Covid-19: Webinar debate educação médica no Brasil e em Portugal

Na última quarta-feira (26), os desafios e as conquistas na educação médica durante a pandemia de Covid-19 no Brasil e em Portugal foram tema de webinar da Associação Paulista de Medicina

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Na última quarta-feira (26), os desafios e as conquistas na educação médica durante a pandemia de Covid-19 no Brasil e em Portugal foram tema de webinar da Associação Paulista de Medicina. O evento, transmitido pelo YouTube, contou com palestras do coordenador do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), Henrique José Cyrne de Carvalho, e do presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), Nildo Alves Batista.

Carvalho traçou um breve panorama da chegada do vírus Sars-CoV-2 à Europa e os primeiros planos de contingência, com destaque para o aparecimento da infecção em Portugal e a resposta nacional aos diferentes momentos da pandemia. Em 24 de janeiro de 2020, a Europa registra o primeiro caso do novo coronavírus. Dada a evolução rápida de transmissão, a União Europeia define uma resposta política diante da situação de crise sanitária.

“Em 3 de fevereiro, os ministros votam conclusões sobre a Covid-19 para que as cidades coordenem a avaliação dos riscos, formulem orientações e planos de preparação para eventual evolução do surto”, contou. Já no dia 21 de fevereiro, houve um aumento significativo de casos de infecção no norte da Itália e, em 2 de março, surge a primeira contaminação em Portugal.

Simultaneamente, explica o presidente do CEMP, com a intenção de minimizar o efeito da pandemia nas comunidades acadêmicas, a implementação do confinamento levou a uma rápida adaptação dos modelos de formação. “As instituições de ensino superior começaram a desenhar o seu plano de contingência, bem como comunicar e capacitar as comunidades acadêmicas com informação e conhecimento autorizado e fidedigno, detectar precocemente casos e transmissões, assegurar uma resposta coordenada com outras instituições e organizações e garantir a continuidade de ensino e aprendizagem de acordo com o nível de risco.”

Naquele primeiro momento, informa Carvalho, uma das primeiras recomendações foi identificar os eventuais casos suspeitos com sintomas compatíveis, histórico de viagens para áreas de transmissão ativa ou contatos conscientes com casos confirmados. “No entanto, esses planos foram rapidamente ultrapassados por novas medidas, dada a rapidez com que a propagação de infecção se evoluía no país.”

A formulação de uma nova proposta de contenção em Portugal ocorre depois do dia 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde classificou o surto como pandemia. Em 16 de março, é decretada em Portugal a suspenção das atividades presenciais nas instituições de ensino público e privado, obrigando-as, em curto espaço de tempo, às adaptações ao modelo de ensino e aprendizagem a distância.

“O governo acionou medidas legais, tendo ao seu lado situações de alerta, calamidade ou, em momentos mais críticos, urgência. A situação era reavaliada e continua sendo a cada 15 dias. Essas determinações eram extensivas a todo o país, mas agora estamos em uma fase de enquadrar apenas aquelas áreas ou regiões onde o índice de transmissibilidade ou o número de casos é superior ao que foi definido de 120 por 100 mil habitantes”, contextualizou o especialista.

Adaptações sucessivas de ensino

Henrique Carvalho destaca que nenhuma instituição estava preparada para uma transição total do modelo presencial para o de ensino a distância. “Fizemos um levantamento de todos os estudantes que não tinham capacidade em termos de disponibilização de recursos de informação tecnológica para as aulas. A própria Universidade do Porto ficou responsável por suprir essas faltas individuais para que todos pudessem ter à disposição um computador e internet”, disse.

Ele acrescenta que as medidas contaram com o envolvimento dos discentes, das direções dos núcleos de estudo e linhas orientadoras a todo o corpo docente. “As ações de preparação para ensino a distância levaram em consideração a disponibilização de página na web para apoio ao estudante, modelos de ensino a distância, implementação de modelos e plataformas para avaliação remota com garantia de acesso a todos estudantes para a realização de suas avaliações sistemáticas, rigorosas e sem risco de fraude, além da revisão dos currículos acadêmicos.”

As medidas de contenção para evitar o aumento de estudantes infectados contam ainda com a monitoração diária da Universidade do Porto, em parceria com os órgãos de Saúde. Com o agravamento dos registros de casos entre outubro e meados de fevereiro, os estudantes do sexto ano de Medicina passaram a ser priorizados na campanha de vacinação contra a Covid-19, dado o reconhecimento de seu papel no combate à pandemia.

Aquisição de equipamentos de proteção individual para o ambiente hospitalar, reorganização dos espaços letivos, redefinição e constituições do circuito de movimento dentro do espaço hospitalar, criação de regras para a utilização de locais, restrições as aulas presenciais e práticas, corpo interativo a distância, criação de novos espaços audiovisuais, horários diferentes para circulação de estudantes, novas medidas de integração de alunos do primeiro ano e apoio psicológico e clínico são as medidas mais recentes adotadas em Portugal.

O país possui um acumulado de 846 mil registros de infecção e mais de 17 mil mortes. A vacina, pelos menos a primeira dose, já alcançou 35% da população.

Realidade brasileira

“Falar sobre a educação médica e os seus desafios diante de uma pandemia como a que estamos vivenciando significa discutir as certezas e as incertezas acadêmicas que caracterizam o nosso ensino, é um chamado muito forte para o nosso compromisso social. É reportarmos à pandemia, com suas características sanitárias e epidemiológicas, para além da educação médica. Aqui no Brasil são mais de 450 mil mortes, um momento de dor, luto, traumas e perdas, influenciando enormemente todo o cotidiano e, obviamente, as escolas médicas brasileiras”, introduziu Nildo Alves Batista.

Ele relembrou que, em 17 de março de 2020, houve um alerta emergencial para a paralisação do ensino presencial das 357 escolas médicas no Brasil. Algumas poucas mantiveram ainda as práticas finais dos alunos do 5º e 6º ano, mas a grande maioria parou. “Isso, claro, foi um choque enorme na formação médica”, relembra.

No primeiro semestre, segundo o também professor Titular da Universidade de São Paulo, foi um período de muita confusão. “Várias normativas desencontradas do Governo Federal nos deixavam sem uma resposta imediata. Nós, enquanto Associação Brasileira de Educação Médica, ficamos atentos a fazer um diagnóstico situacional para avaliar quais seriam os impactos imediatos, como as escolas estavam reagindo e o que poderíamos aprender com aquele momento.”

No portal da Abem, foi incluído um link “Conte Sua história”, que traz experiências compartilhadas das faculdades, inclusive com a formação de frentes de trabalho de estudantes. “Fizemos ainda chamadas públicas para a revista RBEM e promovemos webinars com a participação de representantes dessas instituições. Dentro das possibilidades e incertezas, naquele primeiro semestre, verificamos a monitorização por parte das escolas acerca da saúde mental dos alunos, de técnicos e de professores, ainda muito presente atualmente”, acrescenta Batista.

O presidente da Associação reitera que as escolas não estavam preparadas para o ensino a distância, dada a particularidade do ensino médico prático. “O momento trouxe a necessidade de encontrarmos soluções, uma vez que a educação médica não podia prescindir da aprendizagem prática e social. A parceria entre discentes, docentes e instituições de ensino foi fundamental, além da mitigação das desigualdades e dos problemas que permeiam a educação remota.”

Ele esclarece que muitos estudantes não tinham a opção de computador/internet em suas residências e/ou um lugar adequado que possibilitasse os estudos. “O grande aprendizado neste momento é mostrar que precisávamos cuidar mais das relações dentro da universidade e da universidade com o serviço de Saúde e comunidade.”

Cada faculdade criou um colegiado gestor de crise, com a participação de representantes, professores, estudantes e profissionais de Saúde e dos serviços parceiros com o objetivo de identificar situações prioritárias para abordagem, acompanhar os processos educacionais em curso, definir estratégias para o retorno seguro às atividades presenciais, reavaliar periodicamente as decisões e manter o monitoramento próximo ao período pós-Covid-19.

Foram criados ainda espaços de conversa com os docentes e discentes para acompanhamento, acolhimento, suporte, apoio e construção de comunidades de práticas. “No entanto, falta capacitação pedagógica de professores para a atuação em ambientes virtuais de aprendizagem. Nunca fomos tão desafiados para atuar em situações para as quais não estávamos acostumados”, destaca Batista.

Segundo ele, exige-se política institucional de suporte e apoio às pessoas afetadas com o ensino emergencial remoto. “Nunca foi tão necessário instituir espaços de conversas com estudantes, com trabalhadores terceirizados e técnicos-administrativos. Aflorou muito as iniquidades sociais de forma importante ainda na pandemia. O cuidar é necessário para formar na adversidade e garantir a inclusão digital.”

Neste ano de 2021, diante das novas variantes, recrudescendo a pandemia, torna-se distante no momento a esperança de voltar à normalidade. “Claro, estamos caminhando para a vacinação, mas, ao passo que Portugal já vacinou 35% da população, chegamos agora na casa dos 10%. Estamos em um momento muito crítico de necessidade de união, discussão e criatividade para levar a educação médica no Brasil. É um processo que nos desafia muito”, conclui.

Reflexões

O webinar foi apresentado pelo presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, e moderado pelos diretores Paulo Manuel Pêgo Fernandes (Científico) e Álvaro Atallah (Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências). “Toda a sociedade está passando por essa dificuldade de adaptação. Essa doença, na verdade, é uma grande tormenta porque mexeu com todos os pilares sociais: família, economia, educação e, obviamente, sanitário”, destaca Pêgo.

No entendimento de Atallah, os ambientes de homogeneidade em Portugal e de heterogeneidade no Brasil, diante do contexto político-social, exigem abordagens clínicas de desenvolvimento epidemiológico. No estado brasileiro, a pandemia é uma curva crescente desde março de 2020; já em Portugal, após algumas dificuldades, conseguiu-se controlar os casos de infecção. “Isso mexe com alunos, docentes e a própria sociedade.”

Para Amaral, os médicos, as instituições de educação médica e as representativas deveriam estar ligeiramente preparados para o enfrentamento de crises. “Em uma retrospectiva, há exatamente 10 anos, tivemos um terremoto que resultou em 250 mil mortes, no Haiti. Com aquele desastre, tínhamos entendido que era necessário preparar a humanidade para outras crises, mas ignoramos essa possibilidade”, exemplificou ao falar dos sinais de alerta que já ocorriam no mundo com Mers-CoV e Sars-CoV, da família dos coronavírus.