e receber, em condições de equidade, justiça e igualdade, longe dos paradoxos da desigualdade brasileira.

Fonte: O Globo Online