Os fatos justificam a preocupação com a queda da vacinação no mundo. Doenças outrora erradicadas, como sarampo ou poliomielite, têm ressurgido em vários países.
No último caso notável, um jovem de 20 anos de Nova York foi diagnosticado com o vírus da pólio em junho, sugerindo contágio já disseminado na população. A pólio também fez vítimas recentes na Ucrânia, em Israel e noutros países. O vírus foi detectado em amostras de esgoto londrino, nova-iorquino e de outras cidades.
O Brasil é considerado livre da doença desde 1994. Porém, com apenas 69,4% das crianças imunizadas em 2021, voltou ao grupo de risco. É uma situação trágica, pois o país já foi exemplo mundial na imunização contra a poliomielite, que costumava ser acompanhada de perto pelo próprio criador da vacina, Albert Sabin. Em 1986, o governo criou o personagem Zé Gotinha para mobilizar a população. A campanha nacional contra a pólio começou no início de agosto. O último dia 20, um sábado, foi o “Dia D” da vacinação, mas, sem maior comunicação, nos primeiros 20 dias da campanha apenas 5% da meta havia sido atingida.
Não tardará muito a acontecer com a pólio o que já aconteceu com o sarampo. Depois de receber da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) a certificação de país livre da doença, a cobertura vacinal caiu, o Brasil enfrentou um surto em 2018 e volta a contar as vítimas do sarampo em suas estatísticas de mortalidade.
A cobertura da segunda dose da vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), oferecida gratuitamente no SUS e inscrita no Calendário Nacional de Vacinação, caiu de 93,1% do público-alvo em 2019 para 71,5% em 2021, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O recomendado para atingir um patamar que garante a imunidade coletiva é no mínimo 95%. O atual governo teve mais de três anos e meio para mudar esse quadro e quase nada fez, como revela a adesão pífia às campanhas.
Vacinação infantil: Queiroga atribui queda nas taxas a ‘fenômeno mundial’
Pelos dados do Unicef, no mundo todo 25 milhões de crianças não foram imunizadas como deveriam em 2021, 2 milhões a mais que em 2020 e 6 milhões a mais que em 2019. Mais de 60% delas estão em dez países, entre eles o Brasil (os demais são Nigéria, Índia, Indonésia, Etiópia, Filipinas, Congo, Paquistão, Angola e Mianmar).
A queda na cobertura vacinal foi causada em parte pela pandemia da Covid-19, que atraiu a atenção dos sistemas de Saúde e manteve a população em casa. Com as quarentenas, calendários de vacinação foram prejudicados, reduzindo a proteção contra doenças graves. Um exemplo foi a queda na cobertura mundial assegurada pelas três doses da vacina contra difteria, tétano e coqueluche, a tríplice bacteriana, de 86% em 2019 para 81% no ano passado. Unicef e OMS estimam que em 112 países houve estagnação ou declínio da proteção contra as três doenças.
Há, ainda, o agravante nada desprezível do movimento antivacina, atuante nas redes sociais e impulsionado pela pandemia, que trouxe as vacinas para o centro do noticiário. No Brasil, ele recebeu o reforço do negacionismo do presidente Jair Bolsonaro, que retardou a vacinação contra a Covid-19 e tem sido negligente quando se trata de imunizar a população.
O relaxamento das medidas de prevenção contra a Covid-19 aumentou a circulação nas cidades e as viagens nacionais e internacionais. Há, portanto, maior risco de contaminação para os não imunizados, entre os quais as crianças são as mais indefesas. O Brasil, em ano eleitoral, tem a oportunidade de tratar da questão na campanha, para que o Programa Nacional de Imunizações (PNI), trunfo histórico na saúde pública do país, atinja seus objetivos.
Fonte: O Globo