Governança

É o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre seus grupos de interesse. O conceito de governança está ligado, em sua origem, à teoria do agente principal.

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É o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre seus grupos de interesse. O conceito de governança está ligado, em sua origem, à teoria do agente principal.

Em 1976, Jensen e Meckling publicaram estudos focados em empresas norte-americanas e britânicas, mencionando o que convencionaram chamar de problema de agente-principal, que deu origem à teoria da firma ou teoria do agente-principal. Segundo esses pesquisadores, o problema agente-principal surgia quando um sócio (principal) contratava outra pessoa (agente) para que administrasse a empresa em seu lugar.

De acordo com a teoria desenvolvida, os executivos e conselheiros contratados pelos acionistas tenderiam a agir de forma a maximizar seus próprios benefícios (maiores salários, estabilidade no emprego, poder etc.), agindo em interesse próprio e não segundo os interesses da empresa, de todos os acionistas e demais partes interessadas (stakeholders).

Para minimizar o problema, os autores sugeriram que as empresas e seus acionistas deveriam adotar uma série de medidas para alinhar os interesses dos envolvidos, objetivando, acima de tudo, o sucesso da empresa.

Para tanto, foram propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento, controle e ampla divulgação de informações. A este conjunto de práticas convencionou-se chamar de governança corporativa.

É preciso observar, contudo, que frequentemente a palavra governança é mal utilizada, tendo seu uso sido banalizado de forma a afastá-la do verdadeiro sentido.

ORIGENS DA GOVERNANÇA
Ao longo do século XX, a economia dos diferentes países tornou-se cada vez mais marcada pela integração aos dinamismos do comércio internacional, assim como pela expansão das transações financeiras em escala global.

Neste contexto, as companhias foram objeto de sensíveis transformações, uma vez que o acentuado ritmo de crescimento de suas atividades promoveu uma readequação da estrutura de controle, decorrente da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. A origem dos debates sobre governança remete a conflitos inerentes à propriedade dispersa e à divergência entre os interesses dos sócios, executivos e o melhor interesse da empresa.

Isso se torna particularmente importante no caso de empresas que tenham ações em bolsa, quando os potenciais acionistas e o público interessado precisam confiar que a empresa esteja nas mãos de pessoas cujo principal interesse seja a organização e, portanto, dos acionistas. A transparência nesse caso é fundamental para que todos os agentes envolvidos com a empresa, acionistas ou não, tenham seus interesses preservados.

Como se viu acima, a vertente mais aceita para explicar o surgimento do conceito de governança indica que ela apareceu para superar o “conflito de agência” clássico.

Nesta situação, podem surgir divergências no entendimento de cada um dos grupos daquilo que consideram ser o melhor para a empresa e que as práticas de governança buscam superar. Este tipo de conflito é mais comum em sociedades como os Estados Unidos e a Inglaterra, onde a propriedade das companhias é mais pulverizada.

No Brasil, em que a propriedade concentrada predomina, os conflitos se intensificam à medida que a empresa cresce e novos sócios, sejam investidores ou herdeiros, passam a fazer parte. Neste cenário, a governança também busca equacionar as questões em benefício da empresa.

As boas práticas de governança convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e aumentar o valor da organização no longo prazo, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua sustentabilidade e o bem comum.

O desafio na prática da governança é, portanto, criar um conjunto eficiente de mecanismos, tanto de incentivos quanto de monitoramento, a fim de assegurar que o comportamento dos administradores esteja sempre alinhado com o melhor interesse da organização.

Para ser eficiente, este conjunto de mecanismos deve se basear em duas premissas básicas:

I. Equilíbrio de poderes
O que caracteriza a governança é o equilíbrio de poderes dentro da organização. Para isso, é fundamental que todos na organização conheçam as partes interessadas e saibam os poderes de cada uma.
a) Quem são as partes interessadas na organização?
b) Existem órgãos com poderes equivalentes, que garantam não estar nas mãos de uma só pessoa ou grupo as decisões definitivas?
c) Isso está claro para todos?
d) Todos entendem como funcionam os poderes dentro da organização?
e) Como é assegurado o equilíbrio de poderes?
I. Por decreto?
II. Regulamentos internos?
III. Pela prática? Como?

II. Princípios da governança
A governança pressupõe que a organização tenha princípios que devem ser seguidos de maneira continuada por todos.

1. Participação
a) Há liberdade de expressão e de associação?
b) Existem regulamentos claros e específicos que garantam a participação de todas as partes interessadas?

2. Estado de Direito
a) Há uma estrutura regulatória justa, que se aplique a todos independentemente de poder, classe social, profissão, raça, sexo ou conexões internas.
b) Existem ferramentas que garantam total proteção dos direitos de todos, pertençam às pessoas, sejam maiorias ou minorias sociais, sexuais, religiosas ou étnicas.

3. Transparência
a) Mais do que “a obrigação de informar”, a administração deve cultivar o “desejo de informar”, sabendo que da boa comunicação interna e externa – particularmente quando espontânea, franca e rápida – resulta um clima de confiança, tanto internamente, quanto nas relações da organização com terceiros.
b) A comunicação não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas deve contemplar também os demais fatores (inclusive imponderáveis) que norteiam a ação organizacional e que conduzem à criação de valor.

4. Responsabilidade
Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos recursos (financeiro, material, intelectual, humano, social, ambiental, reputação etc.) em curto, médio e longo prazo.
a) As instituições e a forma como elas procedem devem ser desenhadas para servir aos membros da sociedade como um todo. É o caso da sua organização?
b) Os processos das instituições devem ser desenhados para responder às demandas da sociedade. É o caso da sua organização?

5. Decisões orientadas por consenso
As decisões devem ser tomadas levando-se em conta que os diferentes grupos necessitam mediar seus interesses.
a) As decisões na sua organização são tomadas por consenso?
b) Obtenção de concordância sobre qual é o melhor caminho para a organização como um todo. As decisões também devem ser tomadas levando em conta a forma como tal caminho pode ser trilhado. Essa forma de obter decisões requer uma perspectiva de longo prazo para que ocorra desenvolvimento sustentável.

6. Equidade
a) Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todas as partes interessadas, levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas.
b) As decisões devem assegurar que todos os membros da organização sintam que fazem parte dela e não se sintam excluídos.

7. Efetividade e eficiência
a) A boa governança deve garantir que os processos produzam resultados que vão ao encontro das necessidades da organização, fazendo o melhor uso possível dos recursos à sua disposição.
b) Isso implica também que os recursos naturais sejam usados sustentavelmente e que o ambiente seja protegido.

8. Prestação de contas (accountability)
Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papeis. Filosofia não punitiva para erros; usá-los como oportunidades de melhoria.
a) A organização é fiscalizável por seus grupos de interesse?
b) Como é garantido esse direito a todas as partes interessadas?

REFERÊNCIAS
1. JENSEN, M.; MECKLING, W. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, n. 4, p. 305-360, 1976.
2. Instituto Brasileiro de Governança Corparativa (IBGC)

Haino Burmester é médico, administrador hospitalar e um dos fundadores do Programa Compromisso com a Qualidade Hospitalar (CQH), da Associação Paulista de Medicina