Sinval Malheiros – Os números confirmam que Saúde não é uma prioridade para o Governo

Sinval Malheiros, eleito deputado federal pela primeira vez aos 64 anos, em 2014, fala sobre o financiamento da área, Carreira de Estado, formação e outros pontos importantes

Entrevistas

Nascido em 23 de fevereiro de 1951, em São Paulo, mudou-se nos primeiros meses de vida para a cidade de Pindorama, no Noroeste Paulista. Cursou Medicina na Faculdade de Medicina de Catanduva (FAMECA), onde concluiu o curso em 1977. Especializou-se na Universidade Johns Hopkins nos Estados Unidos e trabalhou nos hospitais Umberto I, Santa Catarina, das Clínicas e do Servidor Púbico. Atualmente, é diretor do Hospital São Domingos de Catanduva e professor da Faculdade de Medicina da cidade.

Nas eleições de 2014, aos 64 anos, alcançou o êxito tão almejado. Depois de 40 anos, Catanduva e região voltaram a ter um representante no Legislativo Federal.  Hoje, como deputado federal, acumula as agendas parlamentar e médica. É o único médico em atividade da bancada paulista e, ao mesmo tempo que registra grandes resultados para as cidades de São Paulo, realiza consultas e cirurgias gerais por todo o Noroeste paulista, onde também acumula dezenas de títulos de cidadania.

Como vê a questão da Carreira de Estado para os médicos atuarem na atenção básica?

Considero que esta é, de fato, uma das soluções para a má distribuição dos médicos pelo Brasil. Estou muito esperançoso quanto à criação de uma Carreira de Estado para o médico do Sistema Único de Saúde, pois muitos outros parlamentares médicos também se somam a essa ideia. Também defendo uma política de interiorização da assistência em Saúde para garantir a fixação de profissionais nas áreas de difícil provimento.

E a redução na proposta orçamentária de 2016 para a Saúde?

Na minha opinião, atinge diretamente a população que mais necessita de atendimento. Neste momento, já estamos com um orçamento menor do que o do ano passado e a situação se agrava nos municípios brasileiros, apesar destes investirem quase 30% de seus orçamentos na área. Conheço a realidade dos hospitais e sei que cada novo corte orçamentário inviabiliza o atendimento adequado e humano aos pacientes do SUS.

Qual sua opinião sobre a não execução de R$ 42,5 bilhões do orçamento da Saúde em obras e equipamentos para unidades da rede pública?

Os números confirmam que a Saúde não é uma prioridade para o Governo. E não estou falando deste Governo. Não é uma crítica contra quem quer que seja, mas a expressão de uma realidade que se arrasta ao longo de muitos anos. Lembro-me sempre do saudoso Adib Jatene, e pergunto, o que mudou dos períodos em que Jatene ocupou a Ministério da Saúde até hoje? Temos a sensação de que os problemas se agravaram.

O contingenciamento de recursos, de ontem e de hoje, por razões econômicas, diverge dos princípios legais e constitucionais. A Saúde precisa ser prioridade, não pode estar sujeita a cortes ou atrasos. As definições do financiamento da Saúde precisam respeitar a dignidade dos cidadãos brasileiros e daqueles que trabalham no SUS.

É a favor do retorno da CPMF ou criação de algum tributo semelhante?

Duas coisas importantes: a Saúde precisa de mais recursos e, na sua origem, a CPMF tinha como finalidade atender essa área. A proposta tem como principal vantagem o fato de ser “insonegável”, pois incide sobre todas as operações financeiras no sistema informatizado. Em 1999, a alíquota foi elevada para 0,38% e os recursos também supriam as contas da Previdência Social. Sua queda acarretou, a partir de 2008, redução de R$ 40 bilhões na receita da Saúde. Hoje, infelizmente, ainda se discute essa questão sob o prisma político em Brasília. Quem é contra o Governo, se posiciona contra a CPMF. Entretanto, muitas pessoas teriam outra postura se outro partido estivesse no poder. A crise política, uma vez mais, explica a crise econômica.

Como avalia os trabalhos do Programa Mais Médicos?

Em 2011, pesquisas divulgadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) evidenciaram a má avaliação da população em relação aos serviços prestados pelo SUS, sendo a principal queixa a falta de médicos. Na mesma época, levantamentos feitos por entidades médicas mostraram que a principal razão para a falta de mão de obra se dava pela má distribuição de médicos no País, principalmente para os usuários do SUS, que contavam com quatro vezes menos médicos que o setor privado.

A partir da percepção do IPEA, o Governo Federal chegou à conclusão de que precisava fazer algo e lançou o programa de “importação de profissionais”. Porém, na minha opinião, o que o Governo também precisava ter feito era combater os reais problemas responsáveis pela crise no setor de Saúde: subfinanciamento, má gestão de recursos e corrupção. 

As entidades médicas e de educação estão preocupadas com a qualidade das muitas novas vagas de graduação e residência médica que estão sendo criadas, como vê essa questão?

Nosso País precisa de mais médicos. Esse é um fato. Portanto, é imprescindível a criação de novas vagas. Porém, comungo da opinião do Conselho Federal de Medicina: “O êxito da iniciativa só ocorrerá se houver condições adequadas de preceptoria e infraestrutura apropriada (instalações e equipamentos) para a formação dos residentes. Sem isso, o processo de ensino não se concluirá, devolvendo à sociedade um profissional sem a qualificação esperada, comprometendo o atendimento dos pacientes”. O CFM afirma ainda, com propriedade, que o risco de comprometimento na formação é real, pois, atualmente, há número considerável das vagas nas Residências Médicas disponíveis em instituições de ensino que descumprem regras mínimas estabelecidas pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).

Concorda com a existência de um exame nos moldes da OAB, cuja aprovação seja condicionada à obtenção do registro médico? Por quê?

Essa proposta é uma sugestão do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo que vejo com bons olhos. Dos 4.821 estudantes que participaram do Exame do Cremesp entre 2005 e 2011, 46,7% foram reprovados. A população não pode ser penalizada com a parcela cada vez maior de graduandos que saem das escolas médicas sem a correta preparação para o exercício profissional. O Cremesp também acerta ao dizer que os Conselhos de Medicina têm, por determinação legal, o papel de disciplinadores da prática médica, cabendo a eles “zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente”.

Quais os principais projetos e proposições de autoria do senhor?

Iniciei este primeiro mandato na Câmara Federal com muitas propostas importantes para a área de Saúde. Uma delas, já vitoriosa, foi o trabalho dos parlamentares médicos para a reformulação do Decreto 8.497/15, criado para regrar sobre o Cadastro Nacional de Especialistas, mas que, na sua forma original, abria brechas legais para que o Governo interferisse unilateralmente nas formas de certificação dos médicos especialistas no Brasil e na qualidade da formação desses profissionais. O novo texto do Decreto nº 8.516/2015 garante a formação de especialistas como se dá atualmente: por meio da residência médica e do título de especialista da AMB e Sociedades de Especialidades.

Outras importantes ações estão sendo desenvolvidas junto à Subcomissão da Carreira Médica, que exerce relevante papel no diálogo com o Governo e as entidades médicas. Somos três sub-relatores nos grupos de trabalho dessa subcomissão: Graduação (área de minha responsabilidade), Pós-graduação (deputado Antônio Jácome) e Carreira Médica (deputado Luciano Ducci). Tenho certeza de que vamos fazer um excelente trabalho e garantir que a formação e a carreira médica sejam reconhecidas como elas realmente merecem no nosso País.

Recentemente, o senhor visitou a cidade de Bauru e anunciou uma nova linha de crédito do BNDES para socorrer as Santas Casas de Misericórdia e hospitais filantrópicos. Como pretende articular a liberação da verba?

Com a reabertura da linha de crédito “BNDES Saúde”, além de apoiar investimentos em modernização, ampliação e reformas de estruturas de Saúde, defendemos o apoio à reestruturação financeira dessas instituições, para melhorar a situação econômico-financeira das entidades filantrópicas. Aliando a equação do endividamento bancário e com fornecedores a um plano de melhoria de gestão, com revisão do modelo operacional e profissionalização gerencial, quando couber, uma vez que o objetivo principal é sanar de maneira definitiva as deficiências econômico-financeiras das entidades, só será permitida uma operação de reestruturação financeira por beneficiário.

 Entrevista publicada na Revista da APM – edição 673 – dezembro 2015