Paulo Celso Nogueira Fontão – Não é por estar em construção que deixa de ser um enorme avanço

Na opinião do conselheiro fiscal da APM, é sempre um risco avaliar se deu certo ou errado o que não recebeu todo o investimento necessário

Entrevistas

Paulo Celso Nogueira Fontão, sanitarista e médico de Família e Comunidade, é membro do Conselho Fiscal da Associação Paulista de Medicina e coordenador do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade do Hospital Santa Marcelina. Por conta de sua experiência, traz muita bagagem para falar sobre os enfrentamentos do Sistema Único de Saúde, sobretudo em relação à atenção primária.

ANÁLISE DO SISTEMA

O principal avanço nos últimos 30 anos é a própria existência do SUS. Até 1988, quando na nova Constituinte inseriu-se uma política de sistema público universal no Brasil, não havia nada que garantisse uma adequada assistência à saúde no País. O SUS foi aprovado e nunca foi de fato plenamente implementado. No Brasil, temos um sistema misto que não se sustenta. Nenhum dos dois funcionana prática, nem o público, nem o privado. Entretanto, não é por estar em construção que o Sistema Único de Saúde deixa ser um enorme avanço na busca da cidadania plena para a nossa população. É sempre um risco avaliar se deu certo ou errado o que não recebeu todo o investimento, a “vontade política” não foi de fato assumida integralmente. Foi, desde a Lei Orgânica da Saúde – 8080/1990, uma política mais de alguns que de outros governos, mas nunca claramente uma Política de Estado, defendida e fortemente buscada.

“Temos que ter um sistema universal gratuito de saúde, com a compra de serviços da esfera privada quando necessário.”

FINANCIAMENTO

A previsão legal vigente só permite aumentar os gastos pela inflação oficial anual, que será positivamente controlada e baixa nos próximos anos, mas a “inflação da Saúde” tem sido muito superior a isso. Precisamos de novos investimentos para ampliar a cobertura, particularmente da atenção primária, e revisão para ontem da tabela SUS para os hospitais, que não se mantêm com as regras atuais. Temos também que melhorar enormemente o controle e a gestão do gasto no setor, tanto na esfera pública quanto na privada. Muitos processos inadequados e quebrados são grandes geradores de custos para o sistema. Outra questão fundamental a ser enfrentada com maturidade e sem paixões é a existência de brechas na Constituição e na Lei 8080/90 que dão espaço para a atual e crescente judicialização. O sistema público não se sustenta sem regras, sem freios. Não é possível tudo para todos o tempo todo.

FOCO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

As evidências são robustas em atestar que os sistemas de Saúde com forte orientação para a atenção primária apresentam melhores resultados em termos de diminuição da mortalidade, redução dos custos, maior acesso a serviços preventivos, melhoria da equidade em Saúde, redução das internações hospitalares e da atenção de urgência. O maior acerto nesse período de implantação do SUS certamente foi a centralidade nas ações de fortalecimento da atenção primária à saúde. E vários estudos demonstram que a operacionalização da atenção básica por meio da Estratégia Saúde da Família tem sido exitosa e superior aos modelos tradicionais. As evidências indicam que a ESF influiu positivamente no acesso e na utilização dos serviços e teve impacto na saúde dos brasileiros. Em 2010, a queda da mortalidade de menores de cinco anos no Brasil foi reconhecida como uma das mais rápidas já alcançadas no mundo e esse resultado tem sido atribuído emgrande medida à ESF. Hoje, 64% da população  está coberta por essas equipes.

DISTRIBUIÇÃO DE PROFISSIONAIS

Não é a ideal em praticamente nenhum país do mundo, necessitando de políticas indutoras para regiões mais periféricas e vulneráveis. Estudos revelam que a baixa atratividade de médicos em certas localidades e serviços tem relação com as condições de vida e de trabalho oferecidas, mas também com a forma de organização do trabalho, a carga horária e a modalidade de pagamento. A renda elevada não parece ser suficiente em ambientes inseguros, por muitas horas e em más condições. No Brasil, algumas políticas foram implementadas, porém de curta duração ou de baixo alcance. Porém, precisamos de uma Política de Estado e não de governo, construída em parceria com as associações médicas, sociedades de especialidades e conselhos.

REMODELAÇÃO

É importante ainda termos indicações claras para a formação, distribuição e regulação de vagas de residência, como é feito em outros países. Precisamos da ascensão do SUS como Sistema Único de Saúde de fato, com a participação da iniciativa privada em formato de consórcios, de cogestão e venda de serviços, mas ainda um sistema público universal. A esquizofrenia do modelo, defendida em lei, não se sustenta.

PAULO CELSO NOGUEIRA FONTÃO
ESPECIALIDADE – Medicina de Família e Comunidade
CARREIRA – Vice-presidente da Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade (2013 a 2015) e membro da Câmara Técnica do CFM de Medicina de Família e Comunidade
OCUPAÇÃO – Coordenador do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade do Hospital Santa Marcelina e professor da Faculdade de Medicina Santa Marcelina

Entrevista publicada na Revista da APM – edição 696 – janeiro/fevereiro 2018