Daniel Kraft – Saúde conectada é o desafio

Após concluir seus estudos na Brown University e na escola de Medicina em Stanford, Daniel Kraft fez residência no Massachusetts General Hospital & Children’s Hospital, em Harvard, e especialização em Hematologia, Oncologia e Transplante de Medula Óssea em Stanford.

Entrevistas

Com mais de 25 anos de experiência em prática clínica, pesquisas biomédicas e inovação em Saúde, Kraft atua na Singularity University desde 2008 e é fundador e presidente do Exponential Medicine, programa que explora tecnologias convergentes e com rápido desenvolvimento e potencial na Saúde. Possui várias publicações científicas e patentes relacionadas a dispositivos médicos, imunologia e células-tronco.

Durante sua participação no Global Summit Telemedicine & Digital Health, evento realizado pela Associação Paulista de Medicina em parceria com o Transamerica Expo Center entre os dias 3 e 6 de abril, ele concedeu entrevista exclusiva à Revista da APM, confira a seguir.

Por Julia Rohrer (sob supervisão de Giovanna Rodrigues)
Fotos: BBustos Fotografia

REVISTA DA APMSabemos que a Telemedicina é uma maneira de tornar os procedimentos e tratamentos mais democráticos. Por isso, como podemos responder às necessidades e demandas de certas regiões do Brasil e do mundo, que estão em desvantagem?
DANIEL KRAFT: Eu acho que você não precisa definir tudo como Telemedicina ou
Medicina, devemos ter uma mistura, uma combinação. Então, quando você está recebendo cuidados, parte desse atendimento pode ocorrer em uma clínica, em uma sala de emergência ou em um hospital, e outra parte pode ocorrer por meio da realidade aumentada ou, em alguns casos, ser substituída por Telemedicina ou Telessaúde. Assim como chamamos as coisas de “saúde digital”, ou “saúde móvel”, tudo pode ser chamado apenas de saúde e englobar todo o movimento. Isso pode aumentar dramaticamente a oferta de cuidados para pessoas que têm que viajar longas distâncias para ver um médico ou um especialista. A telessaúde pode dar muitas oportunidades para especialistas viajarem para uma parte remota do País, por exemplo áreas rurais do Brasil, onde não há cardiologistas ou neurologistas. É tão simples quanto um bate-papo pelo iPad ou Facetime, chegando a entregar à pessoa em casa não apenas uma tela, mas também ferramentas para fazer um exame remoto.

Do ponto de vista econômico, quais são os principais benefícios?
Espero que ninguém precise ir ao hospital constantemente. Você pode monitorar a pressão arterial, o peso e o nível de açúcar no sangue de um paciente e começar a ver sinais precoces de descompensação. Aí você liga para ele e diz para aumentar a dose da medicação, por exemplo. Vai encontrar problemas antes que a pessoa precise voltar ao hospital. Se você pode evitar uma reinternação, ou evitar de colocar alguém em uma Unidade de Terapia Intensiva, pode economizar milhares ou milhões. Se o sistema de saúde puder dar ao paciente um cateter ou medidor de pressão arterial conectado, em vez de esperar que ele tenha um derrame, pode pagar por mil aparelhos e economizar 50 derrames e mortes.

Quais são os países referência em Telemedicina? De onde acha que deveríamos obter inspiração?
Ouvimos exemplos do Dr. Robert Wah sobre o que está acontecendo na China, onde muitas vezes havia milhares de pacientes com quase nenhum acesso aos médicos. Agora, eles utilizam aplicativos para que as próprias pessoas possam combinar seus prontuários médicos e dados digitais de seus wearables [dispositivos “vestíveis”, como o Apple Watch], por exemplo, que podem ser compartilhados. Essa é uma área em que talvez eles estejam ultrapassando outras partes do mundo. Você também pode ver exemplos como o Kaiser Permanente, ou o Veteran’s VA Hospitals nos Estados Unidos, que usaram bastante a Telepsiquiatria, Teledermatologia e Telerradiologia. Às vezes eles são segmentados demais, mas acho que definitivamente você não precisa reinventar a roda aqui no Brasil, mas sim aproveitar o melhor do que funcionou em outros locais. E também aproveitar algumas dessas novas tecnologias. Se o 5G vier para partes do Brasil, talvez você possa planejar sistemas de telessaúde que funcionem com ele, que é 100 vezes mais rápido que o 4G.

Conhece alguma iniciativa brasileira de Telemedicina?
Iniciativas específicas eu não conheço, mas sei que há algum debate sobre o que está acontecendo no lado regulatório. Também visitei o Hospital Albert Einstein e vi algumas empresas lá que trabalhavam em elementos de Telessaúde, para o tratamento do câncer. Você pode enviar um paciente para casa que está em quimioterapia com uma plataforma conectada para ajudá-lo a gerenciar seus sintomas, medicamentos ou efeitos colaterais. Assim, Telessaúde será uma forma abreviada de todas as maneiras pelas quais você pode conectar os pontos entre pacientes e médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas etc., fora das quatro paredes da clínica tradicional, hospital ou sala de emergência.

Acha que estamos no caminho certo?
Eu já vi alguns bons exemplos de startups, bem como algumas iniciativas acadêmicas. Dado o interesse e a energia, e a grande necessidade não satisfeita de Saúde de um País tão grande e diversificado, você tem uma grande oportunidade. Estou impressionado com as startups que conheci. Agora, o truque é entender todo o ecossistema aqui no Brasil. Como você conecta os pontos, colabora e permite que os elementos regulatórios e políticos promovam a Telessaúde e a Telemedicina.

Aqui no Brasil os médicos são bastante tradicionais e existe certa resistência com a Telemedicina. Por que você acha que isso ocorre?
Eu acho que é uma questão de medo ou mal-entendido. Se você acha que seu trabalho ou seus pacientes serão levados por consultas de Telemedicina, ou que você não será pago para fazer visitas desta forma, é claro que você não vai querer ver essa mudança, faz parte da natureza humana. E pode haver um pouco de divisão digital, porque há uma nova geração de médicos que cresceram no Google, Twitter etc., e a geração um pouco mais velha talvez não se sinta tão confortável. Mas parte disso pode ser resolvido tornando essas tecnologias super fáceis de usar. Você não precisa ser um cientista da computação para usar certas ferramentas. O importante é entender o desafio e alinhar os incentivos. Os custos com Saúde estão aumentando e há muitas pessoas que não têm acesso fácil, então se permitirmos que as regulamentações se abram, poderemos ver resultados drasticamente melhores para todos.

De que maneira espera ver a Medicina daqui a alguns anos?
Eu acho que Medicina e tecnologia já estão juntas. Nossos dispositivos móveis, como o futuro iPhone 20, por exemplo, vão nos conhecer. Verão mudanças no rosto, na voz e na saúde mental. A maneira como você digita no seu dispositivo móvel e interage com ele pode ser uma lente para a saúde. Podem ser detectadas alterações na frequência cardíaca ou durante o sono porque o seu Apple Watch está ligado, por exemplo. Os dispositivos poderão ser portais para a Saúde e a Medicina, e isso se tornará muito mais individualizado. Haverá pontos de contato mais contínuos, proativos e personalizados, e poderemos gastar mais tempo otimizando a saúde, sem esperar que uma doença muito avançada apareça na sala de emergência. Não se trata apenas de um amontoado de dados, eles se tornam úteis para um sistema hospitalar, para um médico e para o próprio paciente se envolver, aprimorar seus dados, entender o que significam e usá-los para orientar seu caminho de saúde. Todos os hospitais privados e os públicos, a Academia e o setor farmacêutico estão começando a construir esse mapa da Saúde para o Brasil e em todo o mundo, para que não cometamos os mesmos erros, ou levemos 10 anos para fazer um ensaio clínico.

Raio-X Daniel Kraft
Formação Brown University e Stanford (EUA)
Especialidade Hematologia, Oncologia e Transplante de Medula Óssea
Atuação Presidente da Exponential Medicine, iniciativa de inovação em Saúde, e autor de pesquisas biomédicas.

Entrevista publicada na edição 709 da Revista da APM – abr/2019.