Se não for a Ciência,o que será?

Dados reafirmam a importância que a classe médica tem frente à sociedade civil, e servem como alerta para o compromisso que os médicos têm de priorizar evidências científicas

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Acaba de ser publicado o resultado de uma pesquisa intitulada “Confiança na Ciência no Brasil em tempos de pandemia”, realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia (INCT-CPCT).

A pesquisa avalia a opinião dos brasileiros com relação à confiança na Ciência e nos cientistas. Também foram exploradas as percepções sobre mudanças climáticas e vacinação, dois tópicos frequentemente associados a notícias falsas e teorias da conspiração. Em que pese a limitação de espaço, algumas conclusões merecem ser destacadas no sentido de se tentar compreender a posição da população sobre esses temas.

Os brasileiros confiam na Ciência? A confiança na Ciência cresce com o aumento da escolaridade e da renda, sendo maior entre os que têm curso superior ou pós-graduação e aqueles com renda familiar maior que cinco salários-mínimos.

Quem são os que não confiam na Ciência? A chance de um brasileiro declarar não confiar na Ciência depende fortemente da região de moradia. Desconfiar da Ciência é mais frequente entre os que moram na região Centro-Oeste, independentemente da idade, escolaridade ou renda.

Nessa região, 43% dos entrevistados declaram não confiar na Ciência, 14% a mais que a média nacional. A desconfiança tende a ser maior entre evangélicos e entre aqueles que cursaram apenas o ensino fundamental, e possuem menor acesso à informação e ao conhecimento científico.

A confiança nos cientistas brasileiros é um pouco menor do que a confiança na Ciência: 63% declaram confiar nesses profissionais. Essa confiança aumenta com a escolaridade e a renda. Mas, o que desperta preocupação é o fato de que, em números redondos, um em cada três brasileiros declara não confiar na Ciência ou nos cientistas do País.

Por outro lado, quando questionados sobre quais profissionais seriam as fontes mais confiáveis de informação, as escolhas mais frequentes foram os médicos (60%), seguidos dos cientistas (47%) e dos jornalistas (36%). Esses dados reafirmam a importância que a classe médica tem frente à sociedade civil, e servem como alerta para o compromisso que os médicos têm de priorizar evidências científicas em detrimento da experiência pessoal como fontes de orientação do público leigo.

Dobrou, em relação a pesquisas anteriores (12% para 25%), o número de pessoas capazes de lembrar o nome de instituições dedicadas à pesquisa científica. As mais citadas são o Instituto Butantan, a Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade de São Paulo.

Os brasileiros temem a vacina? Para 86% dos entrevistados, as vacinas são consideradas importantes para proteger a saúde pública. Mas, por outro lado, 46% afirmam que elas produzem efeitos colaterais que são um risco, e há desconfiança em relação às empresas farmacêuticas que, para 40% dos entrevistados, escondem os perigos das vacinas.

Contudo, o mais preocupante é que 13% dos entrevistados declaram não pretender tomar doses de reforço da vacina contra a Covid-19, e 8% dos que têm filhos declaram não ter a intenção de vaciná-los.

O “negacionismo climático” aumenta entre aqueles que declaram que o crescimento econômico deve ser priorizado em relação à Saúde. Entre os que negam a existência das mudanças climáticas, há uma fração três vezes maior do que a média (27% contra 8%) de pessoas que também recusam vacinar os filhos. É um indício preocupante de que as campanhas de desinformação tenham estimulado o surgimento de um grupo de pessoas adeptas de teorias da conspiração em geral.

Finalmente, o que causa perplexidade é que, mesmo tendo vivenciado as fantásticas mudanças implementadas da noite para o dia na área médica durante estes longos e sofridos anos de pandemia, ainda há pessoas que possam duvidar da Ciência.

A transformação do Instituto Central do Hospital das Clínicas da USP no maior centro de terapia para a Covid-19 foi um tour de force que não tem precedentes na saúde pública do País. E a obtenção em ritmo acelerado de vacinas, inclusive no Instituto Butantan, confirma a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o País. Fica então a pergunta do título: se não for a Ciência, o que será?

Publicada na edição 736 – Mar/Abr de 2023 da Revista da APM