A proposta da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de criar um novo tipo de plano de saúde, com cobertura restrita a consultas e exames, é vista com preocupação pelo Ministério Público Federal (MPF), entidades de defesa do consumidor e até servidores do órgão regulador. O modelo, que não inclui cobertura a atendimentos de pronto-socorro, internações, cirurgias e terapias, é pauta de uma audiência pública nesta terça-feira.
Para especialistas, o modelo vai contra a lei dos planos de saúde, o que pode impulsionar a já alta judicialização do setor. Além disso, avaliam que há risco de “downgrade em massa”, com redução na oferta ou alta de preço das coberturas mais completas e usuários sendo empurrados para opções mais baratas e restritas.
Este novo tipo de cobertura foi proposto pela ANS no último dia 10, e ainda não está sendo ofertado pelas operadoras: a ideia com a proposta é a criação de um ambiente regulatório experimental de dois anos para testar o modelo.
Nesse período, as operadoras interessadas precisarão criar e registrar um novo plano coletivo por adesão, sem limite de reajuste anual, e com coparticipação (quando o usuário paga por utilização) limitada a 30%.
Risco de perder qualidade
Na noite de domingo, a Associação dos Servidores e demais Trabalhadores da ANS (Assetans) criticou o projeto, como mostrou o blog da colunista do GLOBO Miriam Leitão.
Numa publicação nas redes sociais, a entidade diz que com o novo modelo de plano proposto pela agência “seria possível subir os preços dos planos de cobertura completa de forma a garantir margens maiores (para as empresas), sem o receio de perda de clientes no mercado. Estes seriam absorvidos nos novos planos de coberturas menores, em um downgrade em massa.”
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento, sem natureza investigatória, para acompanhar o processo. Para o procurador da República Hilton Melo, da Câmara de Defesa da Ordem Econômica e da Defesa do Consumidor do MPF, a lei dos planos de saúde determina que não pode haver uma cobertura que exclua atendimento de urgência e emergência.
— Tem que ter pronto-socorro, ou não pode chamar de plano de saúde, e sim fazer a regulação de um outro tipo de produto — diz.
Melo ainda afirma que a principal preocupação é sobre o entendimento do consumidor, que precisará estar plenamente informado do que está contratando, e teme pela queda na qualidade das coberturas:
— Os usuários precisam estar blindados. De forma nenhuma pode haver downgrade, com incentivo ao mercado para oferecer produtos de menor cobertura. Agora, são planos coletivos por adesão. O maior risco é também abarcar os empresariais, porque aí os empregadores podem oferecer aos empregados um plano de saúde popular.
A agência reguladora justifica que o plano ajudaria a reduzir filas do Sistema Único de Saúde (SUS) para consultas e exames. Mas os usuários continuariam dependentes da saúde pública: ao serem diagnosticados com uma doença e precisarem de tratamento, cirurgia ou exames mais complexos, por exemplo, teriam de recorrer ao SUS.
Para isso, haveria necessidade de uma integração público-privada para garantir agilidade no tratamento desses pacientes. Mas, até agora, o produto não foi apresentado ao Ministério da Saúde, como informou o blog da colunista Miriam Leitão.
Em nota, a pasta afirmou que acompanha de perto os debates sobre a proposta da ANS e “segue atento às discussões em andamento”.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enxerga o projeto como uma desregulação do setor, e defende a suspensão do processo pela ANS.
— Isso cria a expectativa enganosa de que as pessoas terão seus problemas resolvidos. Mas depois que passarem por atendimento, se verão no máximo com um diagnóstico e sem perspectiva de tratamento, cirurgia ou terapias necessárias. A tendência é que as pessoas sejam levadas a um entendimento enganoso de que estão contratando planos de saúde — analisa Lucas Andrietta, coordenador do programa de Saúde da entidade.
Mais acesso
Para as operadoras, a criação de um plano mais restrito pode ajudar a ampliar o número de vidas cobertas por planos de saúde, além da possibilidade de ofertar serviços mais baratos, que caibam no bolso de um número maior de famílias.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) disse em nota que a medida abre a possibilidade de ser oferecida mais uma alternativa de assistência aos beneficiários, “preservando todas as demais opções de planos hoje disponíveis”. E que o modelo pode colaborar para a prevenção de doenças e aliviar o SUS.
Gustavo Ribeiro, presidente da Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge), diz que o setor acredita que a proposta vai facilitar o acesso à saúde privada, e nega risco de downgrade. Ele argumenta que as operadores fazem “altos investimentos” em seus hospitais próprios e redes parceiras, e que por isso “não faria sentido” reduzir a oferta de planos médico-hospitalares.
— As operadoras terão que dar total transparência sobre a que o produto se presta. Vamos trabalhar a conscientização para que o consumidor entenda o contrato, treinando equipes de vendas e corretores parceiros — observa.
Fonte: O Globo