A falta ou o atraso na remuneração dos médicos – por plantões e outros serviços realizados – tem se tornado uma realidade cada vez mais frequente em diversas regiões do Brasil, evidenciando uma constante preocupação para a classe e, por consequência, para o próprio sistema de Saúde. Além de causar um problema financeiro, trata-se de um desrespeito à dignidade dos profissionais.
Para tentar coibir esses calores na Medicina que vêm ocorrendo no País, a Associação Médica Brasileira (AMB), por meio de sua Comissão Nacional de Médicos Jovens (CNMJ) e em parceria com a Associação Paulista de Medicina (APM), criou o Projeto Anticalote.
O diretor de Projetos da Comissão Especial de Médicos Jovens (CEMJ) da APM, Erico Suriano, explica que há algum tempo o grupo identificava o calote de alguns médicos como um problema significativo e percebeu a importância de formalizar um canal de denúncias. “No início, tratou-se de um MVP (Produto Mínimo Viável) para testar a pesquisa de dimensionamento, focada em São Paulo. Era importante saber o que as pessoas pensavam sobre o assunto e recebemos, em um curto espaço de tempo, um número considerável de denúncias. Só a partir daí conseguimos ter noção da dimensão dos casos”, conta.
Segundo o médico, na maioria das vezes que ocorrem atrasos, a empresa se compromete a pagar o profissional pelos plantões um ou dois meses depois. “Portanto, quando o calote acontece, ele está relacionado a um período, e não apenas a um dia. Já registramos diversos calotes com valores exorbitantes, especialmente em São Paulo, onde as coisas acabam sendo mais escancaradas. Imagine o que deve ocorrer em regiões menos cobertas pela mídia e pela divulgação digital”, indaga.
Suriano, que é residente de Neurologia do Hospital Santa Marcelina, relembra que, aos poucos, a ideia do projeto foi sendo formalizada, envolvendo setores de ambas as entidades, como Jurídico, Comunicação, Marketing e Defesa Profissional.
“O Projeto Anticalote é uma demanda muito relevante. Não que os médicos que se formaram há 20 ou 30 anos não tenham enfrentado isso, mas ele viveram um contexto diferente. O calote, embora afete pessoas de todas as idades e graus de formação, é um problema muito forte atualmente entre os recém-formados – aqueles que ainda não são especialistas, que dão plantões em lugares menos prestigiados, muitas vezes por falta de opção. E, por ser um recém-formado, ele ainda conhece pouco sobre a dimensão burocrática do seu exercício profissional e sobre seus direitos e deveres, o que o torna mais vulnerável a sofrer um calote”, esclarece o diretor da Comissão da APM.
Adesão à iniciativa
Caso o médico tenha sido vítima de algum atraso ou falta de pagamento, basta preencher o formulário disponível no site da AMB e da APM. O objetivo da coleta de dados é mapear e dimensionar os problemas, de forma que as ações que serão definidas pelas entidades médicas poderão ser diferentes e dependerão do impacto coletivo ou individual dos relatos.
O foco dessas ações serão os problemas coletivos e/ou de maior escala, o que não significa que denúncias individuais serão ignoradas – elas são essenciais para a compreensão do real cenário dos calotes.
Enrico Suriano informa que o link do formulário está sendo compartilhado com os médicos, que devem informar todos os dados sobre o calote: “O relato é bem detalhado e vai para a área de Tecnologia da Informação, responsável pela segurança digital, que vai compilar e direcioná-los ao Jurídico da AMB para os primeiros encaminhamentos”, destaca. Os dados pessoais dos médicos serão mantidos em total sigilo e confidencialidade, sem qualquer divulgação. Eles serão arquivados exclusivamente para proteger as entidades responsáveis pela pesquisa de possíveis questionamentos sobre a veracidade das informações. E a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados será rigorosamente observada.
Conforme detalha o diretor de Projetos da CEMJ/APM, é necessário entender se o caso de calote é isolado, se há muitas denúncias contra a mesma instituição, se envolve empresa privada ou pública, além de informar o modelo de contratação. “O Jurídico vai avaliar tudo e informar o encaminhamento necessário. Se a pessoa que fizer a denúncia não for associada à APM ou à AMB, ela não poderá ser representada pelas entidades, mas forneceremos uma orientação adequada sobre o que ela pode fazer nestes casos, para que não fique desamparada. Gostaríamos de representar todos, mas, se por alguma razão não for possível ou do interesse da pessoa se associar à AMB ou à APM, que ao menos ela tenha a informação necessária sobre o que pode fazer.”
É importante destacar que as obrigações e direitos somente podem ser objetivamente exigidos por qualquer uma das partes quando há um vínculo formal de relacionamento, como um contrato de prestação de serviços. Dependendo do tipo de contratação, existem legislações específicas que poderão ser utilizadas como argumentação jurídica nos caso de impasses.
Matéria publicada na edição 749 (Março/Abril de 2025) da Revista da APM