A Dor de Ouvir a Dor: médicos apresentam seus pontos de vista sobre o tema

O Comitê Científico de Dor da Associação Paulista de Medicina realizou, no último sábado (21), o primeiro de seus grandes eventos de 2022, a Jornada A Dor de Ouvir a Dor

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O Comitê Científico de Dor da Associação Paulista de Medicina realizou, no último sábado (21), o primeiro de seus grandes eventos de 2022, a Jornada A Dor de Ouvir a Dor. Realizada de forma híbrida, a conferência teve na comissão organizadora a presidente do Comitê, Telma Zakka, Hélio Papler e Camila Zakka. Além deles, participaram da cerimônia de abertura os médicos Rogério Adas (neurologista) e Pérola Papler (fisiatra).

Adas iniciou a programação científica falando sobre os aspectos neurológicos da dor de ouvir a dor. O profissional pontuou que a dor é uma experiência universal, que todos os indivíduos sentem, cada um à sua maneira, de forma intransferível e correndo o risco de se tornar uma situação crônica.

De acordo com ele, a dor é responsável pelo desenvolvimento de reações fisiológicas, causando incômodos e se classificando como um problema de saúde pública. O médico ainda destacou que a dor engloba diversas experiências, sejam emocionais ou fisiológicas. “A modulação da dor é um processo curioso e que chama a atenção. Em situações de combate, por exemplo, soldados levam um tiro e não sentem dor. Em situações ritualísticas, um homem pode caminhar sobre o fogo sem sentir dor. Uma dor inibe a outra. Em cenários cotidianos de estresse crônico e vida urbana disfuncional e moderna, esses sistemas podem se dissolver, afetando outras coisas além da dor, como o sono, o humor, a capacidade de prestar atenção. A pessoa com dor crônica não consegue se concentrar, dorme mal, tem lapsos de humor e fica deprimido.”

O especialista enfatizou as principais diferenças entre dor crônica e aguda. No caso de pacientes com dores agudas, que são passageiras, é identificada a causa da dor, acompanhada de uma investigação, diagnóstico e, posteriormente, o tratamento adequado. Já no caso da dor crônica, a abordagem terapêutica é multidimensional, podendo não ser tão certeira e causando a solicitação de exames desnecessários, que gerarão custos altos e resultados que nem sempre podem ser precisos.

“Um exemplo disso são os pacientes que têm fibromialgia. Os sintomas dessa condição são subjetivos e os exames normalmente não dão nada. Esses casos representam um desafio para os médicos, porque enquanto as análises físicas e complementares não apresentam alterações, o paciente está ali trazendo uma série de queixas. Por isso, há uma grande importância em desenvolver mecanismos que ajudem a entender essas condições que desafiam a Medicina”, ressaltou.

Neste sentido, o palestrante apontou que o processo terapêutico da Medicina em tratar a dor e cuidar do ser humano é milenar e precisa ser respeitado. Além de respeitar, acreditar e entender a dor, também é importante deixar de lado experiências anteriores e lembrar que cada caso é único. Conforme explicou, o ser humano é passível de influências e tende a deixar seus aprendizados anteriores interferirem nas experiências. Por isso, é fundamental se distanciar daquilo que já se possui de conhecimento e começar uma abordagem do zero ao iniciar o tratamento de um novo caso.

“Lidar com a frustração é uma realidade para quem trata de dor crônica, exatamente por conta dessa privação de respostas. Não obstante, existe uma óbvia carência de estruturas para atender esses pacientes, tanto no contexto público, quanto no particular, além de fatores econômicos. Sendo assim, é preciso dar atenção e investir na educação em dor para profissionais da Saúde e população no geral, para que alguns contextos possam ser evitados”, concluiu.

Aspectos físicos da Dor

Discorrendo sobre o tema “Aspectos Físicos da Dor”, Pérola Papler ministrou sua palestra diretamente de Israel, por vídeo. De acordo com ela, a dor é uma forma de aviso quando algo está errado no corpo e é preciso tomar uma providência. A sensação se destaca por ser um sistema de alarme que vem ficando cada vez mais sofisticado e ajudando os seres humanos a lidar com determinadas situações, principalmente quando elas são adversas.

Desta maneira, trabalha o sistema nervoso simpático (SNS), envolvendo respostas imediatas do organismo em emergências – inclusive nos casos de dores intensas e agudas. “O sistema nervoso central tem um efeito inibidor na digestão, por exemplo. Sendo assim, a dor tende a diminuir a capacidade de digerir os alimentos, provocando reações como náuseas, vômitos ou constipação. Além disso, a dor também desencadeia respostas nas amígdalas, levando à produção de hormônios e estimulando a medula adrenal a liberar adrenalina e noradrenalina”, informou.

A especialista pontuou que quando a liberação dos hormônios funciona bem, acontece uma redução da dor, impedindo que a resposta inflamatória fique fora de controle. No entanto, nos casos de dor e estresse a longo prazo, a capacidade de amortecimento à inflamação pode diminuir, causando resistência nos receptores de glicocorticoides, prejudicando o retorno ao hipotálamo, causando a perda de capacidade do cortisol de manter a inflamação sob controle, além de aumentar a tendência à depressão, ansiedade e problemas no sono.

Em relação ao sistema imunológico, os danos aos tecidos tendem a desencadear respostas imunes, estimulando as terminações nervosas sensoriais e causando dor. “Isso tem uma série de efeitos no humor. A dor desencadeia respostas emocionais orquestradas por várias regiões do córtex. Sendo assim, a ansiedade e a depressão podem aumentar ou reduzir a dor, dependendo de suas circunstâncias. O medo ou a ansiedade intensa causam ainda um estado de alta excitação, consciência e vigilância, reduzindo a sensibilidade à dor, enquanto a ameaça de grau baixo ou moderado tem uma resposta menos intensa e induz um estado de excitação no qual a dor é sentida mais facilmente. Por isso, a avaliação do humor é uma parte importante da avaliação holística da dor”, indicou Pérola.

Em longo prazo, todos os tipos de dor são potencialmente prejudiciais, sendo importante que o médico análise algumas características de seus pacientes, como aumento da frequência cardíaca e respiratória e da pressão arterial, assim como verificar se possuem arrepios e pele pálida, visto que, quanto mais intensa a dor, mais visíveis passam a ser tais sintomas.

“É válido destacar alguns pontos chaves diante de tais situações. A dor é transmitida do local da lesão para o cérebro através de sinais elétricos e as alterações fisiológicas por ela desencadeadas são inicialmente úteis aos sensores, mas podem se tornar altamente prejudiciais, caso sejam persistentes. Por isso, compreender a fisiologia da dor permite que os profissionais da Saúde atuem em seus mecanismos. Mas o mais importante, de fato, é ouvir o paciente”, finalizou.

Aspectos emocionais da Dor

Telma Zakka foi a responsável pela apresentação do tema “Aspectos Emocionais da Dor”, destacando a importância de uma abordagem efetiva nos atendimentos com os pacientes, de modo que eles possam se sentir acolhidos: “Você precisa não apenas ouvir o seu paciente, mas escutá-lo. Escutar é ficar atento para ouvir, é ouvir na intenção de entender. Você, enquanto moderador, pode conduzir com perguntas adequadas, ir conquistando a confiança dele e ir tirando coisas, sabendo ainda mais que outros médicos”.

A médica pontuou que procurar saber o passado e o histórico dos pacientes também é um ponto fundamental e que a execução de pequenos atos, como se movimentar para a frente na direção do paciente a fim de ouvi-lo melhor, por exemplo, contribui para criar uma relação de proximidade. Além disso, reforçou o valor do contato físico na hora do exame e de procurar entender a origem das dores.

De acordo com ela, não interromper o paciente é uma maneira de demonstrar acolhimento. Nos casos em que não há tempo para ouvir situações complexas, é mais adequado ser honesto dizendo que não há como realizar a consulta. “Você tem que entender a história que o seu paciente está te passando. Se não tem tempo para atender, não atenda. Você não precisa dar opiniões a respeito da história que ele está te contando, aliás, não deve, mas pode fazer requisições, pois isso demonstra que se importa com o que está sendo relatado.”

Conforme Telma explicou, o objetivo da Jornada foi exatamente repensar a dor do paciente e do médico como um todo. A presidente do Comitê da APM enfatizou que, independentemente de qualquer coisa, é primordial criar uma relação de escuta. “Parafraseando o que a Raposa diz para O Pequeno Príncipe, ‘a gente só conhece bem as coisas que cativa’. Cativar é importante, é criar laços. Observe o seu paciente, o comportamento dele. Comecem a pensar que a tecnologia tem que ser usada a nosso favor e do doente, não contra ele. A gente precisa escutar o paciente para torná-lo livre, funcional e com menos dor”, completou.

Aspectos de quem sente

O responsável pelo assunto foi o cirurgião Hélio Papler, que evidenciou suas experiências enquanto médico e paciente. Destacou que, ao falar de dor, a primeira coisa que o profissional deve fazer é entender os aspectos físicos, biológicos e emocionais, visto que a dor é própria e interpretada de diferentes maneiras entre os indivíduos. Além disso, pontuou a importância de ouvir e entender as dores e aflições dos profissionais da Saúde.

“A dor existe para todos os lados, mas o estereótipo é de que quem sente dor é o paciente, que tem uma posição ali de subalternidade. O problema é que quando acontece isso a gente já está criando um distanciamento, em que o médico assume uma posição de superioridade. No entanto, existem maneiras de subverter isso, como através da chamada sinestesia de espelho toque. Os neurônios espelhos são responsáveis por “espalhar” sensações, como nos casos de quando alguém ri e outra pessoa ri, ou quando alguém boceja e outra pessoa boceja também”, explicou.

De acordo com o palestrante, algumas técnicas da Medicina vêm utilizando o método do espelho toque para o tratamento dos pacientes. O princípio contribui para maior amplificação da empatia na relação médico e paciente. “Os profissionais acreditavam que a dor era subjetiva. A conclusão que se chegou foi que o conhecimento médico/técnico não é suficiente para determinar o tipo de dor que o paciente sente, e a experiência de dor do médico abre um leque para ele entender o que o paciente está trazendo.”

Papler trouxe ao público a sua experiência estando dos dois lados, uma vez que atualmente é paciente. “Quem é o paciente? Ele é esse ser passivo que tem de ser preenchido com o nosso conhecimento ou é um ser que deve participar ativamente do seu processo de cura? E quanto ao médico, ele é homem ou máquina? Precisamos enxergar esse processo como um todo, pois assim a gente não corre o risco de chegar em um atendimento frio e mecânico”, encerrou o primeiro ciclo de palestras.

Após discussão sobre os tópicos iniciais da Jornada, a programação da tarde teve conteúdos sobre Literatura e dor – com Fabiana Buitor Carelli, Tatiana Piccardi, Andréa Del Fuego e Carlos Eduardo Pompilio; Arte e Dor – com Wagner Kuroiwa, Wellington Nogueira e Guto Lacaz; e Música e dor, com Samir Rahme, Paulo Bedaque e Davina Marques. Também foi apresentado vídeo da Banda ‘All Stars 78 EPM Band’ antes do encerramento.

Palestrantes
Expositores do estande
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