COVID-19, 30 dias no Brasil

Que situação vivemos hoje, aos 26 de março de 2020, 30º dia de infecção pelo novo coronavírus (COVID-19) no Brasil?

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Por José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina e da Academia de Medicina de São Paulo

Que situação vivemos hoje, aos 26 de março de 2020, 30º dia de infecção pelo novo coronavírus (COVID-19) no Brasil?

Temos no País 2.915 casos confirmados e 77 mortes; 1.052 casos e 58 óbitos em São Paulo. Até o momento, no mundo, foram registrados pela OMS 462.684 casos confirmados e 20.834 mortes.

Fonte: Ministério da Saúde
Fonte: Organização Mundial da Saúde

Gravidade do problema

A epidemia do COVID-19 é um problema de saúde muito grave, caracterizado em função:

1) do ritmo de contágio (R0 = 2,5) sem distanciamento social. Isto se reflete em expansão exponencial (Stevens, 2020)1. Assim, um doente infectaria 2,5 pessoas em 5 dias e 406 em 30 dias (Com 50% de distanciamento social, um doente infectaria 1,25 em 5 dias e 15 em 30 dias).

2) de não serem disponíveis nem vacina nem antiviral específico.

3) de sua gravidade. A incerteza quanto à mortalidade da COVID-19 deve-se à falta de informação acerca do número de infectados assintomáticos. Estimativas construídas a partir de modelos matemáticos sugerem que 86% dos indivíduos infectados sejam assintomáticos (Ruiyun Li et al, 2020)2, o que pode fazer com que as estimativas de mortalidade sejam superestimadas. O vírus da COVID-19 contagia mais os mais jovens (30% dos infectados encontram-se entre 20 e 29 anos) e mata mais os idosos (mortalidade de 0 a 0,2% entre 20 e 29 anos e 9 a 20% naqueles acima de 80 anos). No Brasil, hoje vivem 12.404.101 pessoas com 70 anos ou mais (IBGE, 2018) [361.261 no estado do Rio de Janeiro e 858.406 no estado de São Paulo – IBGE, 2010], focos principais para o COVID-19). Nestes, concentra-se o foco de nossa atenção: quantos serão infectados? quantos sobreviveriam?*.

Fontes: Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e Organização Mundial da Saúde (OMS)

Redução do contágio

Impõem-se medidas voltadas à redução do contágio. Higiene, etiqueta respiratória, equipamentos de proteção individual e distanciamento social (hábitos e isolamento) são intervenções fundamentais.

O distanciamento social permite ajustar a demanda à capacidade do sistema de Saúde (em recursos humanos, instalações, equipamentos e insumos). Entre as medidas de distanciamento social, tem-se o isolamento horizontal (a maior parte da população permanece em casa) ou vertical (apenas idosos e doentes ficam em casa, jovens e adultos saudáveis retornam às atividades normais).

O isolamento horizontal vem sendo praticado na Itália, França, Espanha, Argentina, Reino Unido, Irã e Tailândia. Nos Estados Unidos, 13 estados instauraram medidas de isolamento social.

A eficácia dos modelos de isolamento social (Ferguson et al, 2020)3 vêm sendo confirmada pela incidência de novos casos [quando e onde se pode realizar testes em larga escala] e pela diminuição do número de óbitos. O ritmo de hospitalização passa a ser mais lento (já observado em NY e em SP, também) após a implantação do isolamento horizontal.

Reduzir o ritmo de contágio – “achatar a curva” – permitirá ganhar tempo para ampliar os testes, identificar quem está doente, acompanhar os contatos e escolher as medidas mais apropriadas de isolamento social. Desenvolver novos testes e avaliar quem é imune, desenvolver vacinas e medicamentos específicos. Adaptar instalações, produzir equipamentos (ventiladores, por exemplo) e insumos.

Impacto na Economia

O isolamento horizontal é intervenção complexa e difícil, com grande impacto a curto, médio e longo prazo na Economia. Alguns preveem que, nos Estados Unidos, se alcance 30% de desemprego e redução de mais de 10% do PIB. Isso afetará a Economia em intensidade variável em todos os países.

Estima-se que, para cada aumento de 1% na taxa de desemprego, haja acréscimo de 0,5% na taxa de mortalidade, hoje estimada em 154,5 q./100 000 (Hone, Rasella, Paes-Sousa, Barreto, Rocha, Millett, 2019)4.

Somos hoje cerca de 210 milhões de brasileiros com taxa atual de desemprego já elevada, da ordem de 11 a 12%. Na hipótese de que a recessão implique em aumento de 10% da taxa de desemprego, o número de mortes associado poderia alcançar 42.000; para 20% de aumento nesta taxa, 84.000.

Conclusões

Tem-se, neste contexto, muitas incertezas e algumas evidências:

1) O distanciamento social é efetivo e isso não é mera hipótese. FUNCIONA!

2) Isolamentos horizontal ou vertical não parecem ser intervenções mutuamente excludentes. Sobretudo em um país de dimensões continentais, as intervenções têm de ser adaptadas às necessidades regionais, em uma perspectiva dinâmica, na qual medidas mais rígidas alternam-se com a flexibilização. Isso exige COORDENAÇÃO!

3) Não é apropriado, nestas circunstâncias, relativizar a importância do COVID-19, comparando-a com outros problemas de saúde. Sim, há problemas maiores, mas isso não nos autoriza minimizar esta doença e, portanto, não justifica que se acrescente mais um problema a uma lista que já é longa.

4) Há um imenso custo associado à doença e às intervenções disponíveis; a ser pago hoje e no futuro.

*Considerações adicionais:

Se apenas 50% dos 12.404.101 idosos (>70 anos) brasileiros se infectassem, teríamos 6.202.101 idosos infectados.

Se 10% morressem, seriam 620.210 mortes. Se 1% deles morresse, seriam 62.021 mortes. Algo equivalente ao número de mortes devidas ao aumento de 15% na taxa de desemprego (62.000 mortes).

Tanto uma estimativa como a outra são especulações.

Escolhas difíceis.

Como sempre foram.

“Ars longa, vota brevis, occasio praeceps, experimentum periculosim, judicium difficile”

(Hipócrates)

Referências

1) Stevens H. Why outbreaks like coronavirus spread exponentially and how to “flatten the curve”. The Washington Post, March 14, 2020.

2) Ruiyun Li et al. Substancial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). Science, 16 March 2020, DOI 10.1126/science.abb3221.

3) Ferguson et al. Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and health care demand. Imperial College COVID-19 Response Team. 2020.

4) Hone T, Mirelman AJ , Rosella D, Paes-Sousa R, Barreto ML, Rocha R, Millett C. Effects of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities. Lancet Glob Health 2019; 7:e1575-83