Ciência: Vacinas nasais são a solução?

As empresas CanSino e Bharat Biotech tiveram suas vacinas nasais aprovadas, semana passada, na China e na índia, respectivamente.

O que diz a mídia

As empresas CanSino e Bharat Biotech tiveram suas vacinas nasais aprovadas, semana passada, na China e na índia, respectivamente.

Ambas usam um adenovírus inofensivo para transportar o material genético do coronavírus. As empresas dizem ter concluído os testes clínicos de eficácia, mas não publicaram ainda seus resultados.

Vacinas de mucosa, como essas, são vistas com grande expectativa: têm o potencial de causar imunidade esterilizante, que impedirá que os vacinados transmitam o Sars-CoV-2, um passo a mais para dar fim à pandemia.

Ênfase, porém, no “potencial”. Em teoria, vacinas de mucosa devem ser mais efetivas para barrar a transmissão, justamente porque mimetizam o caminho natural do vírus, e provocam uma imunidade no local, na porta de entrada, deixando as células de defesa das vias aéreas superiores prontas. Mas a prova da teoria é a prática.

A gotinha da pólio oral, a vacina Sabin, é um exemplo muito bem-sucedido de imunidade de mucosa, e diminui transmissão. Já a vacina nasal para gripe usada nos EUA, a FluMist, funciona muito bem em crianças, mas em adultos esbarra em uma imunidade prévia. Adultos em geral já tiveram contato com o vírus da influenza algumas vezes durante a vida, o que gera uma resposta imune que acaba neutralizando a vacina antes que ela termine o serviço. Se isso vai acontecer também com a Covid-19 ainda não sabemos, mas é uma possibilidade.

O que as empresas conseguiram demonstrar até agora é que as vacinas nasais provocaram uma resposta de anticorpos neutrali- zantes maior e mais duradoura do que as versões injetáveis. Isso é bom, mas não garante imunidade de mucosa. Para isso, seria interessante medir anticorpos específicos produzidos na mucosa, e conduzir ensaios clínicos controlados para medir redução de contágio.

Como boa parte da população já está vacinada ou teve a doença (ou as duas coisas), devem ser feitos ensaios de não inferioridade e correla- tos de proteção, vendo se as novas vacinas produzem, por exemplo, mais ou menos anticorpos e outras células de defesa do que as outras. Mas isso levanta outro problema: não sabemos qual a resposta imune necessária para barrar transmissão.

Outras duas vacinas nasais, já em uso, também estão devendo a publicação dos dados de eficácia, uma no Irã e uma na Rússia, esta uma versão nasal da Sputnik.

Ensaios em animais com vacinas de mucosa são muito promissores. Um estudo feito por pesquisadores de Yale com camun- dongos mostrou que a versão nasal de uma vacina de mRNA usada como reforço, protegeu os animais completamente de doses letais do vírus, e um estudo em macacos feito nos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA mostrou ausência do vírus nas vias aéreas superiores dos animais.

Outra vacina nasal, esta baseada em bac- teriófagos (vírus que infectam bactérias), do tipo T4, testada em camundongos, mostrou resultados excelentes: induziu resposta imune local de anticorpos, e conferiu proteção completa aos animais que foram desafiados, inclusive, com a variante delta mais letal. Trata-se de uma vacina fácil de produzir, estável em temperatura ambiente, não precisa de cadeia de frio nem de ad- juvantes (substâncias para melhorar a resposta imune, que encarecem a produção).

Além disso, o uso do bacteriófago como vetor evita problemas que podem aparecer quando se utilizam adenovírus. Essas vacinas podem ter sua eficácia reduzida pela exposição prévia das pessoas a adenovírus respiratórios comuns, como é o caso do Ad5, usado na vacina nasal da CanSino.

A vacinado T4 é ótima candidata para testes clínicos em humanos, e para ser usada como dose de reforça Estamos no caminho certo ao apostar nas vacinas nasais, mas as regras do jogo não mudaram: é preciso publicar e comunicar com transparência e honestidade sobre o que ainda não sabemos.

Fonte: O Globo