Caminhos para o tratamento oncológico

De tanto ver doentes oncológicos que - pela demora no diagnóstico, fila para adequado tratamento operatório, ou mesmo pela indisponibilidade de quimioterápicos - acabam tendo mudanças significativas no plano de tratamento é que resolvi escrever este artigo. Pacientes que perdem a oportunidade de tratamentos cirúrgicos mais conservadores e igualmente efetivos, e acabam demandando procedimentos maiores e mais onerosos ao sistema.

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Ao longo do século XX até os dias de hoje, a área oncológica evoluiu muito. O SUS oferece tratamento a todos que são acometidos por neoplasias, mas o acesso, por outro lado, ainda é intrincado. O caminho de alguém que ingressa em uma Unidade Básica de Saúde até chegar a um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) é comumente longo.

De tanto ver doentes oncológicos que – pela demora no diagnóstico, fila para adequado tratamento operatório, ou mesmo pela indisponibilidade de quimioterápicos – acabam tendo mudanças significativas no plano de tratamento é que resolvi escrever este artigo. Pacientes que perdem a oportunidade de tratamentos cirúrgicos mais conservadores e igualmente efetivos, e acabam demandando procedimentos maiores e mais onerosos ao sistema.

E o que fez o Governo ao ver as filas? “Canetou”. O diagnóstico da efetiva causa deste problema e a proposta de soluções foram substituídos pela “lei dos sessenta dias”. Conforme o artigo 2º da Lei 12.732/2012, o paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento no SUS em um prazo de até 60 dias, contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico.

Mas como cumprir isto? A população vem envelhecendo. As neoplasias malignas vêm aumentando. Precisamos considerar que elas são responsáveis pela segunda maior taxa de mortalidade entre todas as doenças, com 16,4% do total de óbitos no nosso País. Em 2017, a doença foi responsável por 8,79% de todas as internações. E para este ano, são previstos mais de 550 mil novos casos de câncer no Brasil.

Na tomada de decisão, muitas vezes os critérios são políticos e não técnicos. Há muita pressão por parte de operadoras, desrespeitando o médico e reforçando cenários de judicialização da Saúde, além da abertura desenfreada de faculdades de Medicina, na tentativa desastrada de aumentar o acesso. O sistema de saúde está falido. Investimos menos que muitos países com riquezas muito menores que as nossas.

É necessário realizar um diagnóstico da situação baseados em dados epidemiológicos e desenvolver programas de treinamento com a rede básica, definindo um direcionamento com regionalização e hierarquização da rede hospitalar. Importante também é vocacionar os hospitais, criando centros de biópsias com recursos humanos qualificados – por exemplo, nas instituições com menos de 50 leitos, que têm baixíssima taxa de ocupação – e aprovar fármacos, equipamentos e tecnologias com critérios técnicos claros.

O grande desafio é como fazer tudo isso acontecer. Seguramente não será com “canetadas”, produzindo leis absurdas e impossíveis de serem cumpridas. Sem dúvidas, a EC 95/2016 – que congelou os investimentos em Saúde por 20 anos – será um grande impeditivo para a consecução de um plano de assistência oncológica minimamente decente, assim como a ausência de reajuste da Tabela SUS há anos. Nada disso acontecerá se não houver vontade politica dos nossos dirigentes. E cabe a nós mostrar a eles que este é o caminho.

Antonio José Gonçalves é professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, secretário-geral da APM e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço