Primeiro webinar APM de 2022 discute até onde vai a autonomia do médico

Na última quarta-feira, 9 de fevereiro, a Associação Paulista de Medicina (APM) retomou a sua programação de Webinars com um tema quente. O assunto da vez, debatido em transmissão pelo YouTube, foi “Autonomia médica: importância e limitações”.

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Na última quarta-feira, 9 de fevereiro, a Associação Paulista de Medicina (APM) retomou a sua programação de Webinars com um tema quente. O assunto da vez, debatido em transmissão pelo YouTube, foi “Autonomia médica: importância e limitações”.

João Sobreira de Moura Neto, vice-presidente da APM, foi o apresentador do encontro. “Em um momento em que temos pessoas justificando a prescrição de medicamentos ineficazes para determinadas doenças alegando autonomia médica, é muito bom ouvirmos pessoas que realmente entendem do assunto e que têm ética – profissional e pessoal, que caminham juntas”, disse ao início do encontro.

Antes de os convidados assumirem a palavra, Paulo Manuel Pêgo Fernandes, diretor Científico da APM e moderador do evento, também fez algumas observações. “Temos pessoas com longa vivência médica e clínica e com um conhecimento profundo dos assuntos relacionados ao tema. Esta conversa sempre foi muito importante, mas ganhou ainda mais relevância pois a autonomia médica, até em nível de mídia, está sendo politizada. Até advogados estão utilizando este argumento para defender ideias que, muitas vezes, são indefensáveis.”

Autonomia médica é ilimitada?
O primeiro palestrante da noite foi o cardiologista Renato Azevedo Junior, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Como argumentou, muitas vezes os médicos, ao receberem seus CRMs, têm a sensação de que podem fazer tudo. Para quem pensa assim, ele dá uma má notícia: “Não há nenhuma autonomia que seja ilimitada, inclusive a das decisões médicas”.

Basicamente, são cinco os fatores que contribuem para essa limitação. O primeiro – e na avaliação de Azevedo o mais importante – é o direito dos pacientes compartilharem da decisão médica após serem devidamente esclarecidos e informados. Além disso, são fatores limitantes: a ciência médica, através das evidências científicas disponíveis; a lei que regulamenta vários aspectos do exercício da Medicina, sendo o médico obrigado a segui-la; a responsabilidade social, que o especialista define como a utilização racional dos recursos disponíveis no exercício da profissão; e, por fim, o Código de Ética Médica.

Em relação ao ponto primordial dos pacientes, desde que surgiu a Medicina, ainda na época de Hipócrates (entre os séculos IV e V da Era Comum), vigorou o regime de paternalismo benigno – também conhecido por hipocrático. Nessa relação, o médico é detentor de todo o conhecimento que o doente recebe de forma passiva, daí, inclusive, o nome ‘paciente’. “Isso mudou após a 2ª Guerra Mundial, quando houve, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos

Humanos em resposta às barbaridades que ocorreram”, explicou Azevedo, que também é diretor Científico adjunto da APM.

O documento diz, entre outras coisas, que ‘todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade’. “A partir de então, se estabeleceu que a relação médico-paciente teria de seguir o princípio benigno humanitário, em que o paciente tem o direito de participar ou mesmo recusar procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, após os devidos esclarecimentos”, explicou o palestrante.

Renato Azevedo mostrou, ainda, que o atual Código de Ética Médica prevê – no artigo 22 do Capítulo IV, que fala sobre os direitos humanos – que é vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Conceitos de Bioética
O segundo palestrante da noite foi Clóvis Francisco Constantino, doutor em Bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. No seu entendimento, durante a pandemia, foi possível observar inúmeras demonstrações de desrespeito à dignidade do ser humano.

“Existem pessoas que confundem autonomia com liberdade. Não são a mesma coisa. Para atingir a autonomia em algum setor, evidente, é necessária liberdade. Mas há indivíduos que são extremamente livres, mas escravizados. No nosso cotidiano, um exemplo presente são as pessoas livres, posto que vivem livremente, mas escravas das fake news e das falsas comunicações que as redes sociais têm propagado de maneira intensa e ininterrupta”, argumentou Constantino.

Segundo o convidado, que também é professor de graduação e pós-graduação na Universidade Santo Amaro (Unisa), essas pessoas não são autônomas. “Autonomia significa, obrigatoriamente, aquisição de conhecimento para, sendo livres, agirem autonomamente sabendo o que estão fazendo. Esse é o conceito do filósofo [Immanuel] Kant. Ele dizia que o indivíduo autônomo é livre para construir suas norma e leis e ele próprio se submeter a elas.”

Em relação ao médico, para se formar, o indivíduo passa por uma graduação sequencial assimilando conteúdos e conhecimentos, desde habilidades e comportamentos até atitudes. Depois, isso ocorre na residência. Para o especialista, todo esse esclarecimento, essas informações e debates, com comunicação eficaz, tornam-no autônomo para aplicar seu conhecimento com responsabilidade.

“Como já vimos, liberdade não é autonomia. Durante os últimos dois anos, pessoas que não poderiam confundir isso, confundiram. Levando informações erradas ao público. Isso é propagado de forma sedutora nas redes sociais, o que leva indivíduos a se escravizarem em relação a algo que acreditam ser verdadeiro. Queria esclarecer esse conceito de filosofia.

Muitas pessoas, por ignorância ou má fé, confundem a população”, resumiu Clóvis Constantino, que também é diretor adjunto de Previdência e Mutualismo da APM.

Debate
Após as palestras, os mediadores fizeram algumas observações combinando o que foi dito pelos convidados com os comentários do público. Paulo Pêgo, por exemplo, lembrou que no início de sua carreira, a questão do direito dos pacientes era muito distinta. Além disso, enquanto humanidade, ele entende que essas mudanças são recentes e ainda estão crescendo muito.

“Observei muito, no passado, o médico decidir pelo doente. Na década de 1980, não era incomum o médico como detentor do conhecimento, decidindo o que deveria ser feito e tomando decisões, por vezes, mal comunicadas aos pacientes e familiares. Isso mudou muito não só do ponto de vista da legislação, drasticamente alterada, mas do ponto de vista da posição das pessoas, hoje esclarecidas e informadas”, comentou.

Renato Azevedo concordou com o pouco tempo dessa mudança de perspectiva. “Começou a ser diferente com o advento dos conceitos de Bioética, dos anos 1980 para cá, basicamente. Perceberam a validade desses conceitos e a mudança de qualidade no atendimento ao paciente que eles trouxeram. Antes, o paciente tinha que aceitar o que médico falava. Hoje em dia, isso é incabível, não pode acontecer. O médico tem que ter habilidade de comunicação, explicar o diagnóstico, o tratamento, os riscos e benefícios. É nisso que a Medicina ainda tem muito de arte, pois se trata de um relacionamento humano. Cada situação é diferente e envolve não só paciente, mas sua família e questões socioeconômicas e psicológicas.”

Constantino lembrou, inclusive, dos filmes produzidos nos Estados Unidos com temática médica, na década de 1970, em que era muito comum ouvir alguém dizendo que algo estava sendo feito por ‘ordens médicas’. “A Bioética não foi criada para a Medicina, mas a Medicina viu que era tão importante que a abraçou para si. Ela funciona também para a ecologia, o meio ambiente etc. Os seus quatro princípios são: beneficência, não-maleficência (que vem de Hipócrates), autonomia (que vem das revoluções democráticas) e justiça distributiva (muito ligada ao encarecimento da ciência médica na segunda metade do século XX)”, completou.

Outro moderador da noite, Álvaro Atallah, diretor de Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências da APM, comentou um pouco sobre os prejuízos das informações errôneas que circulam pela sociedade. “Até hoje tenho dificuldade de passar a mensagem aos médicos de que o vírus está no ar. Imagine para os pacientes. Há diferenças entre gotículas e aerossóis, lembro. Digo isso, pois vi hoje uma autoridade médica dizer em um recinto de cientistas que não valia a pena usar máscara N95 por ser desconfortável. Por isso, insisto que não são só as gotículas, mas também os aerossóis, são contaminantes. Se as pessoas entendem o mecanismo, elas aderem mais, aglomeram menos e utilizam uma máscara de melhor qualidade, de maneira bem colocada, e assim por diante.”

Por fim, o vice-presidente da APM lembrou que o associativismo tem como finalidade, além da defesa profissional e do convívio social, o aprimoramento científico do médico. “Estamos também sempre ao lado dos pacientes. Estamos fazendo isso durante a pandemia, com eventos e webinars, para esclarecer a população ao máximo”, encerrou Sobreira.

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