STF decide que diagnósticos e prescrições oftalmológicos são exclusivos dos médicos

No dia 26 de junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucionais os Decretos Presidenciais nº 20.931/1932 (artigos 38, 39 e 41) e nº 24.492/1934 (artigos 13 e 14), que fazem restrições ao exercício profissional dos optometristas

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No dia 26 de junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucionais os Decretos Presidenciais nº 20.931/1932 (artigos 38, 39 e 41) e nº 24.492/1934 (artigos 13 e 14), que fazem restrições ao exercício profissional dos optometristas. É ato ilegal o pedido de exames, consultas e prescrição de lentes por optometristas.

Referida ação trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 131, em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2008, ajuizada pelo Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria (CBOO), visando a declaração de inconstitucionalidade dos Decretos Presidenciais nº 20.931/32 (artigos 38, 39 e 41) e nº 24.492/34 (artigos 13 e 14), que fazem restrições ao exercício profissional dos optometristas. Sustentava o CBOO que estes dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, porque os valores sociais do trabalho e a garantia da liberdade de ofício ou profissão estariam sendo ofendidos, uma vez que estabelecem ser ato privativo do médico o atendimento à saúde visual.

Importante esclarecer que Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é regida pela Lei nº 9.882 de 1999 e tem por objeto evitar ou reparar lesão ao preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Significa dizer que a ADPF tem o simples propósito de reconhecer que uma Lei anterior à Constituição Federal de 1988 é incompatível com as normas constitucionais estabelecidas. E é promovida diretamente no STF.

Instada a se manifestar nos referidos autos, a Advocacia Geral da União (AGU) sustentou ao STF que a legislação brasileira não impede exercício profissional de nenhuma categoria de trabalhador, inclusive na área de Saúde, “desde que atendidos os requisitos legais”. E, que os Decretos que regulamentam a optometria em nosso País foram recepcionados pela Constituição Federal, conforme já manifestado pelo próprio STF ao declarar inconstitucional o Decreto 99.678/90, que havia revogado os diplomas de 1932 e 1934.

Da mesma maneira, ou seja, pela improcedência dos pedidos, foi o parecer da Procuradoria Geral da República (PRG) na ADPF nº 131.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) foram admitidos a intervirem na ação na condição de amicus curiae. E informaram e documentaram nos autos que os optometristas estariam excedendo suas atribuições ao realizar exames, consultas e prescrever lentes, o que é vedado pelos referidos Decretos.

A Relatoria da ADPF foi do Ministro Gilmar Mendes, que se manifestou pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade, afirmando que os referidos decretos estão alinhados com o texto constitucional, tanto no tocante à liberdade profissional, desde que atendidas as qualificações legais, quanto à competência privativa da União para legislar sobre condições para o exercício profissional.

O julgamento teve início no dia 19 de junho de 2020 e a maioria dos Ministros da Corte acompanhou o Relator. São eles: Ministro Alexandre de Morais, Ministro Ricardo Lewandowski, Ministra Rosa Weber, Ministra Carmen Lúcia e Ministro Luiz Fux. Apenas os Ministros Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Roberto Barroso e Celso de Mello divergiram do Relator.

Desta forma, os Ministros do STF, ao decidirem pela constitucionalidade dos Decretos Presidenciais nº 20.931/1932 (artigos 38, 39 e 41) e nº  24.492/1934 (artigos 13 e 14), deliberaram que é vedado aos optometristas a instalação de consultórios, confecção e venda de lentes de grau sem prescrição médica, escolha, permissão de escolha, indicação ou aconselhamento sobre o uso de lentes de grau e fornecimento de lentes sem apresentação da fórmula de ótica de médico.  Vejamos:

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental para: 1) declarar a recepção dos arts. 38, 39 e 41 do Decreto nº 20.931/32 e arts. 13 e 14 do Decreto nº 24.492/34; e 2) realizar apelo ao legislador federal para apreciar o tema, tendo em conta a formação superior reconhecida pelo Estado aos tecnólogos e bacharéis em optometria, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Roberto Barroso e Celso de Mello. Falaram: pelo interessado Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO, o Dr. Gabriel Ramalho Lacombe; e, pelo interessado Conselho Federal de Medicina – CFM, o Dr. José Alejandro Bullon Silva. Plenário, Sessão Virtual de 19.6.2020 a 26.6.2020.”

Mister pontuar que, de acordo com tais Decretos (Decretos Presidenciais nº 20.931/1932 (artigos 38, 39 e 41) e nº 24.492/1934 (artigos 13 e 14), recepcionados pela Constituição Federal Brasileira, conforme recente decisão do STF, é proibido ao profissional optometrista a realização de consultas, emissão de diagnósticos e prescrição do uso de lentes corretivas, que se constituem em ato privativo do profissional da Medicina. A saber:

Decreto nº 20.931/1932

Disposições gerais

Art. 38 É terminantemente proibido aos enfermeiros, massagistas, optometristas e ortopedistas a instalação de consultórios para atender clientes, devendo o material aí encontrado ser apreendido e remetido para o depósito público, onde será vendido judicialmente a requerimento da Procuradoria dos leitos da Saude Pública e a quem a autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do leilão judicial será recolhido ao Tesouro, pelo mesmo processo que as multas sanitárias.

Art. 39 É vedado às casas de ótica confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências dos seus estabelecimentos.

Art. 40 É vedado às casas que comerciam em artigos de ortopedia ou que os fabricam, vender ou aplicar aparelhos protéticos, contensivos, corretivos ou imobilizadores, sem a respectiva prescrição médica.

Art. 41 As casas de ótica, ortopedia e os estabelecimentos eletro, rádio e fisioterápicos de qualquer natureza devem possuir um livro devidamente rubricado pela autoridade sanitária competente, destinado ao registo das prescrições médicas.”

Decreto nº 24.492/1934

Art. 13 É expressamente proibido ao proprietário, sócio gerente, ótico prático e demais empregados do estabelecimento, escolher ou permitir escolher, indicar ou aconselhar o uso de lentes de gráu, sob pena de processo por exercício ilegal da medicina, além das outras penalidades previstas em lei.

Art. 14 O estabelecimento de venda de lentes de grau só poderá fornecer lentes de gráu mediante apresentação da fórmula ótica de médico, cujo diploma se ache devidamente registrado na repartição competente.”

Esses decretos reconhecem o médico oftalmologista como único responsável pelo diagnóstico e tratamento da saúde ocular e das alterações do olho humano. A refratometria ou refração, nome dado ao exame para avaliação das ametropias (miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia), faz parte da rotina médica oftalmológica, sendo de suma importância tanto para a prescrição de lentes corretoras, bem como para a verificação da visão que pode estar alterada pela falta destas ou por outras causas.

A  visão normal, com ou sem lentes, não afasta a presença ou a possibilidade de doenças graves que, não sendo tratadas corretamente e no tempo certo, podem podem levar a cegueira. É o caso por exemplo do glaucoma, que na maioria dos casos é assintomático, passando o paciente a manifestar dor ou diminuição da visão somente na fase final da doença, quando se torna irreversível.

O aconselhamento e acompanhamento médico é de suma importante à saúde das pessoas. Pois, muitas são as doenças sistêmicas diagnosticadas a partir do exame oftalmológico, como neuropatias, doenças reumatológicas, hipertensão, diabetes, para citar algumas, além daquelas doenças próprias do olho.

Assim sendo, para segurança e saúde da população, é importante que a consulta, o diagnóstico, a prescrição de lentes corretivas e até os procedimentos cirúgicos, sejam feitos somente por profissionais habilitados, que são os médicos oftalmologistas.

Vale ressalvar que a decisão do STF exalta a Lei do Ato Médico (Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013), na medida em que, ao proibir o optometrista a realizar consultas e diagnósticos e prescrever lentes corretivas, impõe que a realização de consultas, diagnósticos e prescrição oftalmológicas é privativa do médico, único profissional capacitado e autorizado legalmente a realizar diagnósticos e tratar doenças.

Portanto, a decisão do STF declarando válida e constitucional a proibição aos optometristas de instalação de consultórios, confecção e venda de lentes sem prescrição médica, bem como a vedação à escolha, permissão de escolha, indicação ou aconselhamento sobre o uso de lentes de grau e fornecimento de lentes sem apresentação da fórmula de ótica de médico, restringindo-se tais atos aos médicos, ao transitar em julgado (torna-se definitiva), terá efeito vinculante, logo deverá ser observada pelos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. E também dará embasamento na luta contra o exercício ilegal da profissão médica.

João Sobreira, Diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina e Médico Oftalmologista.

Francine Curtolo (OAB SP nº 185.480), Assessoria Jurídica da Associação Paulista de Medicina.