“O envelhecimento populacional promove uma mudança de paradigma na saúde, e temos que desenvolver uma série de avanços e modificações no sistema para dar conta disso. Dizendo-se, de passagem, em nenhum país do mundo essa questão foi perfeitamente resolvida e adequadamente acertada.”
Foi com essas palavras que o professor Titular de Medicina Preventiva e diretor do Centro de Estudos do Envelhecimento da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), Luiz Roberto Ramos, iniciou sua palestra na tertúlia da Academia de Medicina de São Paulo (AMSP) ocorrida em 10 de abril, na sede da Associação Paulista de Medicina (APM).
O especialista traçou a equação demográfica, definidora das variáveis mortalidade e fecundidade. De acordo com as análises, o Brasil, como a maioria dos países do mundo, possuía uma situação de altas taxas de mortalidade e de fecundidade, com população jovem, até muito recentemente.
“O primeiro passo de transição começa quando há diminuição nos índices de mortalidade e aumento da expectativa de vida populacional. Ou seja, quando a fecundidade das mulheres diminui, há um crescimento na proporção de idosos”, explica. Ao comparar com os países europeus, Ramos informa que no Brasil o processo de envelhecimento tem sido mais acelerado.
“Na Europa, a transição levou em torno de 180 anos. No nosso País, que tinha uma realidade fértil de 6,2 filhos, caímos para 2,1 filhos em pouco tempo. Em São Paulo, por exemplo, já estamos abaixo de 2. Isso ocorreu em 90 anos, metade do tempo comparando aos países mais desenvolvidos, o que dá um cenário de urgência para se pensar em políticas públicas e econômicas.”
Atuação médica e desafios
É notório que, em um período histórico curto, a expectativa de vida aumentou. Em 1950, a população vivia em média até os 45 anos. Hoje, a taxa chega a 75 anos ou mais. O boom de idosos ocorreu, sobretudo, no final do século XX.
“Em 1950, havia dois milhões de pessoas acima de 60. Em 1975, já eram seis milhões, e viramos o século com 14 milhões. Em 2025, a expectativa é que haja 32 milhões desse público. Em 2060, a projeção é que haja mais idosos do que crianças, uma receita difícil de ser administrada sob o ponto de vista da previdência e de benefícios sociais, porque teremos muito menos adultos em fase produtiva”, alerta o especialista.
Paralelo à transição demográfica, há uma mudança no perfil epidemiológico de doenças e mortes. De 1930 a 2000, 40% dos óbitos eram por doenças infecciosas e pouco mais de 10%, por males cardiovasculares.
“Hoje, os 40% das mortes de outrora refletem 5% dos casos, e o que matava 10% agora mata 40%. Com essa inversão, saímos das doenças infecciosas para as doenças crônicas não transmissíveis, entre elas a cardiovascular subindo por conta do envelhecimento da população. Isso ocorre porque há uma perda funcional importante.”
O professor ressalta que, mesmo com as limitações decorrentes do aumento da expectativa de vida, é possível ter um envelhecimento saudável. Atividades físicas regulares, alimentação equilibrada e evitar o tabagismo são algumas práticas que devem ser levadas em consideração.
“A nossa genética está preparada para nos fazer perder a função, mas não o suficiente para nos tornar dependentes. Serão os nossos hábitos e o ambiente que vivemos que vão determinar essa inclinação da curva”, reitera.
Mudança de paradigmas
“No novo paradigma, a população de risco são os idosos, o problema agora são doenças crônicas, não transmissíveis e não curáveis, e os fatores de riscos são genéticos e comportamentais, mais difíceis de serem trabalhados. As medidas preventivas são pouco eficazes e os tratamentos são complexos, crônicos e caros. Se não fizer isso bem, a pessoa pode ser internada e alguns casos serem institucionalizados.”
Ramos destaca que este padrão social exigirá novos objetivos dos profissionais da Medicina. “Como mudo atitudes comportamentais de pessoas que nunca fizeram exercício? Que nunca tiveram uma alimentação saudável? E como tento convencê-las de tomar medicamento pelo resto da vida – para o tratamento crônico, não por sete dias como ocorria tempos atrás, além de batalhar pela inclusão social? São os desafios atuais da prática médica.”
Por fim, ele destaca que o cuidado deve ser pensado de forma interdisciplinar, com uma equipe multiprofissional.
O presidente da Academia de Medicina de São Paulo, José Luiz Gomes do Amaral, parabenizou o especialista pela aula. “Conheci simultaneamente o professor José Carlos Prates [também titular da EPM/Unifesp], referência na faculdade, e o Luiz Roberto Ramos, que estão hoje aqui em torno desta mesa. Luiz é neto de Jairo Ramos, um dos ex-presidentes desta Academia e um dos fundadores da Associação Paulista de Medicina e da Escola Paulista de Medicina. Portanto, vem de uma família ilustre, modelo para todos nós. Tê-lo neste recinto é uma honra particular”, conclui.
Texto: Keli Rocha
Fotos: Marina Bustos