Amistad é tema de Cine Debate virtual da APM

Amistad, filme estadunidense de 1997, dirigido por Steven Spielberg, foi tema do Cine Debate da Associação Paulista de Medicina, realizado na última sexta-feira (8). O programa, coordenado pelo psiquiatra Wimer Bottura Junior, contou com a participação dos debatedores Alfredo Toscano, psiquiatra, e Tabajara Andrade, neurocientista.

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Amistad, filme estadunidense de 1997, dirigido por Steven Spielberg, foi tema do Cine Debate da Associação Paulista de Medicina, realizado na última sexta-feira (8). O programa, coordenado pelo psiquiatra Wimer Bottura Junior, contou com a participação dos debatedores Alfredo Toscano, psiquiatra, e Tabajara Andrade, neurocientista.

A película relata a luta de um grupo de africanos escravizados em território norte-americano. Baseado em fatos reais, dezenas de pessoas escravizadas se libertam das correntes e assumem o comando do navio negreiro La Amistad. Ao confiar em dois tripulantes sobreviventes o caminho da rota, são enganados e capturados por um navio americano, quando desordenadamente navegam até a costa de Connecticut. E são inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação.

“Amistad fala sobre os preconceitos e violência, as falas e não falas têm muita profundidade. Você se emociona com o significado indireto, porque não viveu o sofrimento daqueles personagens, desde a moça sentada no beiral daquele navio se jogando no mar. É uma tristeza profunda porque relata a dor da injustiça”, destaca Bottura.

O coordenador do Cine Debate da APM afirma ainda que a película permite refletir sobre a descoberta do outro. “O ser humano, por muito tempo, viveu centrado nele. Vivemos em uma sociedade em que o outro era o objeto do temor, e hoje estamos descobrindo o significado de que aquilo que dói em mim, dói no outro. Tivemos a ‘descoberta’ da empatia, que era excepcional, incomum, e hoje a sociedade está começando a descobrir o significado do outro, que nada mais é que a minha complementação, a extensão de mim.”

Complexidade

“É um filme um tanto complexo, com muito diálogos e não diálogos. Passa para aspectos desde o estatuto jurídico da escravidão, aos escravos sendo mercadorias, cargas e propriedades de seus senhores. Após uma chacina a bordo do La Amistad, os escravizados são detidos sob acusação de assassinato, e começa aí toda a trama desse filme”, diz Toscano.

O psiquiatra destaca que sua visão acerca do filme vai além do binômio dominação/submissão. “É claro que é uma história que implica em violência, em uma época polêmica, dividida entre abolicionistas e escravocratas nos Estados Unidos, entre um nível cultural mais elevado e preocupado com a liberdade, mais predominante ao norte do país, e a parte mais escravocrata, localizada na região sul. O desenrolar disso se manifesta no julgamento dos escravizados relatados na película, desembocando posteriormente na guerra civil americana, a maior do século 19, contabilizando mais de 600 mil mortes.”

Para tanto, o médico correlaciona o filme com a escravização presente em muitos países latino-americanos e em outras culturas no decorrer da história. “O tema da escravidão transcende de homens sobre homens, há um componente também destacado no filme que é arrancar povos de seu ambiente, de sua tradição, e os conduzirem aos navios negreiros sem que soubessem o que estava acontecendo. Isso causa uma sensação de estranheza, não só na falta de comunicação, mas na nebulosidade e escuridão que viveram e do que viviam quando estavam sendo levados.”

A sensação estranha, e naturalmente a necessidade de comunicação, acompanha também a narrativa, informa o debatedor. “É um filme rico e complexo, que barra com a nossa história, pois tivemos muitos escravos nas plantações de açúcar no Nordeste, o que se replicou na América Central e no Sul dos Estados Unidos, este com uma diversidade maior de plantações”, completa.

Além do julgamento

Os mais de 40 africanos são inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação, mas o caso toma vulto e o presidente americano Martin Van Buren (Nigel Hawthorn), que sonha em ser reeleito, tenta a condenação das pessoas escravizadas, por ser favorável à escravização e ao fortalecimento de laços com a Espanha.  

“Não foram aqueles 40 homens que criaram o drama. Com toda aquela tensão que existia entre abolicionistas e não abolicionistas, aquilo foi um marco e, mais tarde, provocou uma situação complexa, gerando estopim civil que matou 600 mil pessoas”, reitera Andrade.

Ele também reforça que não dá para assistir o filme e não pensar na escravização de povos. “Se pensarmos na nossa escravidão, ela foi abolida há pouco tempo e as consequências severas existem até hoje, como a profunda má distribuição econômica brasileira.”

O neurocientista trouxe também para o debate outra questão histórica: Em 1455, pela bula Romanus Pontifex, o papa Nicolau V autorizou os portugueses a escravizar os infiéis entre o Marrocos e a Índia. “O escravagista estava obedecendo regras religiosas. Nem o catolicismo nem o protestantismo que crescia com a reforma eram contra a escravização, e até hoje temos os resquícios disso. A palavra vocação, que usamos até hoje, diz que é um ‘chamado’ nascer pobre, negro e sem posses, foi assim porque Deus quis.”

Conforme relembra, a violência era uma regra e não tinha lógica: “Não tinha razão, era por nada mesmo, para todos os outros não pensarem nem na possibilidade de se manifestar. Havia também muito abuso sexual, com tanto silêncio”.

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