Segurança do Ato Médico sofre novas ameaças

Realização de procedimentos invasivos por pessoas não médicas reforça problemáticas

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No início de junho, o Brasil conheceu o caso de Henrique Chagas, jovem empresário de 27 anos que morreu em São Paulo após realizar o procedimento chamado “peeling de fenol”. Segundo o laudo do Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte foi “parada cardiorrespiratória ocasionada por um edema pulmonar agudo desencadeado por ação inalatória local do agente químico fenol”. De acordo com o parecer, Henrique faleceu após respirar o fenol utilizado no processo, além de apresentar queimaduras de primeiro e segundo graus no rosto e uma série de lesões na epiglote, laringe, cordas vocais e pulmões.

O procedimento estético foi realizado na clínica de Natalia Fabiana de Freitas Antônio, influenciadora digital que acumulava mais de 200 mil seguidores nas redes sociais – nas plataformas, ela era conhecida como Natalia Becker. Apesar da popularidade nas mídias, Natalia não é médica e nem mesmo atua como profissional da Saúde, no entanto, se intitulava como “premiada especialista em melasma” e aprendeu a efetuar o peeling de fenol por meio de curso on-line.

Fabiane Mulinari Brenner, 2ª secretária da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), explica que o procedimento deve sempre ser acompanhado de um médico especialista devidamente habilitado. “O paciente precisa de anestesia, então precisamos de um anestesista ou um médico responsável pela sedação e pela analgesia, porque é um procedimento extremamente doloroso nas horas seguintes.”

Ela reforça a necessidade de exames prévios para saber a pré-disposição dos pacientes que serão submetidos. “É preciso uma avaliação para saber se há alguma contraindicação, por conta de problemas anteriores, doenças e do histórico geral do paciente. Ele precisa passar por uma consulta médica para receber a indicação destes profissionais para a realização do peeling.”

A técnica é contraindicada para indivíduos que tenham problemas cardíacos, hepáticos ou renais; com problemas imunológicos; grávidas e lactantes; que tenham pele negra ou morena; que possuam dermatite facial; herpes ativa ou infecção bacteriana ou fúngica, entre outros.

Riscos

O peeling de fenol é um tratamento estritamente estético. O cirurgião plástico e secretário geral da Associação Paulista de Medicina, Paulo Cezar Mariani, explica que o fenol é um ácido forte e com rápida absorção pela pele. “Ele possui eficácia no tratamento da pele, mas é um composto químico com ação invasiva, com possíveis complicações, tais como choque anafilático, hipercromia da pele, arritmias cardíacas, efeitos neurológicos como convulsão, efeitos musculares, renais e hepáticos.”

Além de todos os riscos, o peeling de fenol pode, ainda, levar a óbito – assim como aconteceu com o jovem de São Paulo. “A utilização do fenol pode causar infecções pós-operatórias e dor, que leva à arritmia, e também pela inalação, como foi o caso deste paciente, em que a inalação acabou ocasionando um edema pulmonar. A maior preocupação médica, no momento da realização, é a alteração do ritmo cardíaco”, explica Fabiane Brenner.

Considerando todos os riscos e possíveis adversidades, a realização de um método delicado como este implica que ele seja feito, exclusivamente, por médicos. “O Conselho Federal de Medicina afirma que este procedimento estético invasivo deve ser realizado por apenas médicos habilitados, preferencialmente dermatologistas ou cirurgiões plásticos. É fundamental a conscientização da sociedade de que tal procedimento é muito agressivo e que deve ser realizado por profissionais capacitados. Além disso, a punição deve ser severa aos que o executam sem as competências necessárias, colocando vidas em risco irresponsavelmente”, expõe Paulo Mariani.

O médico ainda reforça que o procedimento demanda amplo conhecimento em farmacologia de fenol, como o seu modo de ação, possíveis efeitos colaterais, cuidados de aplicação, local onde será feito – como centros cirúrgicos –, experiência do profissional, entre outros.

No dia 25 de junho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução nº 2.384/2024, proibindo a comercialização, importação, fabricação, manipulação e uso de produtos à base de fenol em diferentes procedimentos de Saúde ou estéticos. Segundo a Anvisa, “não foram apresentadas à agência estudos que comprovem a eficácia e segurança do produto fenol para uso em tais procedimentos.” A medida ficará vigente por tempo indeterminado, enquanto o caso for investigado e, até o fechamento desta matéria, não houve nenhuma atualização.

Defesa do Ato Médico

A repercussão da notícia demonstra que, mais uma vez, a Medicina foi invadida e desrespeitada. A Lei do Ato Médico (nº 12.842, de 20 de julho de 2013) estabelece uma série de parâmetros e é a responsável por definir quais atividades são exclusivas para profissionais comprovadamente graduados em Medicina. O descumprimento desta legislação se configura como exercício ilegal da prática médica, de acordo com o artigo 282, do Código Penal, e pode levar à detenção de seis meses a dois anos.

Para o presidente da Associação Paulista de Medicina, Antonio José Gonçalves, o maior prejudicado é o paciente. “É ele quem vai sofrer as consequências disso, podendo chegar à morte. Isso tem sido feito de uma forma mais frequente ultimamente. Prejudica, lógico, a Saúde de maneira geral, já que depõe contra os profissionais que fazem a Medicina adequadamente.”

Gonçalves defende que a maneira de reverter este cenário é por meio das medidas legais. “O paciente ou os seus familiares devem denunciar à polícia e às nossas sociedades médicas. A Associação Paulista de Medicina e a Associação Médica Brasileira têm departamentos que defendem o paciente. Na AMB, inclusive, há o Nupam, que é o Núcleo de Proteção do Ato Médico, em que vão atrás e processam o profissional irresponsável, sem a qualificação necessária, para que este responda juridicamente pelo seu ato.”

De acordo com o médico, uma outra maneira seria orientar o paciente para que procure saber se o profissional realmente tem título de especialista. “Se ele estiver na lista dos médicos que têm o título, as pessoas podem ter certeza de que é sim um médico bem formado, que tem capacidade de realizar o procedimento com segurança, evitando complicações e, assim, trazendo um resultado bastante satisfatório para o paciente. Estas são algumas maneiras de evitarmos que continue a acontecer as barbaridades que vêm ocorrendo no decorrer dos últimos anos.”

O caso de Henrique Chagas não é isolado e reforça a importância de uma fiscalização rígida aos serviços ofertados. Além disso, é fundamental levar conscientização à população sobre os riscos de realizar procedimentos – sejam estéticos ou não – com profissionais não qualificados. Segundo o presidente da APM, “é assim que podemos resolver e minimizar esta questão. Por meio de conscientização dos pacientes e de denúncias e punições aos profissionais que fazem esses procedimentos, caracterizando o exercício ilegal da nossa profissão”.

Texto: Julia Rohrer  

Publicado na edição 745 Jul/Ago 2024 da Revista da APM