Brasil avança na pesquisa de vacina própria contra malária

A comunidade científica celebrou duas notícias recentes no combate à malária. A primeira veio no ano passado, com a aprovação inédita de uma vacina para a doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O que diz a mídia

A comunidade científica celebrou duas notícias recentes no combate à malária. A primeira veio no ano passado, com a aprovação inédita de uma vacina para a doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Depois, vieram os resultados de outro imunizante, desenvolvido pela Universidade de Oxford, que aumenta a eficácia dessa proteção. As novidades aproximam o planeta da meta de reduzir em 90% os casos até 2030, em comparação com os números de 2015, e eliminar o patógeno na década seguinte.

Porém, no Brasil esses avanços não são tão alvissareiros. Segundo especialistas, embora despertem esperança para intensificar as estratégias de prevenção, principalmente em países da África onde os números de contágio são mais dramáticos e letalidade maior, esses imunizantes não serão úteis no contexto brasileiro. A realidade chama atenção para a importância do desenvolvimento nacional de vacinas, que podem ser direcionadas à forma da doença prevalente no país e de fato influenciar a epidemiologia da malária aqui.

— As duas vacinas atuais são para o Plasmodium falciparum, que é de fato a espécie causadora da malária mais virulenta e responsável pela maior mortalidade no mundo. Mas ela não é a que predomina no Brasil, aqui é o Plasmodium vivax. Isso significa que essas vacinas não vão ter muita utilidade para os casos brasileiros da doença, que permanecem altos — diz a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) Irene Soares, integrante do Núcleo de Pesquisa em Vacinas da universidade.

FEITO INÉDITO

Os dois imunizantes que miram o P. falciparum são de fato os mais avançados hoje. O primeiro recebeu no ano passado o aval da OMS após mais de três décadas em estudos. Chamado de RTS, ou Mosquirix, ele foi desenvolvido pela farmacêutica GSK e é não apenas a primeira vacina para malária, como também inédito na proteção contra um parasita.

Neste mês, resultados dos estudos clínicos com uma formulação semelhante, desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, foram publicados na revista científica The Lancet. Os dados mostraram que a nova vacina, também para o P. falciparum, tem uma eficácia maior, de aproximadamente 75%. A conclusão da última etapa dos testes, que está sendo conduzida com participantes em quatro países, é aguardada ainda neste ano, o que pode levar em breve também à aprovação pela OMS.

As aplicações, consideradas um marco histórico no combate à doença, são destinadas a bebês. De acordo com a OMS, em 2020 foram 627 mil mortes pela malária, com crianças menores de 5 anos representando 70% desse total — a maioria no continente africano. A situação epidemiológica, que vinha melhorando desde o início dos anos 2000, piorou com a pandemia. Em 2020, foram registrados 69 mil óbitos a mais que em 2019.

— Se quisermos atingir o objetivo de erradicar a malária do mundo até 2040, ou talvez até 2045 em virtude da pandemia, é preciso erradicar os parasitas, e não vamos conseguir isso só com medicamentos, precisamos de vacinas — diz o professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Carlos Dias, colaborador da Medicines for Malaria Venture.

Porém, o fato de o Brasil ter a prevalência de um outro parasita, que não é combatido com esses imunizantes, faz com que a perspectiva de estratégias mais eficazes de prevenção seja outra aqui. Enquanto o P. falciparum responde por mais de 90% dos casos mundiais de malária, segundo a OMS, 83% dos diagnósticos brasileiros vêm do P.vivax:, de acordo com o Ministério da Saúde.

VACINA BRASILEIRA

Por aqui, instituições como a Fiocruz e o Butantan têm capacidade de produzir imunizantes, mas o país não domina a criação de imunobiológicos desde o conceito até os testes e a eventual disponibilização. E o que explica a pesquisadora Irene Soares, da USP, que coordena o grupo que desenvolve a primeira vacina do Brasil para a doença, ao lado da Universidade Federal de Minas Gerais e com a Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos.

A formulação, que busca proteger contra as três variantes conhecidas do P.vivax, induziu anticorpos com sucesso em camundongos nos testes pré-clínicos, e agora está nas últimas etapas para o início dos estudos em humanos. Se tudo der certo, a expectativa é começar a fase 1 dos estudos com voluntários já no ano que vem.

Soares pontua que um dos desafios para o imunizante é o fato de ser um parasita, microrganismo cuja biologia é mais complexa que a de outros patógenos, como vírus e bactérias, que contam como um amplo arsenal de vacinas.

Pesquisadora da Fiocruz Amazônia, Stefanie Lopes está à frente dos estudos com uma outra vacina, também para o P.vivax, que está sendo desenvolvida com universidades japonesas.

Lopes explica que a instituição está auxiliando nas avaliações pré-clínicas do imunizante, usando amostras do parasita coletadas de infectados da região, que é endêmica para a malária. A tecnologia do imunizante é a de vetor viral, semelhante à da aplicação contra a Covid-19 desenvolvida pela AstraZeneca, por exemplo.

—No Brasil, uma das metas no plano de erradicação da malária do Ministério da Saúde para 2035 é eliminar o parasita, mas sabemos que as ferramentas que temos hoje não são suficientes — diz.

Fonte: O Globo