Webinar APM propõe releitura de “violência obstétrica”

Na última quarta-feira, 23 de fevereiro, a Associação Paulista de Medicina promoveu o segundo webinar de 2022, com transmissão pelo YouTube, cujo tema foi “O parto e as suas consequências: uma releitura da violência obstétrica”. O encontro foi apresentado por João Sobreira de Moura Neto, 1º vice-presidente da instituição.

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Na última quarta-feira, 23 de fevereiro, a Associação Paulista de Medicina promoveu o segundo webinar de 2022, com transmissão pelo YouTube, cujo tema foi “O parto e as suas consequências: uma releitura da violência obstétrica”. O encontro foi apresentado por João Sobreira de Moura Neto, 1º vice-presidente da instituição.

O moderador foi Marcos Cabello dos Santos, ginecologista e obstetra e diretor da 7ª Distrital da APM. Antes de convidar os palestrantes, ele agradeceu à Associação por ter acolhido a ideia de discutir o assunto. “A APM está na vanguarda tentando levar essas informações à sociedade. Como diz o poeta, o artista tem de ir até onde o povo está. Essa tem de ser nossa finalidade”, declarou.

A primeira palestrante da noite foi Maria Rita de Souza Mesquita, doutora em Obstetrícia pela Escola Paulista de Medicina (EPM) e membro de diversas entidades associativas e sociedades de especialidade. Ela começou falando sobre as origens do termo “violência obstétrica”, primeiro observado na Venezuela, em 2000. A partir daí, o uso se expandiu para os demais países da América Latina, como mostrou a médica.

Por outro lado, em pesquisas em órgãos de Saúde ou bases de dados internacionais, o termo não existe. “A Organização Mundial de Saúde diz que todas as mulheres têm direito ao mais alto padrão de saúde atingível, incluindo o direito a assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto, assim como o direito de estar livre da violência e discriminação. Não menciona ‘violência obstétrica’.”

A especialista também realizou uma investigação etimológica. “O que significa violência? Segundo o dicionário, qualidade ou caráter de violento, ação violenta ou agressiva, com uso de força bruta ou ato de oprimir. E obstétrica? Referente à obstetrícia. Então, esse termo significa um ato de violência por um médico desta especialidade.”

Colocadas essas observações, Maria Rita afirmou que APM, Associação Médica Brasileira (AMB), Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp) e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) são contrárias à violência de qualquer tipo contra as mulheres. “Falo deste termo para que todos reflitam sobre a sua importância”, resumiu.

Legislação sobre o tema
Na sequência, o foco sobre o tema foi alterado com a convidada Marcia Negrisoli, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Bauru. Segundo a palestrante, é muito importante que exista um significado de “violência obstétrica” para que seja encontrado um equilíbrio entre expectativas da mãe, o serviço oferecido e as necessidades médicas que podem surgir.

“No Brasil, não há legislação federal específica, mas temos algumas iniciativas isoladas de municípios e estados. Santa Catarina foi pioneira nesse sentido. Em 2017, passou a vigorar no estado a Lei 17.097”, relatou a mestre em Direito Constitucional. A norma define como “violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou ainda no período puerperal”.

E a própria lei traz um rol exemplificativo de condutas que são consideras como “violência obstétrica”. Ao todo, são 21 pontos, entre os quais, como destacou a advogada: tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não-empática, grosseira ou zombeteira; impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência durante o trabalho de parto; deixar de aplicar anestesia na parturiente se ela assim requerer; proceder a episiotomia quando não é realmente imprescindível; e manter algemada as detentas em trabalho de parto.

“Este último é algo que parece tão fora de nossa realidade, mas se considerarmos o Brasil, com todas as suas peculiaridades, diferenças e dificuldades no sistema prisional, é importante realmente que a legislação trate a respeito dessas questões”, argumentou a especialista.

Em âmbito nacional, Marcia afirmou que processos em relação ao tema se amparam em legislações mais abrangentes e não específicas. Por exemplo, a Constituição Federal fala em não submeter ninguém a atendimentos degradantes, enquanto o Código Civil fala sobre a indenização por parte daquele que viola direitos e causa danos a outrem.

“Há também o Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura às mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher, além de planejamento reprodutivo. Em casos mais graves de violações de direitos humanos, também há a aplicação de código penal”, detalhou.

Por fim, a palestrante lembrou que outros países – como Venezuela e Argentina – já se debruçam sobre o tema desde meados dos anos 2000. “São dois países muito próximos, enquanto o Brasil ainda patina e caminha a passos lentos para ter uma regulamentação. Seria muito importante para trazermos segurança jurídica para todas as partes envolvidas.”

Rediscussão
Quem fechou as intervenções dos convidados foi César Eduardo Fernandes, presidente da AMB e diretor Científico da Febrasgo. “Este é um tema que nos causa mal-estar como obstetras, mas não podemos ignorar que existe, às vezes, violência contra grávidas praticadas por colegas de especialidade”, iniciou.

Por outro lado, o palestrante, que também é professor Titular de Ginecologia na Faculdade de Medicina do ABC, ressaltou que a obstetrícia é uma especialidade muito difícil de ser praticada. “É uma das mais difíceis da Medicina. Só se admite um resultado exitoso: mãe e nenê em casa sem qualquer intercorrência. Se houver intercorrência, sendo ou não por má prática, será imputada ao médico. Vivemos situações extremamente estressantes.”

O maior problema em relação ao termo “violência obstétrica”, na visão de Fernandes, é que, por mais que seja um conceito mais amplo, como mostrou a advogada, ele é entendido pela sociedade como a violência específica do médico contra a grávida. “Seria como chamar violência ao idoso de ‘violência geriátrica’ ou violência a crianças como ‘violência pediátrica’.”

“Concordo com tudo o que falaram, mas queria refletir junto com os operadores de juízo sobre a mudança da terminologia. Nós abominamos a violência contra a mulher grávida, em pré-natal, na internação, durante o parto. Não quero que confundam o que digo com falta de respeito com quem sofre violência – o que deve ser abominado em qualquer circunstância”, enfatizou o médico.

O presidente da AMB também comentou que muitas vezes as situações são limítrofes e que tomadas de decisão ágeis são feitas. “Usar ocitocina é violência? Depende. Pode ser uma conduta salvadora, para evitar uma cesárea ou para ajudar o desfecho do parto em caso de distocia funcional. E a episiotomia? A maioria imensa dos partos não precisa, mas algumas situações sim. Lamentavelmente, não temos muitos guidelines ou diretrizes a respeito, então a decisão fica a cargo do médico. Temos que olhar o contexto e a posição dele, que é o técnico.”

Mais uma vez, Fernandes ressaltou: “Existem indivíduos – e não quero dar guarida a eles – que devem ser processados e, se culpados forem, punidos por crimes de violência contra a mulher grávida durante o seu trabalho”.

Comentários finais
Antes do encerramento do Webinar APM, Marcos Cabello agradeceu a todos os convidados e propôs um movimento conjunto entre entidades médicas e OAB. “Vamos lutar por um parto seguro e respeitoso. Precisamos mostrar isso para a população. Quero que deste evento nasça uma mobilização para mudar o estado das coisas”, afirmou.

O vice-presidente da Associação também teceu comentários finais. “Esses são termos realmente muito fortes. É como o que ocorre com ‘erro médico’. Não sabemos de ‘erros de engenheiros, de advogados, de dentistas’. O único que tem esse termo para si é o médico.”

Sobreira disse entender essa repercussão por se tratar de uma área sensível, mas ressaltou que não há motivos para atacar os médicos, que são aqueles com quem contamos nas situações mais delicadas e importantes da vida. “Temos que lutar contra esses termos inadequados que depreciam pessoas. Estamos ao lado da sociedade e dos pacientes no direito de serem bem-atendidos com afeto, técnica e tudo o que queremos para nós mesmos e nossos familiares”, finalizou.

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