TEA: Desafios e avanços

Explosão de diagnósticos, clínicas lotadas, profissionais em falta, sessões de terapias em excesso e pacientes à espera de reabilitação

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O aumento de casos do Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido observado globalmente nas últimas décadas, podendo ser atribuído a diversos fatores que vão desde a ampliação dos critérios de diagnósticos até maior conscientização da população – pais, educadores e profissionais de Saúde.

Na década de 50, a Associação Psiquiátrica Americana lançou a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), no intuito de abordar o diagnóstico das doenças mentais com definições e critérios padronizados. O DSM-5-TR é a versão mais recente, atualizada em 2023, e fornece um sistema de classificação que busca separar as doenças mentais em categorias diagnósticas e com base na descrição dos sintomas, ampliando a definição de autismo para um espectro mais abrangente, com casos que vão de leves até muito graves.

O neuropediatra Paulo Breinis, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com residência em Pediatria e Neuropediatria pela Faculdade de Ciências de Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e professor coordenador de Neurologia Infantil na mesma instituição, define o TEA como um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta o indivíduo, sua família e seu meio social. “Ele compromete o paciente na sua comunicação, seja verbal ou não verbal, apresentando padrões restritos e repetitivos de comportamento.”

Breinis, que também atua em hospitais público e privado, falou da importância do diagnóstico precoce. “Quanto mais cedo for diagnosticado o TEA, melhor será o prognóstico em relação ao desenvolvimento do paciente. A mídia contribui muito para falar sobre autismo, mas ainda falta conhecimento técnico e atualizado.”

O especialista acrescentou que o diagnóstico precoce é oferecer à criança reabilitação em Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional ao perceber que ela tem um atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, mesmo que ela ainda não tenha um diagnóstico de autismo. Segundo ele, você acaba intervindo antecipadamente, porque exames como ressonância, exame genético e Bera demoram para ficar prontos.

“Entre um ano e meio e dois anos da criança você começa a perceber o atraso cognitivo, porque a maioria dos autistas não tem atraso motor – eles engatinham e andam na hora certa. No momento que ele começa a ter mais contato com a mãe é que ela percebe. Tem gente que fala que consegue diagnosticar em bebês de oito meses, até dá para desconfiar porque ela não olha, não acompanha, não brinca e não interage de maneira legal. Mas não é tão simples diagnosticar, porque tem um monte de doenças que são assim também”, alertou o médico.

De acordo com ele, uma criança pode não olhar, por exemplo, porque ela tem uma paralisia cerebral ou doença genética e não ser autista. “O acompanhamento com os profissionais multidisciplinares, como fonoaudióloga e terapeutas ocupacionais, é importante porque você começa a melhorar as condições da fala, da linguagem e a parte da sensibilidade de atividade de vida diária (AVD), na qual a criança aprende a comer, a se vestir, a pegar as coisas com as mãos, fazer as necessidades fisiológicas e até mesmo a higiene do sono. Enquanto isso, o neuropediatra, psiquiatra infantil ou mesmo o pediatra estará investigando a condição que está causando isso.”

Tanto o neuropediatra como o psiquiatra infantil podem realizar o diagnóstico do autismo. “Existem pediatras que trabalham com Neurodesenvolvimento que também conseguem fazer o diagnóstico. Há uma abertura desenfreada de faculdades – muitas péssimas, inclusive, formando alunos bons e outros nem tanto. O mesmo acontece com as escolas de Medicina, por isso é importante conhecer o profissional de Saúde que fará o acompanhamento do paciente com TEA.”

Transtorno de Espectro Autista

O diagnóstico do TEA baseia-se em dois pilares fundamentais, segundo os critérios do DSM-5-TR: déficit na comunicação social e na interação em múltiplos contextos – com dificuldades na reciprocidade social e emocional, comportamentos comunicativos não verbais e a capacidade de desenvolver, manter e compreender relações sociais; e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesse ou atividade – incluem estereotipias motoras e verbais, insistência em rotinas, interesses fixos e altamente restritos, e reatividade sensorial atípica.

O TEA inclui diferentes manifestações como autismo verbal, autismo com ecolalia, autismo não verbal, autismo clássico, Síndrome de Asperger, autismo de alto funcionamento e autismo atípico. Além do TEA, existem outros transtornos de neurodesenvolvimento, como Deficiência Intelectual, Transtornos da Comunicação, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno Específico de Aprendizagem e Transtornos Motores.

“Os sintomas costumam estar presentes precocemente no desenvolvimento e causar prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. O paciente com TEA não gosta de toque, não gosta de beijo, não gosta de contato físico e social”, explicou Breinis.

Segundo o manual do DSM-5-TR, o TEA pode ser classificado em três níveis de suporte, conforme a possibilidade de autonomia. São eles: nível 1 de suporte (leve), nível 2 de suporte (moderado) e nível 3 de suporte (severo). Os níveis de autismo contribuem para entender a gravidade dos sintomas e identificar as necessidades de suporte, mas cada pessoa é única e pode apresentar sintomas diferentes de outros pacientes.

O especialista acrescentou que, às vezes, há crianças que precisam de pouca terapia e outras mais. “O ideal é que o paciente, após o diagnóstico de autismo, seja acompanhado por uma equipe multiprofissional – neuropediatra ou psiquiatra infantil, fonoaudióloga, psicóloga e terapeuta ocupacional – para ser avaliado e discutido o caso. É importante individualizar cada paciente, porque cada um tem seu nível de suporte. Existem pacientes que são autistas secundários a alguma patologia.”

Explosão de casos

Nos Estados Unidos, 1 em cada 36 crianças de 8 anos são autistas, representando 2,8% daquela população. O dado divulgado em 2023 vem da principal referência mundial a respeito da prevalência de autismo, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças). No Brasil, ainda não há confirmação de dados a respeito disso.

Para Paulo Breinis, o aumento no número de casos de TEA pode ser atribuído a fatores genéticos, ambientais e epigenéticos. O autismo primário representa 65% dos casos e ocorre em pacientes sem patologias associadas ou fatores biológicos que expliquem o TEA. Já o autismo secundário, responsável por 35% dos casos, está relacionado a síndromes genéticas, infecções congênitas, prematuridade, anoxia, intoxicações, medicações, radiação durante a gestação, malformações cerebrais, erros inatos do metabolismo e epilepsia. “Apesar da explosão de diagnósticos, muitos são errados. Pelo menos 20 a 30% dos diagnósticos não são autistas”, afirmou o neuropediatra.

Paulo De Conti, diretor adjunto de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências da APM, citou estudos da ABRAMGE (Associação Brasileira de Planos de Saúde) que mostraram que 9% dos gastos das operadoras de planos de saúde correspondem às terapias do TEA – número superior a 8,7% referente aos gastos oncológicos. “O problema não é gastar muito, mas sim gastar bem por meio de terapias efetivas alicerçadas em bases científicas.”

Breinis complementou dizendo que as clínicas não são responsá veis pelo dia a dia da criança com autismo – e reforçou que quem deve cuidar delas é o pai ou a mãe. “O paciente vai na clínica para fazer uma sessão de Terapia Ocupacional e depois vai embora para casa. Pode acontecer de no mesmo dia fazer também uma sessão de fonoaudiologia. É muito cansativo e acaba sendo inaproveitável fazer com que esse paciente fique muito tempo na clínica. Isso não existe, caso contrário, o local passa a ser a segunda casa, uma creche ou uma escola. Isso está errado. Não adianta deixar a criança lá o dia todo, a responsabilidade pela criança é dos pais.”

Alguns planos de saúde já estão realizando intervenções sobre o assunto, inclusive com a abertura de clínicas para tratamento de pacientes com TEA. No SUS, a estrutura do atendimento do TEA é outra. Paulo Breinis explicou que lá praticamente não há suporte para o paciente com autismo. “Trabalho em um hospital infantil público referência, e mesmo assim não conta com uma equipe multidisciplinar. Os autistas, após avaliados, são encaminhados para o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) ou CER (Centro Especializado em Reabilitação).”

Para o neuropediatra, o problema em São Paulo e no Brasil, como um todo, talvez seja não só a realização de exames, mas também a disponibilidade de profissionais. “Profissionais bons são raros e as clínicas estão lotadas. O mais delicado é ter lugar suficiente para receber essas crianças que aguardam atendimento”, ressaltou Breinis.

Paulo De Conti acrescentou que, tanto na rede pública como na privada, faltam médicos neuropediatras, psiquiatras infantis e outros profissionais com especialização em autismo, principalmente nas cidades do interior para atender a essa demanda crescente.

Texto: Alessandra Sales

Publicado na edição 745 Jul/Ago 2024 da Revista da APM