Antonio Celso Nunes Nassif – Prognóstico preocupante

Há algum tempo, o ex-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) mantém o site "Escolas Médicas”, que reúne artigos e notícias que discutem o avanço destas instituições no País.

Entrevistas

Há algum tempo, o ex-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) mantém o site “Escolas Médicas”, que reúne artigos e notícias que discutem o avanço destas instituições no País. Na apresentação do portal, inclusive, o médico aponta que na década de 1960 existiam 29 escolas de Medicina no Brasil, passando a 73 em 1971. Número bem diferente das mais de 100 que existiam no início dos anos 2000 e das mais de 250 que temos hoje. A seguir, Nassif repercute temas que aborda frequentemente em seu portal, como a falta de qualidade de diversas faculdades, os requisitos para um bom curso de Medicina e experiências internacionais de fiscalização.

QUALIDADE DO ENSINO MÉDICO NO PAÍS

É a pior possível. O ensino médico no Brasil virou um negócio para ganhar dinheiro. Estamos hoje com 271 cursos de Medicina em funcionamento, oferecendo 25.178 vagas anualmente. Ocupamos o segundo lugar na escala mundial, perdendo apenas para a Índia. Deixamos para trás, com grande diferença, a China, os Estados Unidos, o Japão, a Rússia e outros tantos. Ainda mais, o Ministério da Educação (MEC) estuda* aprovar mais 39 novos cursos propostos pelo Governo anterior, no programa Mais Médicos, liberados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), incluindo aí cidades de pequeno porte, sem hospitais adequados ou condições para formar corpo docente necessário para essa finalidade. O prognóstico qualitativo é deveras preocupante.

*O MEC anunciou, no último 27 de setembro, a abertura de 37 escolas médicas. Apenas no estado de São Paulo, foram liberados cursos nas cidades de Araçatuba, Araras, Bauru, Cubatão, Guarujá, Guarulhos, Jaú, Mauá, Osasco, Piracicaba, Rio Claro, São Bernardo do Campo e São José dos Campos.

REQUISITOS DE UM BOM CURSO

É necessário que um bom curso de Medicina seja realizado em ambiente hospitalar acreditado desde o primeiro período; que o projeto pedagógico seja completo, orientado por professores qualificados (doutores ou mestres diplomados), tendo, dentro do possível, dedicação integral; que existam salários condizentes com essa dedicação, valendo para que os que desejem a dedicação exclusiva. Para estes profissionais, pode ser analisado que atendam pacientes privados no próprio hospital, após horário pré-estabelecido, em caráter limitado; e que haja apoio integral e financeiro aos acadêmicos, no sentido de realizarem trabalhos científicos tanto no hospital como também em cursos e congressos fora da Instituição de Ensino Superior (IES).

ACESSO AO ENSINO

A oportunidade de acesso não é tão difícil. O difícil é essa oportunidade estar aliada a um curso de qualidade, com todos os requisitos necessários para tal fim. Infelizmente, nos últimos dez anos, um verdadeiro festival de escolas médicas redundou em falência qualitativa do ensino da Medicina. Cursos médicos foram autorizados “às pencas”, sem a garantia de qualidade. Dessa forma, é de se prever para os próximos anos a formação de profissionais sem as mínimas condições ao exercício da Medicina.

FISCALIZAÇÃO

Os princípios do Projeto Flexner*, criado em 1906 nos Estados Unidos e no Canadá, ainda hoje servem como exemplo. Se aplicados com o mesmo rigor, coragem e autoridade que foi dada ao Professor Flexner, teríamos, a meu ver, o seguinte resultado: um primeiro grupo, com boas escolas, às quais seria solicitado manter e até melhorar o padrão de ensino então aplicado; um segundo grupo, em que os cursos estão a requerer melhoria substancial no conjunto do projeto pedagógico, estruturas físicas e materiais, e corpo docente, aos quais seria dado prazo determinado para essa finalidade; e um terceiro grupo de escolas que não oferecem as mínimas condições de funcionamento, das quais seria exigido o fechamento do curso de Medicina.

*Abraham Flexner foi um educador contratado pela Fundação Carnegie, no começo do século XIX, que visitou 160 escolas médicas na América do Norte para elaborar um relatório sobre o ensino médico. A partir de suas diretrizes, foram fechadas diversas instituições e praticadas novas formas de funcionamento nas demais.

OPORTUNIDADE FINANCEIRA

Sem dúvida alguma, há na abertura de escolas médicas atendimento a outros interesses. Hoje, em nosso País, é um grande negócio ter uma IES com curso de Medicina. Haja vista o interesse dos grandes grupos empresariais em adquirir, como já o vem fazendo, pequenas e médias instituições com curso de Medicina.

CAPACITAÇÃO EM PRECEPTORIA E RESIDÊNCIA EM PARALELO

Essa é uma questão muito complexa. O que mais interessa e preocupa é saber como irão qualificar adequadamente os preceptores. Como se dará a supervisão feita aos graduandos pelos residentes? Penso que o ensino médico necessita de uma profunda reformulação, na qual devem predominar critérios rígidos para a abertura de cursos de Medicina (aplicáveis aos que já estão em funcionamento) e um exame de proficiência após o curso, para autorizar o exercício profissional [como estava previsto inicialmente na Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina – Anasem, mas que foi deixado de lado pelo Governo].